04 DE DEZEMBRO DE 2016 | POR VAGNER CRUZ
Em dezembro de 2003, Geddy Lee e Alex Lifeson tiveram uma longa conversa com o jornalista e autor canadense Martin Popoff, para sua revista Brave Words & Bloody Knuckles. Os três falaram amplamente sobre as experiências singulares dos shows antológicos no Brasil no ano anterior, além de abordarem também muitas curiosidades sobre o lançamento de Rush In Rio, o material mais recente do trio até então. Acompanhem a tradução completa desse belíssimo e importante material, exclusiva para o Rush Fã-Clube Brasil.
VAPOR TRAILS SOBRE O RIO
Brave Words & Bloody Knuckles - Dezembro de 2003
Por Martin Popoff | Tradução: Vagner Cruz
Sim, para os nossos vizinhos do metal, Rock in Rio do Iron Maiden define mais ou menos o padrão do choque sul-americano de uma queimadura solar. Rob Halford também já levou o power metal para a parte mais baixa do continente com o seu ao vivo Insurrection e, ao longo dos anos, muitos outros já confessaram sucumbir à loucura com o festival latino. Eu até lembro, durante algumas conversas no recente SARS Relief Show em Toronto, que o maior show já montado era considerado o de Rod Stweart na praia no Rio, dançando com três milhões de brasileiros loucos, o que equivaleria a, pelos meus cálculos, seis milhões de pernas bronzeadas, com margem de erro para as pernas mecânicas.
Isso nos traz ao autoproclamado "ficar em casa" Rush, uma banda insular por muitos padrões (especialmente sobre o assunto em questão). Eles não tocam na Europa há dez anos, tendo feito um total de quatro shows no Japão e jamais tocando em qualquer outro lugar da Ásia - além de nunca terem chegado à América do Sul em 30 anos no topo da pilha do prog metal.
E o fato da banda ter conseguido 125 mil fãs zonzos com Geddy ao longo dos três shows brasileiros - documentados, é claro, no CD triplo e DVD duplo chamado Rush in Rio - não significa que seus olhos estão mais amplos sobre visitar mais locais exóticos por todo o mundo.
"Bem, você sabe, nessa fase eu não tenho tanta certeza", adverte o guitarrista Alex Lifeson, em pensamentos que remontam uma jornada pela África mais sombria, a populosa Índia ou a desolada Mongólia. "Se houvesse um lugar para ir onde teríamos o mesmo tipo de resposta que tivemos no Brasil - sobre o qual não tínhamos ideia da popularidade - então valeria a pena. Mas, nessa fase da carreira, ir para um país exótico para tocar para poucas pessoas não é algo no qual estamos interessados. Sabe, nosso show é grande, caro, e não gostaríamos de comprometê-lo - não gostamos de fazer shows do tipo festival. Um evento ocasional especial sim, mas gostamos de estar no controle e com a ideia de apresentar a banda numa determinada maneira. Dessa forma, o aparato tem que estar no lugar certo".
Mas o Brasil, por outro lado, acabou sendo uma viagem proveitosa, apesar das dificuldades técnicas (mais sobre isso à frente). "É surpreendente como eles estão em sintonia com tudo, com todas as formas de música. Eles não falam muito inglês por lá, mas o público cantou a noite inteira. Cantaram junto facilmente as canções do Vapor Trails, assim como fizeram do 2112 ao Moving Pictures. Fui para o Brasil pensando não que seria atrasado, mas deficiente. Porém, foi o oposto. É uma cultura muito avançada. Eles estão por aí há mais tempo do que nós. Acho que, de muitas maneiras, são o orgulho da América do Sul - certamente uma cidade como São Paulo, que é tecnologicamente avançada e o centro do comércio e da tecnologia no Brasil".
"Há um pouco dessa influência latina", arrisca Lifeson, com relação aos negócios. "As coisas que geralmente consideramos importantes aqui, como o trabalho e a eficiência, existem em menor grau por lá. As prioridades são mais familiares, amigos, diversão, uma boa refeição, curtir a companhia do outro - muito mais do que acontece na Itália ou na Espanha por exemplo. Podemos tirar uma lição disso".
E sim, as dificuldades técnicas. "Sim, o mundo desabou todos os dias por lá", diz o baixista e vocalista Geddy Lee (completando a banda, um cara chamado Neil Peart). "Sabe, você nunca sabe com o que está lidando quando vai para um país como esse. Eles sempre te dizem quando são perguntados sobre o que precisamos tecnicamente: 'Oh sim, entendemos'. Isso não significa que você terá aquilo, mas que eles entendem o que você quer (risos). Essa foi a fina linha de semântica que descobrimos. Assim, todos os dias, havia uma nova surpresa sobre os aspectos técnicos para fazermos o show, sem mencionar a manipulação de 20 câmeras e um caminhão para a gravação. E o caminhão para a gravação, pelos padrões contemporâneos normais, era bem básico".
"Acho que foi o mesmo para os vários equipamentos de imagem que eles usavam. Mas eles tinham bons cinegrafistas, um grande diretor e uma equipe realmente muito boa, com grande experiência por lá. Mas, novamente, você nunca sabia o que ia acontecer. E, naquele dia em particular, não contávamos que a rota de São Paulo até o Rio seria tão tortuosa".
"O caminhão levou cerca de oito horas para chegar, e o show aconteceu muito tarde... não subimos no palco antes das 22:30 aproximadamente. Temos três horas de show - então, faça a matemática. É claro - o show em São Paulo, na noite anterior, foi debaixo de chuva - e o equipamento estava todo molhado. Assim, eles carregaram o caminhão no meio da noite, na chuva, e depois dirigiram por oito horas. Eram duas da tarde quando a primeira peça dos equipamentos chegou no palco. E geralmente chegamos às seis da manhã, a fim de que o show esteja pronto às seis da noite. Eles enfrentaram tudo isso".
Alex comenta mais sobre o tempo ruim: "Tivemos chuva, na verdade, nos dois primeiros shows. Estava chovendo muito em Porto Alegre, o primeiro show no Sul. No momento que subimos no palco havia parado, mas estava tudo molhado. O palco estava molhado, nosso tapete estava molhado e alguns dos equipamentos estavam molhados".
"Tivemos problemas com o console: estava molhado. Porém, conseguimos fazer com que tudo funcionasse, e aquilo foi um verdadeiro milagre. O próximo show foi em São Paulo... sabe, fazemos um show de três horas dividido por um intervalo entre dois sets. Começou a chover no fim do primeiro set, e choveu durante o segundo. Não estou dizendo que choveu sobre o público e que ficamos vendo as pessoas se molharem. Choveu em todos os lugares, e o vento soprava para o palco. Assim, todos nós - incluindo Neil - estavam encharcados. A água era despejada em nós".
Nos velhos tempos, isso causaria a interrupção do show, devido ao risco iminente de eletrocussão. Por que isso não aconteceu com Rush naquela noite tempestuosa da ciência natural?
"Bem, o advento das conexões sem fio tornou as coisas menos perigosas lá em cima. Assim, você não fica tão preocupado sobre fazer uma conexão de um ponto de eletricidade para outro, ou seja, que saia dos amplificadores das guitarras para as PAs. Apenas fomos para lá e tocamos. Mas, quando estávamos caminhando para o final, minha pedaleira começou a entrar em curto, e alguns dos pads eletrônicos de Neil também. Vencemos aquele set e, no dia seguinte, tínhamos o show no Rio - o que foi uma longa viagem pela estrada".
"Eles só começaram a montar tudo quando normalmente estamos fazendo a nossa passagem de som. Dessa forma, não tivemos passagem de som, não fizemos as verificações de funcionamento dos equipamentos e também dos vídeos. Tivemos problemas com a energia; os requisitos não estavam sendo atendidos. Houve problemas com o palco. O caminhão com o áudio para a gravação do DVD era um 'garoto' (risos) - uma relíquia de uma outra era. O potencial para tudo que poderia dar errado estava lá".
"Conseguimos subir ao palco às 22:30 e o show seguiu sem nenhuma interrupção - os ajustes das câmeras para o DVD... tudo funcionou. Foi incrível conseguirmos aquilo. Todos os equipamentos com os quais tivemos problemas na noite anterior funcionaram milagrosamente, graças à nossa equipe fantástica".
Felizmente, os serviços de lavanderia foram tão acessíveis no Brasil quanto em toda turnê norte-americana. "Haviam apenas três, e nunca tivemos que comprar substitutas", explica Alex com relação às secadoras branco-osso que ficavam do lado esquerdo do palco (à sua direita) nessa última turnê. "Foi George Steinert, da nossa equipe, que conseguiu as mesmas. Ele as trouxe fixando-as num ponto mais alto que o normal, retirando delas os elementos que poderiam produzir calor - para que pudessem trabalhar sem aquecer. Ele instalou luzes de pouso para aeronaves dentro delas, de forma que, quando abríamos, elas brilhavam. E você tinha que colocar 25 centavos nelas para mantê-las girando. Todas as noites tentávamos ter convidados no palco, colocando moedas nelas para mantê-las funcionando".
"Certamente, 'Resist' - que passou de uma versão elétrica para acústica - é provavelmente a música mais transformada", observa Alex, mergulhando na coleção monstruosa de 31 faixas de Rush In Rio. "Sempre quisemos fazer algo acústico, mas não tínhamos certeza - sempre resistimos a esse desejo. Não queríamos fazer algo acústico que parecesse apenas alguma coisa da moda - por isso evitamos. Mas aqui achamos que seria um tipo de pausa bem agradável. Tendo em vista o nosso show de três horas, entendemos que seria refrescante. Além disso, achamos que seria, dependendo da sua localização no set, uma oportunidade para que Neil pudesse recuperar o fôlego após seu solo de bateria, fazendo isso como uma mudança bem dinâmica. Assim, trabalhamos numa versão do tipo folk, e achei que trabalhamos muito bem. Geddy e eu nos divertimos bastante naqueles poucos minutos".
"Trouxemos algumas coisas de volta, como 'By-Tor e The Snow Dog' e 'Working Man' em versões reduzidas das originais, mas ainda bem fieis às originais. Pensando na maior parte do set, acho que sempre nos orgulhamos de estarmos próximos aos discos, porém, acionando elementos para serem feitos ao vivo - essa energia que você cria no palco. Sempre foi uma decepção para mim ver minhas bandas favoritas e não conseguir ouvir as versões originais das músicas. Isso sempre me pareceu uma fuga de responsabilidade. Assim, desde os primeiros anos, sempre buscamos reproduzir com bastante fidelidade o que fizemos no estúdio".
"Acho que não tocávamos 'Working Man' desde 1976 ou 1977", continua Alex. "Assim, foi um verdadeiro deleite trazê-la de volta. Não tínhamos certeza. Ela é simples, uma canção rock bem direta, mas que acabou se tornando uma grande oportunidade de tocar colocando seu coração para fora de verdade, para todos nós. Foi muito divertido tocá-la".
Acabou que "Closer To The Heart", uma diversão mais pop do decididamente sério A Farewell to Kings, teve que ser adicionada. "Bem, essa música foi um sucesso em certos lugares do mundo, mas apenas por acidente", observa Geddy. "Na Grã-Bretanha e também em algumas partes da América ela chegou no Top 20. Aparentemente, isso também aconteceu na América do Sul, pois tivemos que trazê-la nessa turnê. Não estávamos tocando essa na turnê. Porém, recebemos tantos pedidos no México que tivemos que reaprender durante a passagem de som no dia do show. O mesmo ocorreu no Brasil".
"'YYZ', especialmente no Brasil, foi um dos destaques do público. Assim que começávamos a tocá-la, a multidão começava a subir e descer no mesmo tempo dela. Num dado momento, eles começaram a agitar os braços para nós numa saudação do tipo 'não somos dignos' e em sincronia - como se fosse uma mini onda (risos). E eles cantavam junto. Se você ouvir o álbum, poderá percebê-los cantando junto com a música. O mais incrível nos públicos brasileiros é que eles cantavam junto quando tocávamos instrumentais, como se tivessem escrito algo para cantar em cima daquilo. Não sei se eram cantos de futebol. Foi incrível pra mim, pois eles cantavam muito bem e adicionavam novas partes".
Perguntei a Alex sobre os preparativos da banda para atacar as três horas de Rush vividas na carne, em comunhão com a maior convenção de air-drummers que jamais testemunharemos em outro lugar...
"Bem, você ficaria surpreso. Nos bastidores de um show do Rush (quando digo bastidores quero dizer camarim), é algo muito parecido com uma biblioteca (risos). É muito calmo. Neil geralmente fica num canto lendo. Não temos nenhuma preparação psicológica prévia. Nos vestimos, conversamos um pouco sobre qualquer coisa e alguém chega e nos leva pra lá. Não há abraços, oração em grupo ou algo do tipo. Apenas fazemos o nosso trabalho. Mas antes de estarmos juntos aguardando sim, Neil vai praticar em algum lugar durante vinte ou trinta minutos num pequeno kit de treino formado apenas com pads. Sua maneira de se aquecer é atacar aquela porcaria. Basicamente, ele faz um solo de bateria de vinte minutos, tocando pesado de verdade".
"Gosto de fazer o mesmo, me aquecendo por no mínimo meia hora antes dos shows. Dependendo do meu humor, às vezes uma hora. Já Geddy não, não tanto. Acho que não o vi praticando uma única vez antes dos shows dessa turnê. Só me lembro dele passando um tempo aquecendo um pouco sua mão direta por ter sentido tendinite no final da tour".
E a forma de preparação da banda funciona? Fiquei me perguntando, dada a complexidade do material, se o Rush já experimentou colapsos musicais ou gafes que ameaçaram descarrilar algumas músicas.
"Não muitos", diz Alex. "Usamos pontos de ouvido e, por isso, estamos bem conscientes do que está acontecendo e onde todos estão à respeito dos 'acidentes de trem' - a forma com a qual chamamos. Mas não consigo lembrar de nenhum nessa turnê. Eu diria que acontece duas vezes, talvez três no curso total de uma tour, onde de repente alguém faz algo e todo mundo se perde e fica parecendo outsides do jazz - e então imediatamente voltamos para a música (risos). 'Natural Science' é sempre um verdadeiro desafio. Ela é muito intrincada, e os compassos são bem movimentados. Você se intensifica nela e vai até o fim. É sempre um desafio para todos nós. Quando tocamos bem, nos sentimos ótimos de verdade".
Geddy, confrontado com a mesma pergunta, culpa Alex. "Bem, Alex teve um problema com um cinegrafista no primeiro set, ficando louco com o cara. Acabou perdendo a concentração cometendo uma gafe numa das canções, durante um dos solos. Depois do set, tivemos que tranquiliza-lo, lembrando-o que ele deve esquecer tudo isso, e que ele não pode deixar essas coisas incomodá-lo durante um show que está sendo filmado. Não há sentido parecer puto numa gravação. Ele aceitou o toque, mas foi algo bem difícil".
"Havia tantas coisas contra nós naquele dia, dado o fato de que os caras chegaram tarde e de que não tivemos passagem de som. A equipe de cinegrafistas não havia feito suas checagens prévias, o mesmo para a equipe de som. Assim, quando chegamos no palco eram 22:30 - estávamos começando frios, todos estavam começando frios. E, para aumentar a confusão, tínhamos todas aquelas luzes extras que o pessoal da filmagem havia colocado no palco sem conversar conosco antes".
"Tinha fios por toda a parte na frente no palco, dificultando nossa ida para lá a fim de tocarmos perto do público, esse tipo de coisa. E isso foi algo desconcertante pra mim, pois estou acostumado ir até lá para me divertir um pouco. E, quando me arriscava em ir, tinha que ficar olhando para os meus pés para ter certeza de que não iria tropeçar naqueles cabos estúpidos. A maneira com a qual você quer gravar um show deve ser a ideal, e a última coisa que você deseja é ficar pensando em toda essa porcaria. Assim, foi foda nos mantermos calmos e leves".
Perguntei a Geddy sobre quais músicas do set eram mais difíceis de serem tocadas para ele.
"Bem, todo o material novo, geralmente, requer mais concentração. Como baixista e vocalista, essas músicas ainda não estão bem entranhadas nos meus bancos de memória. Assim, elas geralmente requerem uma grande quantidade de concentração para que eu possa manter as linhas de baixo encaixadas com a bateria, e estar certo de disparar todos os samples com meus pés no momento certo e cantar no tom. E fazer tudo isso, mesmo ao final de 70 dias, ainda é um desafio. Canções como 'One Little Victory', 'Earthshine' e 'Secret Touch' são, de longe, as partes mais difíceis do show para mim".
"A questão ali é tocar, cantar e disparar coisas ao mesmo tempo. Algumas dessas canções trazem efeitos vocais muito complexos, além de loops que são colocados nos sintetizadores que tenho que disparar no momento certo - caso contrário eles soam ferrados (risos). Assim, basicamente, ativo efeitos vocais enquanto canto e enquanto estou tocando baixo. Por isso é um pouco complicado às vezes lá em cima (risos). Se você não puder ouvir aquilo tudo, estará em apuros".
Alex relata que apenas pequenas concessões são feitas para o fato de que um simples trio precisa entregar vários labirintos musicais sob as luzes. "Sabe, podemos eliminar algumas coisas dos teclados aqui e ali, além de algumas harmonias vocais feitas por Geddy. Tento ajudar tanto quanto posso nesse departamento, e temos alguns samples. Ele realmente gosta de suas camadas de vocais e faz um ótimo trabalho com isso, mas algumas dessas coisas são dispendiosas ao vivo. Acho que não sentimos falta, dada a energia de um show ao vivo".
"Fazermos isso por tantos anos... sabe, começamos essa banda há quase 35 anos - é a nossa segunda natureza. É o que fazemos. Quando nós três vamos para o palco, nossas cabeças entram no modo performance ao vivo. Você fica pensando em canções que talvez tenha se acelerado um pouco mais ou em coisas que aconteceram no último show, e com as quais agora você tem que tomar cuidado".
"Gravamos todos os shows. Assim, estamos sempre nos atualizando sobre o que está acontecendo nos mesmos. Acho que essa nossa abordagem nos mostra um processo muito profissional e orientado para as performances antes de prosseguirmos. Já em outros momentos você pensa, 'Uau, não consigo acreditar que as pessoas estão me pagando para fazer isso' (risos)".
"É uma alegria e algo muito divertido. Quando estamos tocando, é o nosso negócio. Para nós, não há muito espaço para fazer coisas sem estar concentrado - você realmente tem que estar por dentro do que está acontecendo. É algo muito árduo quando estamos no palco. Porém, acho que quando entramos naquela zona, nos sentimos bem. É como se estivéssemos no topo de tudo aquilo. Mas há distrações e problemas técnicos, e nesses casos é bem difícil manter a concentração".
"Em termos de público e outros pensamentos externos, deixamos para depois. Particularmente, essa última turnê foi ótima - tivemos momentos incríveis. Acho que toquei muito, muito bem e a resposta foi fantástica. Foi lindo fazermos uma turnê de verão, algo que nunca havíamos experimentado antes. Na verdade, ficamos fora durante cinco anos muito difíceis, ao longo dos quais não tínhamos certeza se sairíamos em turnê novamente - o que tornou essa turnê muito mais especial. Não tínhamos ideia de que teríamos todos esses momentos dessa última turnê".
Assim, conforme falamos brevemente, Rush In Rio foi, claro, capturado para lançamentos em áudio e DVD - esse último caindo mais ou menos na esfera de responsabilidades de Geddy. "Bem, basicamente, esse é o show completo que fizemos no Rio de Janeiro", comenta Ged sobre o banquete visual, oferecendo um pouco dos bastidores do processo. "E há alguns bônus adicionais, como um documentário mostrando nossa viagem para a América do Sul e algumas pequenas coisas escondidas - algumas pequenas joias para as pessoas descobrirem".
"Filmamos um único show - foi meio que um rolar de dados. Esse foi de fato o último show da turnê, mas não a nossa primeira escolha. Originalmente, estávamos agendados para filmar um show nos Estados Unidos, na Costa Leste. Mas, no último minuto, ocorreram alguns problemas no local e foi cancelado. Simplesmente dissemos, 'O que vamos fazer?'. Havíamos planejado fazê-lo numa experiência HD, usando equipamentos ultra modernos. Porém, tivemos que mudar para um tipo de vídeo completamente diferente, pois nos foi sugerido filmarmos um dos shows na América do Sul. Estes teriam mais cores e um tipo de conceito, ao invés de ser apenas a banda atuando num ambiente técnico. Seria uma fatia de vida interessante".
"Dessa forma, tivemos que colocar todo mundo em modo de pânico. A produção - que na verdade é do meu irmão - que está no negócio dos filmes e que tem feito vários trabalhos conosco e com várias empresas, assumiu como a produção executiva: um tipo de superintendente de produção, coordenando todos os vários departamentos. Eles montaram uma produção no Brasil que foi bastante interessante (risos), uma combinação que cedia nosso próprio pessoal e câmeras, usando o que pudemos encontrar por lá".
"Bem, o DVD deu muito trabalho", acrescenta Alex, como uma justificativa para falar de um futuro imediato para o Rush. "Quando saímos da estrada, Geddy e eu definimos que, se houvesse qualquer tipo de decisão sobre o vídeo a ser tomada, ele cuidaria disso, e que qualquer decisão em termos de áudio que precisasse ser feita, eu cuidaria. Começamos a mixar, e eu achava que levaria apenas algumas horas todos os dias. Fiquei no estúdio diariamente do meio dia até às quatro da manhã por oito semanas. Foi muito trabalhoso".
"A intenção original era apenas fazer em 5.1, mas a Atlantic decidiu lançar também em CD. Assim, tivemos que adicionar o show inteiro numa versão estéreo. O trabalho ia sendo empilhado e empilhado, e havia muita coisa pra fazer! Trabalhei duro no verão passado, um verão que eu achava que ia somente relaxar".
"É certo que Geddy e Neil não estão fazendo nada nesse momento, e eu também não (risos). Bem, o clima está ficando um pouco mais frio e eu gostaria de voltar ao estúdio apenas para brincar com algumas coisas. Meu filho e eu continuamos conversando sobre fazer mais alguns trabalhos juntos. Dessa forma, quem sabe? Eu poderia começar a trabalhar reunindo algumas coisas, mas sem planos definidos".
"Os dois anos anteriores foram bem agitados para nós. Por isso, é bom ter esse tipo de parada. Estamos apenas começando conversas sobre o que queremos fazer no próximo ano - se queremos compor ou se queremos voltar para a estrada. Há uma oferta vindo para nós sobre cairmos na estrada novamente, a fim de fazermos uma turnê de 30º aniversário, algo que estamos considerando seriamente. Tivemos ótimos momentos nessa tour e estamos pensando em voltar - e essa será a primeira vez que faremos isso - sem um novo lançamento. Porém, temos que pensar sobre o assunto primeiro. De uma forma ou de outra vamos trabalhar no próximo ano, seja com um disco ou tocando ao vivo".
"Ok, ok... nós vamos", diz Geddy sobre a história de como o Brasil conseguiu que o Rush dissesse, "Vamos fazer".
"Geralmente recebemos convites anuais para irmos tocar no Rock In Rio, que acontece em janeiro. Toda vez que eles programam o festival e nos convidam, estamos em estúdio - algo que você não pode interromper para fazer shows como esse. Para que seja possível, ou você não está na estrada no mesmo momento ou não está trabalhando".
"As coisas não ocorreram apenas incompatibilidade de momentos durante todos esses anos. O promotor estava determinado a nos levar para lá esse ano, continuando a negociar e suplicando para que descêssemos, nos dizendo que não tínhamos ideia da nossa popularidade por lá - o que era verdade. Tivemos vendas de discos respeitáveis, mas não lembramos que, em grande parte desses países, as vendas de discos não podem ser realmente contabilizadas - pois há um enorme mercado de discos piratas. Assim, você não tem como saber o que realmente é vendido por lá".
Foi algo mais confortável fazer os shows recebendo adiantado, com garantias, etc.?
"Oh sim, eles nos prometeram que pagariam uma certa quantia de dinheiro por show, cobrindo nossas despesas e nos liberando dinheiro adiantado. Nosso empresário, sendo extremamente xenófobo e paranoico (risos), queria garantir que todas essas coisas estariam bem definidas antes de que irmos para lá. Eles nos deram garantias".
"Nas, na verdade, essa não era a questão. Honestamente, acho que não tivemos muitas dúvidas sobre isso, pois nosso agente que estava por lá é o mesmo que faz a Europa e o resto do mundo, sendo muito experiente. Não havia como ele nos conectar com alguém que não iria nos pagar - não era essa a dúvida. O que estava em jogo era se realmente éramos tão populares quanto nos disseram, ou se eles poderiam nos oferecer a assistência que precisamos para realizar o tipo de show que fazemos. Porém, eu havia conversado com alguns dos meus amigos que já tinham tocado por lá com outras bandas, além de outros empresários e outras pessoas, e esses caras já fazem shows por lá há um bom tempo. Assim, de fato, acho que não havia muito a temer".
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Você é livre para utilizar nossos materiais, mas lembre-se sempre dos créditos (até mesmo em adaptações). Várias das nossas publicações levam horas de dedicação, e uma menção ao nosso site pelo trabalho árduo é sinal de ética e consideração - pilares da própria obra do Rush.
VAPOR TRAILS SOBRE O RIO
Brave Words & Bloody Knuckles - Dezembro de 2003
Por Martin Popoff | Tradução: Vagner Cruz
Sim, para os nossos vizinhos do metal, Rock in Rio do Iron Maiden define mais ou menos o padrão do choque sul-americano de uma queimadura solar. Rob Halford também já levou o power metal para a parte mais baixa do continente com o seu ao vivo Insurrection e, ao longo dos anos, muitos outros já confessaram sucumbir à loucura com o festival latino. Eu até lembro, durante algumas conversas no recente SARS Relief Show em Toronto, que o maior show já montado era considerado o de Rod Stweart na praia no Rio, dançando com três milhões de brasileiros loucos, o que equivaleria a, pelos meus cálculos, seis milhões de pernas bronzeadas, com margem de erro para as pernas mecânicas.
Isso nos traz ao autoproclamado "ficar em casa" Rush, uma banda insular por muitos padrões (especialmente sobre o assunto em questão). Eles não tocam na Europa há dez anos, tendo feito um total de quatro shows no Japão e jamais tocando em qualquer outro lugar da Ásia - além de nunca terem chegado à América do Sul em 30 anos no topo da pilha do prog metal.
E o fato da banda ter conseguido 125 mil fãs zonzos com Geddy ao longo dos três shows brasileiros - documentados, é claro, no CD triplo e DVD duplo chamado Rush in Rio - não significa que seus olhos estão mais amplos sobre visitar mais locais exóticos por todo o mundo.
"Bem, você sabe, nessa fase eu não tenho tanta certeza", adverte o guitarrista Alex Lifeson, em pensamentos que remontam uma jornada pela África mais sombria, a populosa Índia ou a desolada Mongólia. "Se houvesse um lugar para ir onde teríamos o mesmo tipo de resposta que tivemos no Brasil - sobre o qual não tínhamos ideia da popularidade - então valeria a pena. Mas, nessa fase da carreira, ir para um país exótico para tocar para poucas pessoas não é algo no qual estamos interessados. Sabe, nosso show é grande, caro, e não gostaríamos de comprometê-lo - não gostamos de fazer shows do tipo festival. Um evento ocasional especial sim, mas gostamos de estar no controle e com a ideia de apresentar a banda numa determinada maneira. Dessa forma, o aparato tem que estar no lugar certo".
Mas o Brasil, por outro lado, acabou sendo uma viagem proveitosa, apesar das dificuldades técnicas (mais sobre isso à frente). "É surpreendente como eles estão em sintonia com tudo, com todas as formas de música. Eles não falam muito inglês por lá, mas o público cantou a noite inteira. Cantaram junto facilmente as canções do Vapor Trails, assim como fizeram do 2112 ao Moving Pictures. Fui para o Brasil pensando não que seria atrasado, mas deficiente. Porém, foi o oposto. É uma cultura muito avançada. Eles estão por aí há mais tempo do que nós. Acho que, de muitas maneiras, são o orgulho da América do Sul - certamente uma cidade como São Paulo, que é tecnologicamente avançada e o centro do comércio e da tecnologia no Brasil".
"Há um pouco dessa influência latina", arrisca Lifeson, com relação aos negócios. "As coisas que geralmente consideramos importantes aqui, como o trabalho e a eficiência, existem em menor grau por lá. As prioridades são mais familiares, amigos, diversão, uma boa refeição, curtir a companhia do outro - muito mais do que acontece na Itália ou na Espanha por exemplo. Podemos tirar uma lição disso".
E sim, as dificuldades técnicas. "Sim, o mundo desabou todos os dias por lá", diz o baixista e vocalista Geddy Lee (completando a banda, um cara chamado Neil Peart). "Sabe, você nunca sabe com o que está lidando quando vai para um país como esse. Eles sempre te dizem quando são perguntados sobre o que precisamos tecnicamente: 'Oh sim, entendemos'. Isso não significa que você terá aquilo, mas que eles entendem o que você quer (risos). Essa foi a fina linha de semântica que descobrimos. Assim, todos os dias, havia uma nova surpresa sobre os aspectos técnicos para fazermos o show, sem mencionar a manipulação de 20 câmeras e um caminhão para a gravação. E o caminhão para a gravação, pelos padrões contemporâneos normais, era bem básico".
"Acho que foi o mesmo para os vários equipamentos de imagem que eles usavam. Mas eles tinham bons cinegrafistas, um grande diretor e uma equipe realmente muito boa, com grande experiência por lá. Mas, novamente, você nunca sabia o que ia acontecer. E, naquele dia em particular, não contávamos que a rota de São Paulo até o Rio seria tão tortuosa".
"O caminhão levou cerca de oito horas para chegar, e o show aconteceu muito tarde... não subimos no palco antes das 22:30 aproximadamente. Temos três horas de show - então, faça a matemática. É claro - o show em São Paulo, na noite anterior, foi debaixo de chuva - e o equipamento estava todo molhado. Assim, eles carregaram o caminhão no meio da noite, na chuva, e depois dirigiram por oito horas. Eram duas da tarde quando a primeira peça dos equipamentos chegou no palco. E geralmente chegamos às seis da manhã, a fim de que o show esteja pronto às seis da noite. Eles enfrentaram tudo isso".
Alex comenta mais sobre o tempo ruim: "Tivemos chuva, na verdade, nos dois primeiros shows. Estava chovendo muito em Porto Alegre, o primeiro show no Sul. No momento que subimos no palco havia parado, mas estava tudo molhado. O palco estava molhado, nosso tapete estava molhado e alguns dos equipamentos estavam molhados".
"Tivemos problemas com o console: estava molhado. Porém, conseguimos fazer com que tudo funcionasse, e aquilo foi um verdadeiro milagre. O próximo show foi em São Paulo... sabe, fazemos um show de três horas dividido por um intervalo entre dois sets. Começou a chover no fim do primeiro set, e choveu durante o segundo. Não estou dizendo que choveu sobre o público e que ficamos vendo as pessoas se molharem. Choveu em todos os lugares, e o vento soprava para o palco. Assim, todos nós - incluindo Neil - estavam encharcados. A água era despejada em nós".
Nos velhos tempos, isso causaria a interrupção do show, devido ao risco iminente de eletrocussão. Por que isso não aconteceu com Rush naquela noite tempestuosa da ciência natural?
"Bem, o advento das conexões sem fio tornou as coisas menos perigosas lá em cima. Assim, você não fica tão preocupado sobre fazer uma conexão de um ponto de eletricidade para outro, ou seja, que saia dos amplificadores das guitarras para as PAs. Apenas fomos para lá e tocamos. Mas, quando estávamos caminhando para o final, minha pedaleira começou a entrar em curto, e alguns dos pads eletrônicos de Neil também. Vencemos aquele set e, no dia seguinte, tínhamos o show no Rio - o que foi uma longa viagem pela estrada".
"Eles só começaram a montar tudo quando normalmente estamos fazendo a nossa passagem de som. Dessa forma, não tivemos passagem de som, não fizemos as verificações de funcionamento dos equipamentos e também dos vídeos. Tivemos problemas com a energia; os requisitos não estavam sendo atendidos. Houve problemas com o palco. O caminhão com o áudio para a gravação do DVD era um 'garoto' (risos) - uma relíquia de uma outra era. O potencial para tudo que poderia dar errado estava lá".
"Conseguimos subir ao palco às 22:30 e o show seguiu sem nenhuma interrupção - os ajustes das câmeras para o DVD... tudo funcionou. Foi incrível conseguirmos aquilo. Todos os equipamentos com os quais tivemos problemas na noite anterior funcionaram milagrosamente, graças à nossa equipe fantástica".
Felizmente, os serviços de lavanderia foram tão acessíveis no Brasil quanto em toda turnê norte-americana. "Haviam apenas três, e nunca tivemos que comprar substitutas", explica Alex com relação às secadoras branco-osso que ficavam do lado esquerdo do palco (à sua direita) nessa última turnê. "Foi George Steinert, da nossa equipe, que conseguiu as mesmas. Ele as trouxe fixando-as num ponto mais alto que o normal, retirando delas os elementos que poderiam produzir calor - para que pudessem trabalhar sem aquecer. Ele instalou luzes de pouso para aeronaves dentro delas, de forma que, quando abríamos, elas brilhavam. E você tinha que colocar 25 centavos nelas para mantê-las girando. Todas as noites tentávamos ter convidados no palco, colocando moedas nelas para mantê-las funcionando".
"Certamente, 'Resist' - que passou de uma versão elétrica para acústica - é provavelmente a música mais transformada", observa Alex, mergulhando na coleção monstruosa de 31 faixas de Rush In Rio. "Sempre quisemos fazer algo acústico, mas não tínhamos certeza - sempre resistimos a esse desejo. Não queríamos fazer algo acústico que parecesse apenas alguma coisa da moda - por isso evitamos. Mas aqui achamos que seria um tipo de pausa bem agradável. Tendo em vista o nosso show de três horas, entendemos que seria refrescante. Além disso, achamos que seria, dependendo da sua localização no set, uma oportunidade para que Neil pudesse recuperar o fôlego após seu solo de bateria, fazendo isso como uma mudança bem dinâmica. Assim, trabalhamos numa versão do tipo folk, e achei que trabalhamos muito bem. Geddy e eu nos divertimos bastante naqueles poucos minutos".
"Trouxemos algumas coisas de volta, como 'By-Tor e The Snow Dog' e 'Working Man' em versões reduzidas das originais, mas ainda bem fieis às originais. Pensando na maior parte do set, acho que sempre nos orgulhamos de estarmos próximos aos discos, porém, acionando elementos para serem feitos ao vivo - essa energia que você cria no palco. Sempre foi uma decepção para mim ver minhas bandas favoritas e não conseguir ouvir as versões originais das músicas. Isso sempre me pareceu uma fuga de responsabilidade. Assim, desde os primeiros anos, sempre buscamos reproduzir com bastante fidelidade o que fizemos no estúdio".
"Acho que não tocávamos 'Working Man' desde 1976 ou 1977", continua Alex. "Assim, foi um verdadeiro deleite trazê-la de volta. Não tínhamos certeza. Ela é simples, uma canção rock bem direta, mas que acabou se tornando uma grande oportunidade de tocar colocando seu coração para fora de verdade, para todos nós. Foi muito divertido tocá-la".
Acabou que "Closer To The Heart", uma diversão mais pop do decididamente sério A Farewell to Kings, teve que ser adicionada. "Bem, essa música foi um sucesso em certos lugares do mundo, mas apenas por acidente", observa Geddy. "Na Grã-Bretanha e também em algumas partes da América ela chegou no Top 20. Aparentemente, isso também aconteceu na América do Sul, pois tivemos que trazê-la nessa turnê. Não estávamos tocando essa na turnê. Porém, recebemos tantos pedidos no México que tivemos que reaprender durante a passagem de som no dia do show. O mesmo ocorreu no Brasil".
"'YYZ', especialmente no Brasil, foi um dos destaques do público. Assim que começávamos a tocá-la, a multidão começava a subir e descer no mesmo tempo dela. Num dado momento, eles começaram a agitar os braços para nós numa saudação do tipo 'não somos dignos' e em sincronia - como se fosse uma mini onda (risos). E eles cantavam junto. Se você ouvir o álbum, poderá percebê-los cantando junto com a música. O mais incrível nos públicos brasileiros é que eles cantavam junto quando tocávamos instrumentais, como se tivessem escrito algo para cantar em cima daquilo. Não sei se eram cantos de futebol. Foi incrível pra mim, pois eles cantavam muito bem e adicionavam novas partes".
Perguntei a Alex sobre os preparativos da banda para atacar as três horas de Rush vividas na carne, em comunhão com a maior convenção de air-drummers que jamais testemunharemos em outro lugar...
"Bem, você ficaria surpreso. Nos bastidores de um show do Rush (quando digo bastidores quero dizer camarim), é algo muito parecido com uma biblioteca (risos). É muito calmo. Neil geralmente fica num canto lendo. Não temos nenhuma preparação psicológica prévia. Nos vestimos, conversamos um pouco sobre qualquer coisa e alguém chega e nos leva pra lá. Não há abraços, oração em grupo ou algo do tipo. Apenas fazemos o nosso trabalho. Mas antes de estarmos juntos aguardando sim, Neil vai praticar em algum lugar durante vinte ou trinta minutos num pequeno kit de treino formado apenas com pads. Sua maneira de se aquecer é atacar aquela porcaria. Basicamente, ele faz um solo de bateria de vinte minutos, tocando pesado de verdade".
"Gosto de fazer o mesmo, me aquecendo por no mínimo meia hora antes dos shows. Dependendo do meu humor, às vezes uma hora. Já Geddy não, não tanto. Acho que não o vi praticando uma única vez antes dos shows dessa turnê. Só me lembro dele passando um tempo aquecendo um pouco sua mão direta por ter sentido tendinite no final da tour".
E a forma de preparação da banda funciona? Fiquei me perguntando, dada a complexidade do material, se o Rush já experimentou colapsos musicais ou gafes que ameaçaram descarrilar algumas músicas.
"Não muitos", diz Alex. "Usamos pontos de ouvido e, por isso, estamos bem conscientes do que está acontecendo e onde todos estão à respeito dos 'acidentes de trem' - a forma com a qual chamamos. Mas não consigo lembrar de nenhum nessa turnê. Eu diria que acontece duas vezes, talvez três no curso total de uma tour, onde de repente alguém faz algo e todo mundo se perde e fica parecendo outsides do jazz - e então imediatamente voltamos para a música (risos). 'Natural Science' é sempre um verdadeiro desafio. Ela é muito intrincada, e os compassos são bem movimentados. Você se intensifica nela e vai até o fim. É sempre um desafio para todos nós. Quando tocamos bem, nos sentimos ótimos de verdade".
Geddy, confrontado com a mesma pergunta, culpa Alex. "Bem, Alex teve um problema com um cinegrafista no primeiro set, ficando louco com o cara. Acabou perdendo a concentração cometendo uma gafe numa das canções, durante um dos solos. Depois do set, tivemos que tranquiliza-lo, lembrando-o que ele deve esquecer tudo isso, e que ele não pode deixar essas coisas incomodá-lo durante um show que está sendo filmado. Não há sentido parecer puto numa gravação. Ele aceitou o toque, mas foi algo bem difícil".
"Havia tantas coisas contra nós naquele dia, dado o fato de que os caras chegaram tarde e de que não tivemos passagem de som. A equipe de cinegrafistas não havia feito suas checagens prévias, o mesmo para a equipe de som. Assim, quando chegamos no palco eram 22:30 - estávamos começando frios, todos estavam começando frios. E, para aumentar a confusão, tínhamos todas aquelas luzes extras que o pessoal da filmagem havia colocado no palco sem conversar conosco antes".
"Tinha fios por toda a parte na frente no palco, dificultando nossa ida para lá a fim de tocarmos perto do público, esse tipo de coisa. E isso foi algo desconcertante pra mim, pois estou acostumado ir até lá para me divertir um pouco. E, quando me arriscava em ir, tinha que ficar olhando para os meus pés para ter certeza de que não iria tropeçar naqueles cabos estúpidos. A maneira com a qual você quer gravar um show deve ser a ideal, e a última coisa que você deseja é ficar pensando em toda essa porcaria. Assim, foi foda nos mantermos calmos e leves".
Perguntei a Geddy sobre quais músicas do set eram mais difíceis de serem tocadas para ele.
"Bem, todo o material novo, geralmente, requer mais concentração. Como baixista e vocalista, essas músicas ainda não estão bem entranhadas nos meus bancos de memória. Assim, elas geralmente requerem uma grande quantidade de concentração para que eu possa manter as linhas de baixo encaixadas com a bateria, e estar certo de disparar todos os samples com meus pés no momento certo e cantar no tom. E fazer tudo isso, mesmo ao final de 70 dias, ainda é um desafio. Canções como 'One Little Victory', 'Earthshine' e 'Secret Touch' são, de longe, as partes mais difíceis do show para mim".
"A questão ali é tocar, cantar e disparar coisas ao mesmo tempo. Algumas dessas canções trazem efeitos vocais muito complexos, além de loops que são colocados nos sintetizadores que tenho que disparar no momento certo - caso contrário eles soam ferrados (risos). Assim, basicamente, ativo efeitos vocais enquanto canto e enquanto estou tocando baixo. Por isso é um pouco complicado às vezes lá em cima (risos). Se você não puder ouvir aquilo tudo, estará em apuros".
Alex relata que apenas pequenas concessões são feitas para o fato de que um simples trio precisa entregar vários labirintos musicais sob as luzes. "Sabe, podemos eliminar algumas coisas dos teclados aqui e ali, além de algumas harmonias vocais feitas por Geddy. Tento ajudar tanto quanto posso nesse departamento, e temos alguns samples. Ele realmente gosta de suas camadas de vocais e faz um ótimo trabalho com isso, mas algumas dessas coisas são dispendiosas ao vivo. Acho que não sentimos falta, dada a energia de um show ao vivo".
"Fazermos isso por tantos anos... sabe, começamos essa banda há quase 35 anos - é a nossa segunda natureza. É o que fazemos. Quando nós três vamos para o palco, nossas cabeças entram no modo performance ao vivo. Você fica pensando em canções que talvez tenha se acelerado um pouco mais ou em coisas que aconteceram no último show, e com as quais agora você tem que tomar cuidado".
"Gravamos todos os shows. Assim, estamos sempre nos atualizando sobre o que está acontecendo nos mesmos. Acho que essa nossa abordagem nos mostra um processo muito profissional e orientado para as performances antes de prosseguirmos. Já em outros momentos você pensa, 'Uau, não consigo acreditar que as pessoas estão me pagando para fazer isso' (risos)".
"É uma alegria e algo muito divertido. Quando estamos tocando, é o nosso negócio. Para nós, não há muito espaço para fazer coisas sem estar concentrado - você realmente tem que estar por dentro do que está acontecendo. É algo muito árduo quando estamos no palco. Porém, acho que quando entramos naquela zona, nos sentimos bem. É como se estivéssemos no topo de tudo aquilo. Mas há distrações e problemas técnicos, e nesses casos é bem difícil manter a concentração".
"Em termos de público e outros pensamentos externos, deixamos para depois. Particularmente, essa última turnê foi ótima - tivemos momentos incríveis. Acho que toquei muito, muito bem e a resposta foi fantástica. Foi lindo fazermos uma turnê de verão, algo que nunca havíamos experimentado antes. Na verdade, ficamos fora durante cinco anos muito difíceis, ao longo dos quais não tínhamos certeza se sairíamos em turnê novamente - o que tornou essa turnê muito mais especial. Não tínhamos ideia de que teríamos todos esses momentos dessa última turnê".
Assim, conforme falamos brevemente, Rush In Rio foi, claro, capturado para lançamentos em áudio e DVD - esse último caindo mais ou menos na esfera de responsabilidades de Geddy. "Bem, basicamente, esse é o show completo que fizemos no Rio de Janeiro", comenta Ged sobre o banquete visual, oferecendo um pouco dos bastidores do processo. "E há alguns bônus adicionais, como um documentário mostrando nossa viagem para a América do Sul e algumas pequenas coisas escondidas - algumas pequenas joias para as pessoas descobrirem".
"Filmamos um único show - foi meio que um rolar de dados. Esse foi de fato o último show da turnê, mas não a nossa primeira escolha. Originalmente, estávamos agendados para filmar um show nos Estados Unidos, na Costa Leste. Mas, no último minuto, ocorreram alguns problemas no local e foi cancelado. Simplesmente dissemos, 'O que vamos fazer?'. Havíamos planejado fazê-lo numa experiência HD, usando equipamentos ultra modernos. Porém, tivemos que mudar para um tipo de vídeo completamente diferente, pois nos foi sugerido filmarmos um dos shows na América do Sul. Estes teriam mais cores e um tipo de conceito, ao invés de ser apenas a banda atuando num ambiente técnico. Seria uma fatia de vida interessante".
"Dessa forma, tivemos que colocar todo mundo em modo de pânico. A produção - que na verdade é do meu irmão - que está no negócio dos filmes e que tem feito vários trabalhos conosco e com várias empresas, assumiu como a produção executiva: um tipo de superintendente de produção, coordenando todos os vários departamentos. Eles montaram uma produção no Brasil que foi bastante interessante (risos), uma combinação que cedia nosso próprio pessoal e câmeras, usando o que pudemos encontrar por lá".
"Bem, o DVD deu muito trabalho", acrescenta Alex, como uma justificativa para falar de um futuro imediato para o Rush. "Quando saímos da estrada, Geddy e eu definimos que, se houvesse qualquer tipo de decisão sobre o vídeo a ser tomada, ele cuidaria disso, e que qualquer decisão em termos de áudio que precisasse ser feita, eu cuidaria. Começamos a mixar, e eu achava que levaria apenas algumas horas todos os dias. Fiquei no estúdio diariamente do meio dia até às quatro da manhã por oito semanas. Foi muito trabalhoso".
"A intenção original era apenas fazer em 5.1, mas a Atlantic decidiu lançar também em CD. Assim, tivemos que adicionar o show inteiro numa versão estéreo. O trabalho ia sendo empilhado e empilhado, e havia muita coisa pra fazer! Trabalhei duro no verão passado, um verão que eu achava que ia somente relaxar".
"É certo que Geddy e Neil não estão fazendo nada nesse momento, e eu também não (risos). Bem, o clima está ficando um pouco mais frio e eu gostaria de voltar ao estúdio apenas para brincar com algumas coisas. Meu filho e eu continuamos conversando sobre fazer mais alguns trabalhos juntos. Dessa forma, quem sabe? Eu poderia começar a trabalhar reunindo algumas coisas, mas sem planos definidos".
"Os dois anos anteriores foram bem agitados para nós. Por isso, é bom ter esse tipo de parada. Estamos apenas começando conversas sobre o que queremos fazer no próximo ano - se queremos compor ou se queremos voltar para a estrada. Há uma oferta vindo para nós sobre cairmos na estrada novamente, a fim de fazermos uma turnê de 30º aniversário, algo que estamos considerando seriamente. Tivemos ótimos momentos nessa tour e estamos pensando em voltar - e essa será a primeira vez que faremos isso - sem um novo lançamento. Porém, temos que pensar sobre o assunto primeiro. De uma forma ou de outra vamos trabalhar no próximo ano, seja com um disco ou tocando ao vivo".
"Ok, ok... nós vamos", diz Geddy sobre a história de como o Brasil conseguiu que o Rush dissesse, "Vamos fazer".
"Geralmente recebemos convites anuais para irmos tocar no Rock In Rio, que acontece em janeiro. Toda vez que eles programam o festival e nos convidam, estamos em estúdio - algo que você não pode interromper para fazer shows como esse. Para que seja possível, ou você não está na estrada no mesmo momento ou não está trabalhando".
"As coisas não ocorreram apenas incompatibilidade de momentos durante todos esses anos. O promotor estava determinado a nos levar para lá esse ano, continuando a negociar e suplicando para que descêssemos, nos dizendo que não tínhamos ideia da nossa popularidade por lá - o que era verdade. Tivemos vendas de discos respeitáveis, mas não lembramos que, em grande parte desses países, as vendas de discos não podem ser realmente contabilizadas - pois há um enorme mercado de discos piratas. Assim, você não tem como saber o que realmente é vendido por lá".
Foi algo mais confortável fazer os shows recebendo adiantado, com garantias, etc.?
"Oh sim, eles nos prometeram que pagariam uma certa quantia de dinheiro por show, cobrindo nossas despesas e nos liberando dinheiro adiantado. Nosso empresário, sendo extremamente xenófobo e paranoico (risos), queria garantir que todas essas coisas estariam bem definidas antes de que irmos para lá. Eles nos deram garantias".
"Nas, na verdade, essa não era a questão. Honestamente, acho que não tivemos muitas dúvidas sobre isso, pois nosso agente que estava por lá é o mesmo que faz a Europa e o resto do mundo, sendo muito experiente. Não havia como ele nos conectar com alguém que não iria nos pagar - não era essa a dúvida. O que estava em jogo era se realmente éramos tão populares quanto nos disseram, ou se eles poderiam nos oferecer a assistência que precisamos para realizar o tipo de show que fazemos. Porém, eu havia conversado com alguns dos meus amigos que já tinham tocado por lá com outras bandas, além de outros empresários e outras pessoas, e esses caras já fazem shows por lá há um bom tempo. Assim, de fato, acho que não havia muito a temer".
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