GEDDY LEE COMENTA A CARREIRA DO RUSH EM DEZ ÁLBUNS



19 DE NOVEMBRO DE 2016 | POR VAGNER CRUZ

A edição da revista britânica Prog de fevereiro de 2016 (#63) trouxe uma matéria de capa comemorando o 40º aniversário do álbum 2112 do Rush, lançado no começo de abril de 1976 (leia aqui em português). O texto incluiu uma entrevista com Geddy Lee, na qual ele fala sobre 2112 e seu significado para a história do Rush, além de apresentar trechos de entrevistas passadas de Alex Lifeson, Neil Peart e do artista gráfico Hugh Syme.

Além da matéria principal, Geddy Lee comentou a carreira vitoriosa do Rush em dez álbuns. Acompanhe também esse ótimo material, traduzido exclusivamente para o Rush Fã-Clube Brasil.

A CARREIRA DO RUSH EM DEZ ÁLBUNS
Prog Magazine - Fevereiro de 2016
Por Geddy Lee | Tradução: Vagner Cruz

RUSH (1974)

O álbum de estreia e o único disco do Rush trazendo o line-up com Alex Lifeson (guitarra), Geddy Lee (baixo / vocal) e John Rutsey (bateria).

"Nesse nós estávamos tentando encontrar um som, achando que queríamos ser uma banda hard rock emulando grupos que achávamos legais. Posso ouvir Led Zeppelin ali, e um pouco de Humble Pie. Gostaria de ouvir mais do que apenas essas influências, mas não consigo. John Rutsey era um tipo de baterista que se assemelhava bastante com Simon Kirke - apenas mantendo a batida e fazendo o rock rolar. Foi dessa forma que as canções nasceram".

"Gravamos esse álbum com um produtor chamado David Stock, mas soou uma merda - tivemos que refazer tudo com Terry Brown, este que se tornou o nosso produtor habitual. Com a segunda versão, adicionamos mais algumas músicas, e uma delas foi 'Finding My Way', que acabou se tornando uma das faixas mais importantes do disco - um rock de verdade".

"E a canção que de fato nos deu notoriedade foi 'Working Man'. Ainda haviam rádios na América nessa época que não eram excessivamente programadas, e os DJs tinham liberdade para tocar faixas mais longas. 'Working Man' tinha sete minutos de duração, e a sua execução nas rádios nos levou a assinar com a Mercury Records. Aquela música teve um impacto incrível".

FLY BY NIGHT (1975)

No segundo álbum, Rutsey estava fora e Neil Peart chegava como o baterista e letrista - e também para um disco com um estilo de rock mais progressivo.

"Tínhamos uma música escrita antes de Neil chegar - 'Anthem'. Ela era mais aventureira do que qualquer coisa no primeiro álbum, tocada num compasso estranho. Foi o tipo de música que convenceu John de que aquilo não era para ele. Assim, foi um momento decisivo para a banda".

"Não era ideia de Neil compor letras. Eu e Alex que sempre o forçamos a experimentar, pois não queríamos fazer. Mas funcionou muito bem para nós".

"'Beneath, Between & Behind' foi um momento decisivo para Fly By Night. Essa foi uma das primeiras letras que Neil escreveu para a banda. Pode ter sido a primeira letra que ele escreveu. Era muito prolixa, muito difícil de cantar, mas Alex e eu colocamos uma música bem quente por trás e ficou ótima".

"'By-Tor & The Snow Dog' foi a nossa primeira canção épica de verdade. As pessoas odiaram o título: 'Oh meu Deus, que pretensioso!'. Mas foi batizada em homenagem à dois cachorros que nosso empresário tinha. Era bem irônica. E assim, de uma forma estranha, uma canção chave para o Rush começou como uma comédia".

2112 (1976)

Uma obra-prima que salvou a carreira da banda, definida por sua polêmica faixa-titulo sci-fi de 20 minutos.

"Nosso terceiro álbum, Caress of Steel (1975), não se conectou com as pessoas. Era muito experimental, trazendo o nosso primeiro empreendimento com uma longa história, 'The Fountain Of Lamneth'. Era tudo muito obscuro. Caress of Steel não foi bem, e a gravadora não ficou satisfeita conosco. Assim, balançamos bastante na beira do esquecimento".

"A última coisa que esperávamos era que 2112 fosse bem recebido, pois a faixa-título era outra peça que tomava um dos lados por completo. Mas havia algo naquele som - uma vibração bem mais definitiva e consolidada".

"A história em 2112 era muito antiautoritária - tudo era sobre liberdade: liberdade criativa e liberdade individual. Assim, fiquei chocado quando a NME nos chamou de neofascistas, o que está longe de ser verdade. Foi uma loucura".

"Mas, no fim, esse disco salvou a nossa pele. Nos trouxe um monte de novos fãs. E o lado dois realmente completa o trabalho. "A Passage To Bangkok", "Something For Nothing", "The Twilight Zone" - boas canções rock. E esse tipo de diversidade se tornou uma marca para nós em todos os outros discos".

A FAREWELL TO KINGS (1977)

Totalmente impermeável à modas e tendências, esse disco foi um colosso do prog no ano em que o punk explodia. "Xanadu", "Cygnus X-1" e cantos de pássaros: está tudo aqui.

"Foi um sonho para nós fazer um disco na Grã-Bretanha. Grande parte da música que nos influenciou enquanto crescíamos veio do blues rock e o progressivo britânico".

"Em 1977, acabávamos de fazer a nossa primeira turnê no Reino Unido. Assim, com Terry Brown (que era um britânico vivendo em Toronto), eu disse, 'Porque não trabalhamos lá dessa vez?'. Foi assim que acabamos no Rockfield Studios no País de Gales".

"Ficamos muito desconectados do mundo, sendo uma grande aventura no interior do País de Gales. Nos parecia bem exótico, especialmente nas primeiras semanas, acordar com o som de ovelhas do lado de fora. Mas gostamos muito de gravar lá, indo para o pátio para conseguir os sons do ambiente que você ouve em 'Xanadu' e em 'A Farewell To Kings' - o eco natural nas paredes de pedra, e o canto dos pássaros ao nascer do sol".

"'Xanadu' foi feita em um take - 11 minutos, direto. Quando estávamos preparados, podíamos fazer esse tipo de coisa. E 'Cygnus X-1' foi um verdadeiro mergulho no espaço sideral - um tipo de viagem totalmente diferente".

PERMANENT WAVES (1980)

Depois do pesado e complexo Hemispheres, de 1978, o Rush entrou numa nova década com um som totalmente novo, trazendo um grande hit com o single "The Spirit Of Radio".

"Sentimos que estávamos começando a nos tornar muito estereotipados com Hemispheres, e isso era assustador para nós. A faixa-título do disco (Cygnus X-1 Book II: Hemispheres) era como '2112' - com quase 20 minutos de duração. Não queríamos continuar nos repetindo".

"Com Permanent Waves, queríamos uma maior iminência em nossa música em termos de excitação - um tipo de energia diferente. Ainda tínhamos canções longas como 'Natural Science', que é uma das minhas favoritas em toda a nossa história. Mas esse álbum trouxe de fato uma condensação da nossa música, onde tentamos ser compositores melhores".

"'The Spirit of Radio' deu o tom para todo o disco. Era otimista e moderna. A canção é sobre a comercialização da música e sobre como as rádios estavam mudando. O riff de Alex foi criado para representar as ondas de rádio, e a forma como a música salta para diferentes estilos e compassos foi destinada a soar como se estivéssemos girando o dial, mudando as estações".

"Esse álbum nos levou para um período totalmente novo, e tudo aquilo nos pareceu bem natural".

MOVING PICTURES (1981)

O maior e melhor álbum do Rush, com clássicos como "Tom Sawyer", "Limelight", "Red Barchetta" e "YYZ". Mas foi um trabalho árduo e difícil de conseguir...

"Moving Pictures foi um disco imenso para nós. Esse nível de sucesso foi algo que jamais havíamos experimentado. Porém, tivemos muitos 'momentos' fazendo esse disco - foi difícil de terminá-lo".

"Duas canções nasceram muito bem: ' Limelight' e 'Red Barchetta', que eram ótimas de tocar ao vivo. 'Tom Sawyer' foi o oposto - com muitos erros e atrasada. Tivemos muitas dificuldades para conseguir os solos de guitarra e baixo, além do equilíbrio na base. Mas, depois de muita luta, acertamos em cheio e nos soou muito poderosa. Pensávamos, 'Porra, de onde veio isso?'"

"Nos divertimos muito com 'Witch Hunt' [terceira parte da trilogia 'Fear']. Embora fosse uma canção obscura, envolveu algumas coisas bem estúpidas. Para gravar os gritos da multidão, nós três fomos para o estacionamento do estúdio, num frio gelado de inverno. Mas, na noite que mixávamos aquela música, recebemos a notícia de que John Lennon havia sido baleado. Ficamos todos muito chocados, foi muito triste. Isso é algo que nunca vou esquecer".

POWER WINDOWS (1985)

Um álbum brilhante dominado por teclados, com um guitarrista descontente se sacrificando pelos demais integrantes.

"Tivemos esse período na década de 1980 - e era dos teclados. Começou em Signals (1982) e indo até Hold Your Fire (1987). Acho que Power Windows é o melhor desse período. Amo a qualidade do som. Mas, para Alex, foi um disco frustrante. Eu não sabia de fato o quão doloroso foi para ele até concluirmos".

"Eu tocava os teclados, e trouxemos também Andy Richards - um cara que tocava sintetizadores e que era muito respeitado. Cobrimos as faixas com o som, e Alex teve esse conflito à sua maneira - internamente. Ele não surtou, pois não é o seu estilo. Ele é um cara que joga para o time de verdade, e acabou indo com o fluxo. Foi somente depois que terminamos o disco que ele expressou sua frustração".

"É claro que, olhando em retrospecto, consigo entendê-lo totalmente. Mas, no geral, há um bom equilíbrio entre canções de guitarras como 'The Big Money' e canções de teclados como 'Middletown Dreams', uma linda faixa. E, em 'Mystic Rhythms', tudo fica em torno dos riffs de guitarra. Acho que Alex fez coisas fantásticas em Power Windows. Isso é evidente em todo o disco".

ROLL THE BONES (1991)

Mais guitarras e grandes canções: os principais fatores num dos melhores álbuns da banda no início dos anos 90.

"Tivemos algumas boas canções em Presto (1989). 'The Pass' é absolutamente uma das melhores que já compomos. Porém, as composições foram muito mais fortes em Roll The Bones".

"Definitivamente, foi um disco mais voltado para as guitarras. Voltamos atrás um pouco sobre os teclados. Eles ainda estavam lá, mas não da forma histriônica que funcionavam em Presto e nos discos anteriores, Power Windows e Hold Your Fire".

"Para mim, em retrospecto, a produção de Roll The Bones deixou um pouco a desejar. Poderia ter soado maior e mais audacioso. Porém, acho que o que faz aquele disco de verdade foi a qualidade das músicas. 'Bravado' é uma faixa muito bem escrita. O mesmo para 'Dreamline' e 'Ghost Of A Chance' - adoro essa".

"Esse álbum inteiro representa um verdadeiro ponto de maturação para nós como compositores, e a faixa-título cresceu ao longo do tempo. Tocamos na última turnê, em 2015, e tinha uma vibração diferente, mais profunda. Conseguimos um tipo de ressonância mais intensa agora, e pude sentir isso de verdade no modo como o público reagia à ela".

VAPOR TRAILS (2002)

O álbum do retorno. Em 1998, após as mortes da esposa e da filha de Neil Peart, ele disse a Lee e Lifeson para considerá-lo aposentado. Cinco anos depois, o baterista e o Rush estavam de volta.

"Sem dúvidas, Vapor Trails foi o disco mais difícil que fizemos. Nunca pensei que voltaríamos a nos reunir fazendo um novo álbum. Foi difícil - um momento muito emocional".

"Tivemos que redescobrir como trabalhar juntos, devendo estar atentos constantemente quanto à situação de Neil. Sua confiança tinha que voltar devagar - tínhamos que dar espaço e, ao mesmo tempo, encorajá-lo".

"Eu diria que o processo de composições foi muito inseguro. E, com relação às letras de Neil, foi uma questão delicada. As letras de 'Ghost Rider' e da faixa-título eram muito pessoais para ele. Tentamos encontrar um equilíbrio entre permitir que Neil expressasse o que havia passado e forçá-lo para um nível mais universal. Assim, o disco se tornou uma afirmação válida sobre a vida, ao contrário de soar apenas sobre a vida de uma só pessoa".

"Vapor Trails recebeu uma emoção muito intensa, sendo um disco de som muito cru. Mas conseguimos fazê-lo. Isso era o que realmente importava".

CLOCKWORK ANGELS (2012)

O clássico de fim de carreira. O 20º álbum de estúdio foi o que vários fãs do Rush sonhavam há muito tempo - um álbum conceitual completo.

"Nunca nos demos conta de que esse poderia ser o nosso último álbum - estávamos muito empolgados em fazer novamente um disco conceitual evidente novamente, mas com o cuidado de não torná-lo excessivamente prog. Queríamos mantê-lo moderno: muito diverso, cheio de música e de melodias fortes - algo que fosse bem movimentado".

"A história que Neil escreveu para Clockwork Angels é maravilhosa. Basicamente, trata-se de uma história sobre ingenuidade - um jovem saindo para o mundo como nós fizemos. Ele é enganado e iludido, mas finalmente chega à conclusão de que, apesar de tudo, faria todas as coisas tolas que fez na vida novamente - e que essas valeriam à pena".

"Não queríamos que as músicas fossem escravas da história. Queríamos que fossem conectadas, mas que cada uma tivesse sua própria vida fora do conceito. Foi bem difícil, mas, por fim, conseguimos. Essas foram algumas das melhores canções que já compomos".

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