GEDDY LEE E ALEX LIFESON RELEMBRAM OS ANOS DO RUSH ENTRE VAPOR TRAILS E CLOCKWORK ANGELS



11 DE AGOSTO DE 2016 | POR VAGNER CRUZ

O site TeamRock.com, divisão da revista britânica Classic Rock, publicou recentemente a quarta e última parte da longa entrevista com o Rush realizada pelo repórter Paul Elliot, na qual os músicos canadenses comentam sua carreira e muitos dos discos já lançados. Agora, temos um material que se dedica primordialmente às produções do trio concebidas à partir dos anos 2000 - desde o álbum Vapor Trails (2002) até Clockwork Angels (2012). Acompanhem a tradução completa, exclusiva para o Rush Fã-Clube Brasil.

A HISTÓRIA DO RUSH POR GEDDY LEE & ALEX LIFESON: DO RENASCIMENTO À APOSENTADORIA
Na parte 4 da história dos gigantes do prog Rush pela Classic Rock, Geddy Lee e Alex Lifeson relembram sua ressurreição no século 21 e o que o futuro reserva.


Classic Rock - 08 de agosto de 2016
Por Paul Elliot | Tradução: Vagner Cruz


No início dos anos 90, o Rush era a maior banda cult do mundo. A ascensão do grunge e depois do nu-metal não exerceu qualquer impacto sobre eles. Com um público tão vasto e leal, eles ainda eram capazes de esgotar ingressos em arenas e, todos os seus álbuns dos anos 90 - Roll The Bones, Counterparts e Test For Echo - conseguiram ouro e platina nos Estados Unidos e Canadá.

No final dos anos 90, no entanto, o baterista Neil Peart foi dilacerado pela morte de sua filha Selena num acidente de carro e pela perda de sua esposa Jacqueline para o câncer. Na sequência dessas tragédias, ele comunicou aos seus companheiros de banda - o baixista / vocalista Geddy Lee e o guitarrista Alex Lifeson - que estava aposentado.

Após ter se casado novamente, com a fotógrafa Carrie Nuttall, Peart voltou para o grupo em 2001. Isso levou ao retorno com o álbum Vapor Trails em 2002, seguido pelo aclamado Snakes & Arrows em 2007 e também pelo primeiro álbum totalmente conceitual da banda, Clockwork Angels, de 2012.

O que esses três álbuns representam é o renascimento dessa banda lendária. Nessa entrevista exclusiva, Lee, Lifeson e Peart falam sobre a última grande era do Rush, as relações entre eles e como a banda permaneceu unida ao longo de mais de 40 anos.

A História do Rush por Geddy Lee & Alex Lifeson: Parte 1 – Os Primeiros Anos
A História do Rush por Geddy Lee & Alex Lifeson: Parte 2 – De 2112 ao Estrelato
A História do Rush por Geddy Lee & Alex Lifeson: Parte 3 – De Permanent Waves até Power Windows

2002 - Vapor Trails

Alex Lifeson:
No final dos anos 90, parecia mesmo que era o fim. Após as tragédias na vida de Neil, a banda simplesmente não nos parecia importante.

Geddy Lee: Passei alguns anos trabalhando no meu disco solo (My Favorite Headache, 2000). De fato, parecia que a banda não iria mais para lugar algum.

Alex Lifeson: Fiz algumas trilhas para a TV e trabalhei com algumas bandas - apenas pequenos projetos. O tempo passou. Foram três anos antes de voltarmos a nos reunir. Foi após Geddy ter feito seu disco solo que Neil veio até nós dizendo que estava disposto a tentar. Ele não tinha certeza se conseguiria, mas pelo menos estava disposto a isso.

Geddy Lee: Foi uma época estranha. Nós meio que tivemos que nos conhecer novamente. Foi estranho para todos nós. Ao voltar para o Rush, após fazer esse disco solo, minha cabeça estava num tipo de local diferente - um estado de espírito diferente de uma banda de rock. Adicionado a isso, Alex e eu tivemos que redescobrir como compor juntos.

Alex Lifeson: Foi bem difícil para nós fazermos Vapor Trails. Nossas emoções estavam muito cruas. Mas houve algo sobre as composições e sobre como tocar aquelas músicas. Fizemos todas em um take e, apesar de um pouco ásperas e distorcidas aqui e ali, havia algo de certo naquilo. A ideia era transmitir como estávamos nos sentindo.

Geddy Lee: De fato, foi muito difícil atravessar esse disco. Trabalhamos nele de forma sólida no estúdio, durante alguns meses. Em seguida, fizemos uma pequena pausa - apenas algumas semanas de folga. Isso nos ajudou quando voltamos.

Alex Lifeson: Não havia turnês programadas ou qualquer coisa do tipo. Podíamos ter o nosso tempo. E, depois desse intervalo, quando voltamos e começamos a reescrever o material, nos sentimos muito mais positivos e focados. Não voltamos para regravarmos centenas de vezes, a fim de conseguirmos o take perfeito de bateria, disso ou daquilo. Mas Neil estava sempre por perto. Sua contribuição ficou cada vez mais forte. Estávamos saindo de meses de um inverno terrível e cinza para a primavera, havendo esse sentimento de renovação. Você conseguia sentir o que aquele momento estava construindo.

Geddy Lee: Em termos sonoros, há algo desconfortável em Vapor Trails. Mas as sessões foram desconfortáveis, o período era desconfortável e acho que ele realmente ecoa isso.

Alex Lifeson: Esse disco sempre foi um pouco problemático. Não soava ótimo para nós. A produção não alcançou os padrões que normalmente definimos para nós mesmos. Mas, por fim, nos sentimos aliviados por conseguirmos atravessá-lo.

2007 - Snakes & Arrows

Geddy Lee:
Snakes & Arrows foi a primeira vez que trabalhamos afastados num disco.

Alex Lifeson: Neil se mudou para Los Angeles. Ged e eu estávamos em Toronto. Moramos à cinco minutos um do outro desde sempre. Neil estava bem ocupado. Muitas coisas estavam acontecendo na sua vida naquele momento, mas ele nos enviou as letras nas quais havia trabalhado. E, durante esse período, Ged e eu trabalhamos nas músicas. Foi dessa forma que começamos a compor.

Geddy Lee: Em Snakes & Arrows, Neil não queria ouvir quaisquer músicas até termos escrito cinco delas.

Neil Peart: Por necessidade, tivemos que trabalhar separadamente. O que aconteceu foi uma espécie de sincronismo.

Alex Lifeson: Você pode fazer muito no conforto da sua casa, e foi assim que nossas composições se desenvolveram. Neil nos enviava as letras do seu escritório em Los Angeles ou da sua casa em Quebec, se caso estivesse lá. Ged e eu faríamos a nossa parte. Assim, quando tivéssemos material suficiente, iriamos nos reunir para iniciar os arranjos. Foi um processo demorado também - há muito envolvimento quando nos reunimos num só lugar.

Neil Peart: Numa sala, Geddy e Alex trabalhavam as músicas. Numa outra, eu trabalhava as letras. Lembro-me da faixa "Far Cry". Trabalhei nessa letra e a levei para eles no fim do dia. Geddy olhou para a mesma e disse, "Espere um minuto!". E ela seguiu o que ele havia costurado naquele dia - um arranjo. Assim, essa música certamente foi criada em conjunto. Ela cresceu organicamente. A maioria das nossas canções começaram a crescer dessa forma desde então. Compor canções é de fato uma troca de ideias. E esse sincronismo entre nós é notável às vezes.

Alex Lifeson: De certo modo, eu e Ged tomamos uma abordagem diferente nas composições de Snakes & Arrows. Compomos tudo de forma acústica. Foi bem diferente - produzimos um disco com sonoridade diferente.

Geddy Lee: Também tivemos um produtor, Nick Raskulinecz, que nos forçou a sermos nós mesmos de verdade. Acho que já estávamos nessa direção antes - tendo em vista que algumas das melhores músicas de Snakes & Arrows já haviam sido escritas antes de o conhecermos. Mas Nick ajudou a nos forçarmos numa determinada direção. Há uma confiança na nossa maneira de tocar em Snakes & Arrows que não havia em Vapor Trails. Nesse sentido, acho que Nick teve um efeito catalizador - um efeito de confirmação.

Alex Lifeson: Quando terminamos esse disco, o sentimos como um primo próximo de Moving Pictures. Para nós, havia algo nele que nos trazia a mesma sensação experimentada no disco de 1981. Ficamos muito felizes com Snakes & Arrows, e esse nível de confiança foi algo que nos levou para Clockwork Angels.

2012 - Clockwork Angels

Geddy Lee:
O objetivo em Clockwork Angels era atacar um álbum conceitual com tudo o que havíamos aprendido ao longo dos anos - os avanços que havíamos feito nas composições, nos arranjos e produção. Foi preciso lutar com aquele conceito, e ficávamos animados com isso. Mas, quando começamos, não o definíamos como um trabalho conceitual exatamente. Não tínhamos certeza que seríamos capazes de conseguir, por isso evitávamos falar dessas nossas apostas.

Alex Lifeson: Também sabíamos que nossos fãs ficariam bem animados com a ideia. Não queríamos anunciar o álbum como conceitual antes de termos certeza de que poderíamos fazer funcionar.

Geddy Lee: Adoramos a história que Neil escreveu para Clockwork Angels. Ela fala de um jovem que foi criado para fazer o aquilo lhe foi dito, seguindo as escrituras. Ele acredita, ingenuamente, que as coisas acontecem apenas para o melhor, o que significa que ele é cegamente despreparado para as armadilhas e os perigos da vida. Foi um ótimo material para que eu e Alex pudéssemos trabalhar musicalmente, e também estávamos muitos conscientes de que poderíamos deixar o peso do libreto de lado - tínhamos esse forte conceito e algumas das canções poderiam não parecer vivas. Definitivamente, isso era algo que queríamos evitar nesse disco. Queríamos que cada uma dessas faixas soasse vibrante e singular, onde cada música poderia ser arrancada do conceito levantando-se por conta própria, sem depender das demais peças.

Alex Lifeson: As composições de Clockwork Angels foram totalmente o oposto de Snakes & Arrows. Não compomos nada de forma acústica. Tudo foi feito com guitarras sujas, muitos dedilhados e passagens rítmicas. Tudo foi bastante visceral.

Geddy Lee: Levamos o tempo que precisamos. Alex e eu fizemos jams e fomos construindo as músicas, e depois Neil trazia suas opiniões. Aprendemos, ao longo dos anos, que ao invés de trabalharmos numa música para logo em seguida gravá-la, trabalhamos duro juntos para conseguir a canção, fazendo nossa própria versão demo e deixando-a de lado, para depois de um tempo voltar e ver o que conseguimos. O tempo é, verdadeiramente, um grande revelador de tudo o que está errado numa canção. Ele vai mostrar o que está errado se você deixá-la e voltar depois, com a cabeça fresca.

Alex Lifeson: Compomos seis canções para Clockwork Angels em 2010, antes de sairmos para a turnê Time Machine. A intenção era sair da estrada e cair direto no estúdio, a fim de continuarmos a compor e iniciarmos as gravações. Há vantagens sobre ir para o estúdio quando se está no topo da sua capacidade de tocar.

Geddy Lee: Estávamos prontos. Já havíamos passado por todo o processo de depuração e ensaiado as canções. Assim, fomos capazes de gravar de forma muito eficiente e bem rápida. Toda a ideia em Clockwork Angels era voltar para a maneira que costumávamos gravar - era tudo sobre agarrar aquela performance.

Alex Lifeson: Ficamos muito orgulhosos com esse disco, todos nós. Conseguimos tudo o que nos propusemos a alcançar.

Geddy Lee: Para mim, certamente, esse é um dos melhores discos que já fizemos.

2016: O Futuro...

Alex Lifeson:
Tenho orgulho de todo o trabalho que criamos, além da longevidade e do nível de proficiência que fomos capazes de alcançar. Olhando em retrospecto, não me envergonho de nenhum dos nossos discos.

Geddy Lee: Muitas vezes me perguntam se há coisas guardadas. Bem, não há nada. Nunca fez sentido para nós compormos vinte músicas e escolhermos as dez melhores. Porque não compor apenas dez ótimas canções?

Alex Lifeson: Acho que, por fim, a força da banda é que sempre estivemos seguros em saber que temos um forte legado. Não tenho certeza se já me senti competindo com outra banda. Não funciona assim. É por isso que vamos saber quando estivermos aposentados. Não vou querer tocar quando eu não puder. Odiaria ir para a estrada sendo apenas uma cópia pálida do que eu era, com as pessoas dizendo, 'Oh Deus, eles estão se arrastando no palco e ele não consegue sequer tocar o solo de 'La Villa Strangiato'!'. Eu odeio isso. Prefiro que as pessoas digam, 'Oh cara, lembra de quando fomos ao show do Rush há três anos, e de como eles foram incríveis?'. É dessa forma que eu quero que a banda seja lembrada...

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