GEDDY LEE COMENTA VÁRIOS PONTOS INTERESSANTES SOBRE SUA CARREIRA COM O RUSH



23 DE MAIO DE 2016 | POR VAGNER CRUZ

Confiram essa excelente entrevista com Geddy Lee para a revista Bass Player em 2006 - um documento histórico. Na época, o Rush estava reunido trabalhando nas composições para o álbum Snakes & Arrows. Um ótimo material onde temos a oportunidade de conhecer um pouco mais sobre a vida e o trabalho desse grande músico.

VIVENDO NOS HOLOFOTES
Depois do sucesso da turnê R30, Geddy Lee & Rush se reúnem para gravar um novo álbum


Bass Player - Março de 2016
Por Brian Fox | Tradução: Vagner Cruz

O Rush é o rock no poder de três: três integrantes, cada um mestre no seu instrumento. Três décadas, cada uma marcada por seu próprio som e direção. E agora temos Geddy Lee, o três vezes incrível frontman que comanda simultaneamente baixo, vocais e teclados.

Geddy é um tipo raro de músico, cuja combinação de talentos cria uma voz ferozmente original. Seus agudos são infalíveis; suas melodias com o baixo sempre voam alto e são super arriscadas; seu som, agressivo e na cara. Combinando sua habilidade com a concomitância sônica de Alex Lifeson e com o 'pequeno' trabalho do deus da batera Neil Peart, o Rush consegue essa sonoridade tão grandiosa.

Geddy procurou se aprimorar ainda mais ao longo dos anos. Ele foi um dos primeiros baixistas a utilizar o instrumento com equipamento estéreo. Por volta de 1977, no álbum A Farewell To Kings, começou a usar pedais Moog Taurus e um Rickenbacker Doubleneck (baixo/guitarra), criando sons maravilhosos na épica "Xanadu". Esse espírito de experimentação e de ambição sempre conduziu Geddy e seus companheiros de banda desde o início, quando eram apenas uma banda de rock-blues que procurava seguir os passos do Cream e Led Zeppelin. Logo após o primeiro álbum, em 1974, o trio começou a explorar composições longas, com multi-partes e passagens rítmicas complexas, caminhando a passos largos até 1976, com o tesouro do prog-rock 2112. Moving Pictures, de 1981, quebrou todas as ondas do rock no rádio com hits como a majestosa "Tom Sawyer" e a estupenda instrumental "YYZ". Nos anos 80, Geddy, Alex e Neil aprofundaram-se no mundo dos sintetizadores, antes de retornar para ficarem mais próximos das suas raízes novamente com o som mais rock dos anos 90.

No passado e no presente, uma coisa sempre fica clara nas performances ao vivo do Rush: Geddy explode lá em cima. "Especialmente nos dias de hoje, há uma vibração muito positiva vinda dos nossos fãs", ele diz, após estar envolvido em mais uma maciça turnê mundial (R30). "Eles estão muito felizes que ainda estamos por aí. Eu realmente me alimento disso - isso me deixa deslumbrado".

Há outra grande razão para que os fãs do Rush fiquem excitados - a banda começou a compor para um novo álbum com material inédito, o primeiro desde Vapor Trails, de 2002. Como o grupo encerrou a turnê e agora está em estúdio, Geddy refletiu sobre sua aproximação às composições, sobre suas experiências com o baixo e a química que faz do Rush um grupo único.

Bass Player: Você usou alguns baixos diferentes ao longo dos anos 70 e 80, como Rickenbackers, Steinbergers e Wals. Porém, nos últimos dez anos, usou seu Fender Jazz Bass 1972 quase que exclusivamente. Por quê?

Geddy:
Quando iniciamos os trabalhos em Counterparts [1993], a banda inteira começou a seguir um sentido retrô, atrás de sons maduros. Voltei a usar um Ampeg SVT e redescobri o glorioso resultado final do Fender - desde então não parei de explorá-lo. O Jazz Bass tem um braço bem doce, e sinto que fluo pra longe tocando nele, coisa que jamais fiz num Rickenbacker. O Ricky era, na verdade, um tipo de instrumento mais pesado - por isso eu tinha que tocar de forma mais agressiva. O braço era bem grande e a ação era alta, pois aquele era o som que eu queria.

Quais eram suas razões pelos baixos switching?

O tamanho do Steinberger fez ficar mais fácil, para que eu pudesse trabalhar bastante todo o meu aparato nos shows. Consegui um som nas frequências médias bem interessante, mas que no final me deu um resultado insatisfatório. Não teve o vigor final que eu gosto. Comecei a tocar baixos Wal quando gravamos Power Windows [1985], pois são instrumentos com uma sonoridade muito bonita e vigorosa. Por isso houve um pouco mais de funk nas minhas cordas enquanto tocava, mandando snaps e acordes. Usei cordas Rotosound Funk Master, que me permitiam fazer acordes sem tomar muito espaço no espectro do som.

Seu som mudou muito com o passar dos anos?

Sim, muito. No começo, eu precisava ser estridente no final - como num ciclo, mas sem ser muito agressivo. No meio dos anos 80 comecei mandar com distorção e compressão. E continua mudando a cada disco.

Como você passou a usar os pedais Moog Taurus?

Foi uma maneira que encontrei para pegar na guitarra. Em A Farewell To Kings, queríamos ter uma guitarra base por trás de alguns de solos de Alex, e chegamos a conclusão que a melhor forma de se fazer isso era eu tocar minha double-neck baixo/guitarra Rickenbacker, preenchendo a base no fim com os pedais. Por fim, começamos a usar os pedais em outras partes melódicas, e também para preencher a textura.

Esse set me colocou numa estrada de experimentação que foi ficando um tanto quanto insana - basicamente tentamos inventar o MIDI antes mesmo dele ter sido inventado. Nos prendemos à dispositivos inacreditavelmente complexos, alguns nem deram certo. Aceitei o sintetizador do baixo apenas por alguns anos, pois comecei a ficar frustrado por não poder tocar meu instrumento nº 1. Quando o MIDI chegou, aquilo tudo mudou. A combinação do MIDI com sequenciadores sofisticados e samplers multi-notas me permitiram tocar nossas músicas de forma mais densa e interessante.

Sempre fomos obcecados sobre estarmos prontos pra tocar nossos discos ao vivo somente com os integrantes - nunca quisemos outros caras no palco, algo que significou uma disposição cada vez mais complicada de todo o aparato que nos ajudava a realizar essas coisas. Queríamos tocar na hora, com nada gravado. Por fim, tudo isso se tornou demais para mim - então Alex e Neil começaram a me apoiar no sentido de ir deixando os teclados também.

Algumas dessas canções vem sendo tocadas por vocês a 30 anos. Como conseguem não desgastá-las?

Às vezes, dar um descanso para uma canção e depois voltar com ela pode ser ótimo. "Working Man" é uma música que estávamos de saco cheio, e demos um tempo nela. Trouxemos de volta nas duas últimas turnês, e está sendo ótimo tocá-la. É uma autêntica canção de três partes (baixo, bateria e guitarra) e todos nós explodimos nela.

Após tocar com o Alex por tanto tempo, imagino que vocês podem se identificar após ter ouvido apenas algumas notas do outro. Qual é a marca dele?

Ele é um dos maiores compositores de acordes incomuns, e há nele uma maneira muito particular de arpejos também. Como solista, tem uma fluidez e uma liberdade de movimento na guitarra que é completamente original.

Como você descreveria o sensibilidade rítmica de Neil?

De muitas maneiras, Neil é mais enraizado no jazz que no rock - mesmo que arrebente no rock. Acho que em seu coração ele é, na verdade, um músico de jazz que se adaptou ao rock. Ele gosta de tocar bem por atrás, no fim da batida. Quando ele quer tocar pesado, vira as baquetas e usa a parte de trás delas. Quando quer algo mais sutil, toca com as pontas entrando num tipo inteiramente diferente de suingue. Tem um kit de ferramentas incrivelmente profundo. No mais, a hiperatividade dele é, como todos sabem, muito bonita.

Você toca baixo nas suas horas de descanso?

De tempos em tempos. De vez em quando desço os degraus do meu estúdio caseiro e fico lá só brincando. Mantenho um baixo por perto apenas para exercitar meus dedos - só não o faço se estiver com os garotos ou vendo TV. Mas não fico dedicando uma atenção muito séria, a menos que precise.

Você se encontra facilmente após um tempo parado?

Eu me sentia meio por fora quando era mais novo. Agora me sinto apenas restaurado. Alex sente a mesma coisa. Leva pouco tempo para estar em forma. Seria doloroso para mim se ficasse muito tempo sem tocar.

Compor é natural para você ou dá muito trabalho?

De fato, tenho que sentar e me fazer trabalhar. Mas, com esse ciclo de turnês nos últimos dois anos, estou pronto para mudar a marcha. Trabalhar com pessoas novas nos inspira imediatamente, mas, quando estou compondo com Alex e Neil, gosto de ficar brincando. Só que quando começamos pra valer, fico doido pra tocar. É como estou me sentindo agora - estou morrendo de vontade de começar a trabalhar.

O processo de composição foi o mesmo para cada disco?

É sempre um pouco diferente. Nunca sabemos o que irá acontecer até conversarmos. Geralmente começa com Alex e eu nos encontrando para um jantar, para beber um vinho, a fim de falarmos sobre o que tem estado em nossas mentes musicalmente. Então organizamos um lugar pra compor com um som decente e bons instrumentos, e tentamos nos certificar de não estarmos por fora do máximo em tecnologia, para então podermos começar algumas sessões. Terei meu Jazz Bass e o manterei acessível no caso de ter uma ideia na qual possa trabalhar. Começamos no meu estúdio caseiro, onde tenho um Logic Audio para que capturemos todas as nossas jams. Se eu sentir que há algo espontâneo e maravilhoso naquelas jams, posso cortá-las para usá-las mais tarde.

Sobre o que vocês geralmente conversam?

Falamos vagamente sobre frustrações tivemos no passado e sobre coisas que gostaríamos de conseguir. Vemos o que temos em comum - então, quando nos reunimos e começamos, ao menos sabemos onde é o ponto de partida. Isso é importante para nós. Gostamos sempre de ter algo para trabalhar antes de entrarmos em estúdio - ao contrário de começar com uma lousa completamente vazia. Geralmente, o resultado final não carrega nenhuma relação com a nossa conversa inicial - na verdade, o resultado tem vida própria.

Imagino que vocês não tinham o luxo das sessões de composição nos álbuns iniciais...

É, escrevíamos o material do começo sempre que tínhamos um minuto de folga. Às vezes era num quarto de hotel ou no carro, geralmente no violão. Como levávamos mais tempo gravando o disco, a gente costumava reservar um momento para as sessões de composição. No começo, eram apenas nós três ensaiando num quarto, botando as ideias pra fora e gritando um com o outro. Com o tempo começamos a nos organizar, com Alex e eu nos separando de Neil, pois assim ele ficaria num lugar quieto para escrever as letras enquanto fazíamos as jams juntos.

Quando ficamos mais velhos, eu e Alex nos tornamos um pouco mais completos em termos de jams. Agora, quando apresentamos o trabalho para Neil, já é algo com uma boa estrutura de canção. Quando encontro Alex depois um bom tempo, invariavelmente as primeiras poucas coisas que escrevemos são bem ruins. Gostaria de ter trabalhado assim em todas as composições, sem o relógio nos apressando. Escreveríamos de maneira mais relaxada.

Você se sente cansado por alguma coisa em particular?

Geralmente pensamos sobre como as coisas poderiam ter sido - então, quando começamos a tocar novamente, tudo sai pela janela. A espontaneidade como gravamos Feedback num período curto de tempo, tocando de uma vez, ficou comigo. Gostaria de levar a maior parte dessa atitude para o trabalho com o Rush. Não obstante de como as sessões de composição vão, ou quando será a hora de gravar, isso é algo que se manteve na minha mente - tentar fazer as sessões menos trabalhosas e mais espontâneas.

O que tipicamente vem primeiro, suas linhas de baixo ou suas melodias vocais?

Tanto faz. Se os vocais vierem primeiro, usarei o baixo como guitarra, a fim de criar uma estrutura em torno dessa melodia vocal. Se Alex gostar da ideia, construiremos uma estrutura e decidiremos se esse esboço inicial ainda é apropriado. Se não for, irei compor uma linha que cumpra melhor as necessidades da base da canção. Quando Neil chega, a linha de baixo pode mudar outra vez. Geralmente sua aproximação com o ritmo mudará o que faço no baixo. Tento construir uma ponte sobre a minha ideia inicial com a entrada de Neil.

Neil tem um novo vídeo instrucional. Você já pensou em fazer um?

Já pensei nisso, mas não me vejo como um professor.

Que lição você tentaria prover?

Responsabilidade no trabalho. Como baixista, é importante saber as regras - e as melhores maneiras de quebrá-las. Primeiramente, respeite as sessões rítmicas, e certifique-se de estar fazendo no instrumento o groove da bateria, procurando maneiras de trazer isso para a melodia. É como vejo o meu trabalho, e talvez seja interessante para que outras pessoas pensem a respeito.

Quais são as maneiras de se melhorar criativamente?

O perigo para o baixista é procurar os blocos familiares e sempre ir neles. O mais importante é encontrar combinações diferentes de notas e não cair naqueles mesmos padrões. Eu me forço a fugir deles freqüentemente, usando double stops nos acordes.

Quando estou gravando, depois de passar o som, geralmente mando outra vez para tentar algo novo. Encontro coisas novas fingindo ser um guitarrista, porque consigo entrar numa área melódica nova onde normalmente não me vejo. Sempre me preocupo em manter coisas solidamente rock na base. No fim do dia, isso poderá resultar num monte de coisas idiotas, mas às vezes você fará coisas interessantes com a melodia. Gosto desse tipo de experimentação.