03 DE ABRIL DE 2009 | POR VAGNER CRUZ
Confiram uma ótima entrevista com Geddy Lee para a revista judaica Heeb (edição nº 20). A matéria traz fotos divertidas do vocalista e muitos assuntos interessantes.
O baixista e vocalista do Rush Geddy Lee é um ícone do rock. Além disso, ele é também Gary Lee Weinrib, nascido em Willowdale, Toronto, filho de Mary e Morris Weinrib, sobreviventes do Holocausto. Talvez esse fato seja uma pista do porquê tantos adolescentes confusos do subúrbio - e eu mesmo me incluo nisso - ficam horas em seus respectivos porões escuros tocando instrumentos imaginários junto ao Rush, visto que o próprio Lee foi, no passado, um garoto confuso de lá lutando sobre auto-confiança, religião e identidade. Esses importantes temas sobre alienação e insegurança resurgem de tempos em tempos ao longo dos 19 álbuns do catálogo do Rush, exemplificados em canções auto-proclamadas como "Subdivisions", o introspectivo, o escravo corporativo de "Working Man" ou o fantoche impotente em "Freewill". Recentemente conversei com Lee durante um dos seus raros breaks em meio a programação das turnês que acontecem há mais de 30 anos e também entre os elogios por sua participação cinematográfica na nova comédia de Paul Rudd / Jason Segel, Eu Te Amo, Cara.
Heeb: Quando Gary Weinrib se tornou Geddy Lee?
Geddy: Lee é o meu nome do meio, e todos os meus amigos me chamavam de 'Geddy’ desde que eu tinha 11 ou 12 anos. Uma amigo começou a me chamar assim vendo como minha mãe pronunciava 'Gary'. Ela tinha um sotaque [Polaco].
Existe alguma diferença entre o Gary e o Geddy?
Sim, de certa forma deixei de ser um pequeno nerd do subúrbio para me tornar um rock star.
Como era Gary Weinrib quando adolescente?
Eu era um cara quieto. Caí na música quando tinha 12 anos e ouvia rádio intensamente. Curtia outras bandas e me tornei um fanático por rock. Quis aprender tocar e então comecei a aprender. Estava motivado. Uma das minhas lembranças favoritas quando garoto é que lembro que o Cream veio tocar perto de onde eu morava e ninguém quis ir comigo, então comprei um ingresso e fui sozinho. O Cream me inspirou de muitas maneiras a fazer o que eu faço.
Quando eu era adolescente, tentei escapar da festa Hanukah da minha família para ver o Rush no Madison Square Garden. Me dei mal e perdi o show de vocês.
Conseguiram te segurar no Hanukah? Wow! Seus pais eram rigorosos. Temos que fazer uma outra turnê pra você.
E os seus pais? O que eles acharam quando o filho deles decidiu abandonar uma vida tradicional para ser uma estrela do rock?
Acima de tudo foi muito difícil para minha mãe. Ela desejava que eu fosse um bom menino judeu do subúrbio e não entendia o que eu queria — ela achava que eu tinha ficado maluco por decidir abandonar a escola para formar uma banda de rock. Mas ela entendeu meu papel de artista quando me viu na TV.
Meu disco favorito é o Grace Under Pressure (1984). O single "Red Sector A" fala sobre o Holocausto, certo?
Aquela música remonta uma história que minha mãe me contou sobre a liberação [de Bergen-Belsen] e de como ela não sabia ao certo o que estava acontecendo. Ela estava trabalhando num local do campo e olhou pela janela, vendo todos os soldados com seus braços para cima. Ela pensou que se tratava de algum tipo de nova saudação a Hitler. Não percebeu que eles estavam sendo liberados. Quando ela finalmente foi liberada, sua primeira reação foi: 'Porque demorou tanto?". A todo momento, ela presumia que o resto do mundo estava sofrendo as mesmas coisas, passando por condições similares .... Quando contei essa história para o Neil, algumas partes tiveram impacto sobre ele, e daí veio com "Red Sector A".
Você voltou ao antigo campo de concentração há pouco tempo?
Sim, fui com a minha mãe, com meu irmão e minha irmã em 1995 . Fomos para Bergen-Belsen, onde ela foi libertada, e era o 50º aniversário da libertação desse campo. Enquanto estávamos lá, fomos até a cidade onde ela nasceu, e também em Auschwitz, onde ela estava antes de ser transferida para Bergen-Belsen. Foi a nossa oportunidade de rever a vida dela, e esse fato a deu um significado de conclusão, o encerramento dessa parte horrível de sua vida.
Como foi pra você visitar o campo depois de ouvir essas histórias por tanto tempo?
Foi bom relembrar isso, independente do quão devastador é visitar um campo de concentração. O fato de ela ter sobrevivido, juntamente com a minha avó, tia e tios, o fato de ela estar viva evidencia provas contra os perpetradores do Holocausto, que foi algo desmoralizante. Sei que pode soar estranho, mas me lembro quando ela se virou para mim e disse: 'Quero meus irmãos e irmãs façam essa viagem, experimentando esse sentimento de termos ganho a guerra".
Você mencionou no passado que se considera judeu, mas não…
[Interrompe] Me considero judeu como raça, mas não tanto como religião. Não ligo para religião. Sou um judeu ateu, se isso é possível... comemoro as datas no sentido de que minha família se reúna e gosto de fazer parte disso. Então olho sempre o pelo aspecto do 'ficarmos juntos'.
Você acha que ser judeu impactou a sua música?
Ah, sim. Cresci sentindo a alienação que muitos garotos sentem. Eu não era uma criança particularmente social. Isso cria uma sensação de ser um cara que fica sempre de fora. Passei muito tempo vivendo dentro da minha própria cabeça, e nossa música está cheia desse tipo de histórias. O que te conforta é saber que não és o único que experimentou essa alienação, e temos fãs que se confortam da mesma maneira com que nos confortamos com nossa própria música.
O mais incrível no Rush é sua dinâmica orgânica coletiva. Você canta as letras que Neil Peart escreve. É importante pra você fazer uma conexão emocional com as palavras dele quando as canta?
Boa pergunta. Nosso relacionamento como uma equipe de compositores tem evoluído ao longo dos anos — ele como letrista e eu como vocalista. Tem que haver consideração em ambos os lados. Como crescemos juntos, temos experimentado um aumento progressivo dessa consideração. Ele geralmente reúne cinco ou seis idéias e me permite escolher a que mais positivamente me tocou e as que não ele deixa de lado. Neil me dá grande liberdade para alterar as letras, e se não estou sentindo o refrão, ele tenta reconstruir, e teremos esse vai-e-vem até que a canção funcione ou não. Outras vezes nem chego a tocar na letra, ele mesmo a altera. Da mesma forma ele me ouve cantar as canções e me passa um feedback sobre a maneira na qual estou cantando. De forma global nunca discutimos — apenas argumentamos.
Com quais músicas do catálogo do Rush que você mais se identifica?
Existem duas canções específicas do Roll The Bones (1991) que realmente me tocam — uma delas é 'Dreamline'. Amo o espírito dessa música e a maneira na qual Neil captura aquela sensação de invulnerabilidade e sede por viagens de uma determinada época de sua vida. A outra é 'Bravado', uma canção bem romântica e animadora que fala sobre renunciar e ser corajoso. Acho que abandonar certas coisas mesmo que seja contraditório fazendo aflorar sua personalidade natural é uma grande coisa a se fazer. Talvez seja por isso que me identifico com ela.
Você sente que tem estado sempre em turnê?
O ato físico da turnê tem seus altos e baixos, claro. Mas será que amo tocar? Sim. Adoro tocar com os outros caras? Sim. Eu explodo durante aquelas três horas em que tocamos juntos. O resto é trabalho pesado por todo o país, tentando me manter bem física e mentalmente. Essas são as coisas com as quais lidamos durante esses 150 anos de turnês.
Você se considera um músico progressivo?
Nossa história mostra que começamos como uma banda prog com peças extensas — com espadas e feitiçaria — que é do puro prog. Acredito que tenhamos evoluído desde então. Rupert Hine uma vez nos chamou de 'banda de rock pós-progressivo', ou p-p-rock.
Todos na banda são considerados músicos excepcionais. Neil, em particular, é considerado o deus das baquetas…
Sempre me surpreendo com a forma de tocar bateria do Neil e com a habilidade do Alex em ser um guitarrista solo e base ao mesmo tempo.
Você toca baixo e teclados. Não zombam de você?
Sabe do que eles me chamam? "Faz de tudo um pouco, mas nada direito".
O Rush nunca considerou contratar um tecladista para sair em turnê, para aliviar sua carga de trabalho?
É sempre uma discussão, e sempre que saímos em turnê, dizemos, 'Não, não podemos ter outro cara no palco'. Ele poderia estragar a química. Mas quando entramos no estúdio para gravar, percebo toda aquela porcaria de trabalhos extras e começo a pensar nessa possibilidade novamente.
Alguma vez você sentiu que durante as composições vocês estiveram sem inspiração? Depois de todos esses álbuns…
Sim, há muitas vezes nas quais você se sente sem inspiração. Temos duas escolhas: continuar tocando até algo bom aparecer ou tirar o dia de folga para ler um livro ou coisa assim. Podemos nos forçar a compor algo — mantendo jams e forçando circunstâncias. Sendo músicos profissionais, isso faz parte. Gostamos de passar bastante tempo com as canções para que estas nos mostrem alguma objetividade. Se a canção não for boa, jogamos fora.
Ok, agora algumas perguntas de nerd. Estava assistindo uma aparição que você fez recentemente num vídeo do Broken Social Scene, 'Fire Eye’d Boy'. Você ainda acompanha as bandas emergentes do Canadá?
Minha atenção para essas coisas fica num vai e vem. Estive em turnê nos últimos dois anos, e por isso te digo que estou totalmente por fora. Posso sair e conferir algumas bandas novas locais, mas raramente tenho vontade de fazer isso. Aqueles caras são muito populares por aqui. Me diverti bastante fazendo aquele vídeo.
Sempre quis saber: Você conhece a canção 'Stereo' do Pavement? Aquele trecho ('E a voz do Geddy Lee / Como ele consegue ir tão alto? Me pergunto se ele fala como um cara normal. Conheço ele e ele fala!')
Oh sim. As pessoas me perguntam sobre essa canção o tempo todo. Eu adoro a música. Morro de rir.
Você têm um grande senso de humor que recentemente foi exposto no The Colbert Report e no South Park…
Não sei. As pessoas acham que sou um cara sério. Mas acho importante não ser tão sério.
Um fato obscuro do Rush é que vocês gravaram a canção 'Time Stand Still' com a cantora Aimee Mann. Como foi isso?
Sim. Quando estávamos gravando a canção, ouvi uma voz feminina naquele trecho. Conversamos sobre Chrissie Hynde, mas nosso produtor sugeriu Aimee Mann que, na época, era vocalista da banda 'Til Tuesday. Ela foi muito generosa cedendo seu tempo, sendo uma ótima artista. Uma linda voz.
O que você está lendo agora?
Leio bastante na estrada. O último livro de Paul Theroux — ele é um dos meus escritores favoritos para viagens. Estou terminando um livro do Neal Karlen chamado 'Slouching Toward Fargo'.
Nada de livros de ficção científica e fantasia?
[Risos] Nunca li qualquer livro de ficção científica na verdade. Meu livro do ano é o 'What Is the What'. Excepcional. Dave Eggers é muito maneiro — gosto muito da sua forma de escrever.
'Nobody’s Hero', uma canção do álbum Counterparts de 1993, saiu um pouco do campo costumeiro do Rush, falando da AIDS e de homossexualidade — 'I knew he was different in his sexuality/I went to his parties as a straight minority/It never seemed a threat to my masculinity'.
Essa canção trata sobre a perda de pessoas em circunstâncias terríveis, e ela toca as pessoas de uma maneira diferente, eu acho. O tipo de questão que tratamos nessa música não é algo pop, o que faz dela uma canção tão distinta.
Porque os fãs vêm ao shows do Rush?
Temos realidades extremamente diversificadas — gosto de pensar assim. Alguns fãs se ligam estritamente na técnica do baterista ou na forma estranha de nossos acordes. Há outros que sentem uma conexão com o espírito da nossa música — a forma como elas ressoam tematicamente, um apelo mais emocional. Você pode ter dois fãs do Rush sentados lado a lado ouvindo nossa música sob diferentes aspectos.
Qual é o segredo para manter um relacionamento com três caras durante três décadas?
Você tem que ser capaz de se divertir com os outros até enjoar. Os sentimentos humanos raramente nos machucam. Estamos juntos por tanto tempo e por isso temos nossa comédia, o que nos mantém andando. Temos mais comédia do que música. Isso é grande parte da cola.
Vocês podem continuar fazendo isso ainda por quanto tempo?
É uma pergunta que me faço o tempo todo, mas não sei responder. Nesse momento vou com o fluxo. O dia em que não conseguirmos arrancar mais nenhuma idéia nova de dentro de nós é o dia em que tivemos o bastante.
Você sempre para e pensa: 'Ei cara. Estou no Rush'.
Não posso olhar para o Rush tão objetivamente. Me espanta ter tido tantas coisas legais ao longo dos anos. Mas não posso ver isso como algo intocável. Não me leve a mal — é incrível, mas você sabe? No passado chegou a ser imoral.
É impressão minha ou vocês são uma banda muito bem comportada?
Somos bons meninos. Só não posso garantir que seremos comportados todas as noites.
Existem histórias dessas de vocês no rock and roll que gostaria de compartilhar?
Elas vão ficar conosco para a sepultura.
Ah, vamos lá...
[Risos] Minha mãe pode ler isso aqui.
O baixista e vocalista do Rush Geddy Lee é um ícone do rock. Além disso, ele é também Gary Lee Weinrib, nascido em Willowdale, Toronto, filho de Mary e Morris Weinrib, sobreviventes do Holocausto. Talvez esse fato seja uma pista do porquê tantos adolescentes confusos do subúrbio - e eu mesmo me incluo nisso - ficam horas em seus respectivos porões escuros tocando instrumentos imaginários junto ao Rush, visto que o próprio Lee foi, no passado, um garoto confuso de lá lutando sobre auto-confiança, religião e identidade. Esses importantes temas sobre alienação e insegurança resurgem de tempos em tempos ao longo dos 19 álbuns do catálogo do Rush, exemplificados em canções auto-proclamadas como "Subdivisions", o introspectivo, o escravo corporativo de "Working Man" ou o fantoche impotente em "Freewill". Recentemente conversei com Lee durante um dos seus raros breaks em meio a programação das turnês que acontecem há mais de 30 anos e também entre os elogios por sua participação cinematográfica na nova comédia de Paul Rudd / Jason Segel, Eu Te Amo, Cara.
Heeb: Quando Gary Weinrib se tornou Geddy Lee?
Geddy: Lee é o meu nome do meio, e todos os meus amigos me chamavam de 'Geddy’ desde que eu tinha 11 ou 12 anos. Uma amigo começou a me chamar assim vendo como minha mãe pronunciava 'Gary'. Ela tinha um sotaque [Polaco].
Existe alguma diferença entre o Gary e o Geddy?
Sim, de certa forma deixei de ser um pequeno nerd do subúrbio para me tornar um rock star.
Como era Gary Weinrib quando adolescente?
Eu era um cara quieto. Caí na música quando tinha 12 anos e ouvia rádio intensamente. Curtia outras bandas e me tornei um fanático por rock. Quis aprender tocar e então comecei a aprender. Estava motivado. Uma das minhas lembranças favoritas quando garoto é que lembro que o Cream veio tocar perto de onde eu morava e ninguém quis ir comigo, então comprei um ingresso e fui sozinho. O Cream me inspirou de muitas maneiras a fazer o que eu faço.
Quando eu era adolescente, tentei escapar da festa Hanukah da minha família para ver o Rush no Madison Square Garden. Me dei mal e perdi o show de vocês.
Conseguiram te segurar no Hanukah? Wow! Seus pais eram rigorosos. Temos que fazer uma outra turnê pra você.
E os seus pais? O que eles acharam quando o filho deles decidiu abandonar uma vida tradicional para ser uma estrela do rock?
Acima de tudo foi muito difícil para minha mãe. Ela desejava que eu fosse um bom menino judeu do subúrbio e não entendia o que eu queria — ela achava que eu tinha ficado maluco por decidir abandonar a escola para formar uma banda de rock. Mas ela entendeu meu papel de artista quando me viu na TV.
Meu disco favorito é o Grace Under Pressure (1984). O single "Red Sector A" fala sobre o Holocausto, certo?
Aquela música remonta uma história que minha mãe me contou sobre a liberação [de Bergen-Belsen] e de como ela não sabia ao certo o que estava acontecendo. Ela estava trabalhando num local do campo e olhou pela janela, vendo todos os soldados com seus braços para cima. Ela pensou que se tratava de algum tipo de nova saudação a Hitler. Não percebeu que eles estavam sendo liberados. Quando ela finalmente foi liberada, sua primeira reação foi: 'Porque demorou tanto?". A todo momento, ela presumia que o resto do mundo estava sofrendo as mesmas coisas, passando por condições similares .... Quando contei essa história para o Neil, algumas partes tiveram impacto sobre ele, e daí veio com "Red Sector A".
Você voltou ao antigo campo de concentração há pouco tempo?
Sim, fui com a minha mãe, com meu irmão e minha irmã em 1995 . Fomos para Bergen-Belsen, onde ela foi libertada, e era o 50º aniversário da libertação desse campo. Enquanto estávamos lá, fomos até a cidade onde ela nasceu, e também em Auschwitz, onde ela estava antes de ser transferida para Bergen-Belsen. Foi a nossa oportunidade de rever a vida dela, e esse fato a deu um significado de conclusão, o encerramento dessa parte horrível de sua vida.
Como foi pra você visitar o campo depois de ouvir essas histórias por tanto tempo?
Foi bom relembrar isso, independente do quão devastador é visitar um campo de concentração. O fato de ela ter sobrevivido, juntamente com a minha avó, tia e tios, o fato de ela estar viva evidencia provas contra os perpetradores do Holocausto, que foi algo desmoralizante. Sei que pode soar estranho, mas me lembro quando ela se virou para mim e disse: 'Quero meus irmãos e irmãs façam essa viagem, experimentando esse sentimento de termos ganho a guerra".
Você mencionou no passado que se considera judeu, mas não…
[Interrompe] Me considero judeu como raça, mas não tanto como religião. Não ligo para religião. Sou um judeu ateu, se isso é possível... comemoro as datas no sentido de que minha família se reúna e gosto de fazer parte disso. Então olho sempre o pelo aspecto do 'ficarmos juntos'.
Você acha que ser judeu impactou a sua música?
Ah, sim. Cresci sentindo a alienação que muitos garotos sentem. Eu não era uma criança particularmente social. Isso cria uma sensação de ser um cara que fica sempre de fora. Passei muito tempo vivendo dentro da minha própria cabeça, e nossa música está cheia desse tipo de histórias. O que te conforta é saber que não és o único que experimentou essa alienação, e temos fãs que se confortam da mesma maneira com que nos confortamos com nossa própria música.
O mais incrível no Rush é sua dinâmica orgânica coletiva. Você canta as letras que Neil Peart escreve. É importante pra você fazer uma conexão emocional com as palavras dele quando as canta?
Boa pergunta. Nosso relacionamento como uma equipe de compositores tem evoluído ao longo dos anos — ele como letrista e eu como vocalista. Tem que haver consideração em ambos os lados. Como crescemos juntos, temos experimentado um aumento progressivo dessa consideração. Ele geralmente reúne cinco ou seis idéias e me permite escolher a que mais positivamente me tocou e as que não ele deixa de lado. Neil me dá grande liberdade para alterar as letras, e se não estou sentindo o refrão, ele tenta reconstruir, e teremos esse vai-e-vem até que a canção funcione ou não. Outras vezes nem chego a tocar na letra, ele mesmo a altera. Da mesma forma ele me ouve cantar as canções e me passa um feedback sobre a maneira na qual estou cantando. De forma global nunca discutimos — apenas argumentamos.
Com quais músicas do catálogo do Rush que você mais se identifica?
Existem duas canções específicas do Roll The Bones (1991) que realmente me tocam — uma delas é 'Dreamline'. Amo o espírito dessa música e a maneira na qual Neil captura aquela sensação de invulnerabilidade e sede por viagens de uma determinada época de sua vida. A outra é 'Bravado', uma canção bem romântica e animadora que fala sobre renunciar e ser corajoso. Acho que abandonar certas coisas mesmo que seja contraditório fazendo aflorar sua personalidade natural é uma grande coisa a se fazer. Talvez seja por isso que me identifico com ela.
Você sente que tem estado sempre em turnê?
O ato físico da turnê tem seus altos e baixos, claro. Mas será que amo tocar? Sim. Adoro tocar com os outros caras? Sim. Eu explodo durante aquelas três horas em que tocamos juntos. O resto é trabalho pesado por todo o país, tentando me manter bem física e mentalmente. Essas são as coisas com as quais lidamos durante esses 150 anos de turnês.
Você se considera um músico progressivo?
Nossa história mostra que começamos como uma banda prog com peças extensas — com espadas e feitiçaria — que é do puro prog. Acredito que tenhamos evoluído desde então. Rupert Hine uma vez nos chamou de 'banda de rock pós-progressivo', ou p-p-rock.
Todos na banda são considerados músicos excepcionais. Neil, em particular, é considerado o deus das baquetas…
Sempre me surpreendo com a forma de tocar bateria do Neil e com a habilidade do Alex em ser um guitarrista solo e base ao mesmo tempo.
Você toca baixo e teclados. Não zombam de você?
Sabe do que eles me chamam? "Faz de tudo um pouco, mas nada direito".
O Rush nunca considerou contratar um tecladista para sair em turnê, para aliviar sua carga de trabalho?
É sempre uma discussão, e sempre que saímos em turnê, dizemos, 'Não, não podemos ter outro cara no palco'. Ele poderia estragar a química. Mas quando entramos no estúdio para gravar, percebo toda aquela porcaria de trabalhos extras e começo a pensar nessa possibilidade novamente.
Alguma vez você sentiu que durante as composições vocês estiveram sem inspiração? Depois de todos esses álbuns…
Sim, há muitas vezes nas quais você se sente sem inspiração. Temos duas escolhas: continuar tocando até algo bom aparecer ou tirar o dia de folga para ler um livro ou coisa assim. Podemos nos forçar a compor algo — mantendo jams e forçando circunstâncias. Sendo músicos profissionais, isso faz parte. Gostamos de passar bastante tempo com as canções para que estas nos mostrem alguma objetividade. Se a canção não for boa, jogamos fora.
Ok, agora algumas perguntas de nerd. Estava assistindo uma aparição que você fez recentemente num vídeo do Broken Social Scene, 'Fire Eye’d Boy'. Você ainda acompanha as bandas emergentes do Canadá?
Minha atenção para essas coisas fica num vai e vem. Estive em turnê nos últimos dois anos, e por isso te digo que estou totalmente por fora. Posso sair e conferir algumas bandas novas locais, mas raramente tenho vontade de fazer isso. Aqueles caras são muito populares por aqui. Me diverti bastante fazendo aquele vídeo.
Sempre quis saber: Você conhece a canção 'Stereo' do Pavement? Aquele trecho ('E a voz do Geddy Lee / Como ele consegue ir tão alto? Me pergunto se ele fala como um cara normal. Conheço ele e ele fala!')
Oh sim. As pessoas me perguntam sobre essa canção o tempo todo. Eu adoro a música. Morro de rir.
Você têm um grande senso de humor que recentemente foi exposto no The Colbert Report e no South Park…
Não sei. As pessoas acham que sou um cara sério. Mas acho importante não ser tão sério.
Um fato obscuro do Rush é que vocês gravaram a canção 'Time Stand Still' com a cantora Aimee Mann. Como foi isso?
Sim. Quando estávamos gravando a canção, ouvi uma voz feminina naquele trecho. Conversamos sobre Chrissie Hynde, mas nosso produtor sugeriu Aimee Mann que, na época, era vocalista da banda 'Til Tuesday. Ela foi muito generosa cedendo seu tempo, sendo uma ótima artista. Uma linda voz.
O que você está lendo agora?
Leio bastante na estrada. O último livro de Paul Theroux — ele é um dos meus escritores favoritos para viagens. Estou terminando um livro do Neal Karlen chamado 'Slouching Toward Fargo'.
Nada de livros de ficção científica e fantasia?
[Risos] Nunca li qualquer livro de ficção científica na verdade. Meu livro do ano é o 'What Is the What'. Excepcional. Dave Eggers é muito maneiro — gosto muito da sua forma de escrever.
'Nobody’s Hero', uma canção do álbum Counterparts de 1993, saiu um pouco do campo costumeiro do Rush, falando da AIDS e de homossexualidade — 'I knew he was different in his sexuality/I went to his parties as a straight minority/It never seemed a threat to my masculinity'.
Essa canção trata sobre a perda de pessoas em circunstâncias terríveis, e ela toca as pessoas de uma maneira diferente, eu acho. O tipo de questão que tratamos nessa música não é algo pop, o que faz dela uma canção tão distinta.
Porque os fãs vêm ao shows do Rush?
Temos realidades extremamente diversificadas — gosto de pensar assim. Alguns fãs se ligam estritamente na técnica do baterista ou na forma estranha de nossos acordes. Há outros que sentem uma conexão com o espírito da nossa música — a forma como elas ressoam tematicamente, um apelo mais emocional. Você pode ter dois fãs do Rush sentados lado a lado ouvindo nossa música sob diferentes aspectos.
Qual é o segredo para manter um relacionamento com três caras durante três décadas?
Você tem que ser capaz de se divertir com os outros até enjoar. Os sentimentos humanos raramente nos machucam. Estamos juntos por tanto tempo e por isso temos nossa comédia, o que nos mantém andando. Temos mais comédia do que música. Isso é grande parte da cola.
Vocês podem continuar fazendo isso ainda por quanto tempo?
É uma pergunta que me faço o tempo todo, mas não sei responder. Nesse momento vou com o fluxo. O dia em que não conseguirmos arrancar mais nenhuma idéia nova de dentro de nós é o dia em que tivemos o bastante.
Você sempre para e pensa: 'Ei cara. Estou no Rush'.
Não posso olhar para o Rush tão objetivamente. Me espanta ter tido tantas coisas legais ao longo dos anos. Mas não posso ver isso como algo intocável. Não me leve a mal — é incrível, mas você sabe? No passado chegou a ser imoral.
É impressão minha ou vocês são uma banda muito bem comportada?
Somos bons meninos. Só não posso garantir que seremos comportados todas as noites.
Existem histórias dessas de vocês no rock and roll que gostaria de compartilhar?
Elas vão ficar conosco para a sepultura.
Ah, vamos lá...
[Risos] Minha mãe pode ler isso aqui.