GEDDY LEE ABRE O CORAÇÃO SOBRE O FUTURO DO RUSH



05 DE MARÇO DE 2016 | POR VAGNER CRUZ

A última edição da revista britânica Prog, além de trazer uma matéria de capa que comemora o 40º aniversário do álbum 2112 do Rush (confira aqui), traz também outra ótima entrevista Geddy Lee. O bate-papo, intitulado New World Man (Homem do Novo Mundo), aborda amplamente a última turnê realizada pelo trio, R40, com o músico abrindo o coração sobre as possibilidades para o futuro. Acompanhe esse ótimo material, traduzido exclusivamente para o Rush Fã-Clube Brasil.

HOMEM DO NOVO MUNDO
Geddy Lee, frontman do Rush, relembra a turnê de despedida da banda, R40, e olha para o futuro - que poderia muito bem ver as lendas do prog se reunindo novamente


Prog Magazine - Fevereiro de 2016
Por Philip Wilding, Dave Everley e Geddy Lee | Tradução: Vagner Cruz


Geddy Lee é o próprio modelo da cultura gentil canadense. Bebericando um Blood Mary no início da noite no bar de um dos hotéis mais luxuosos da Zona Oeste de Londres, o vocalista e baixista do Rush areja seu caminho com uma série de temas diversos, incluindo a cena teatral da capital britânica ("É a mais vibrante do mundo"), sua coleção de vinhos ("Quanto vale? Tento não pensar nisso") e sua admiração pelos pouco ortodoxos Björk, o comediante Eddie Izzard e o primeiro-ministro canadense recém-eleito Justin Trudeau.

"Admiro qualquer um que se recuse a obedecer padrões", diz ele - inadvertidamente soando como uma das letras da sua própria banda ["Vital Signs", de Moving Pictures]. Mas, temos o assunto negócios em pauta. Há quatro meses, o Rush finalizou sua turnê R40 - uma celebração controversa do que foi, na verdade, o 41º aniversário do álbum de estréia da banda. Para o desespero de sua legião de fãs, R40 foi lançada como a turnê de despedida do trio, celebrando os esforços de quatro décadas de vida na estrada que cobraram o seu preço no guitarrista Alex Lifeson, que foi diagnosticado com artrite nas mãos, e Neil Peart, que citou o esforço enorme para continuar tocando satisfatoriamente nas turnês tipicamente épicas da banda como sua razão para se retirar dos shows ao vivo.

Lee está aqui provavelmente para promover o DVD e CD R40 Live, mas, enquanto olha com dificuldade sobre seus óculos de sol escuros e redondos, sabe que as pessoas querem ouvir apenas uma coisa: o Rush não acabou. E, ao longo de uma hora, fica nítido que ele também não quer que a banda (da qual foi frontman por mais de 40 anos) esteja acabada.

Quando você assiste ao DVD R40 live agora, quais emoções sente?

É difícil. Coloquei muito amor e muito de mim na concepção dessa turnê, ficando muito orgulhoso com o resultado. Era uma daquelas ideias malucas que eu não achava que seríamos capazes de realizar, e acredito que fizemos muito bem. Dessa forma, acho que sinto uma certa melancolia assistindo o DVD para ser honesto, pois queria levar esse show para todos. Porém, as circunstâncias tornaram isso impossível. É meio que bom e doloroso ver o show.

Como foi a turnê para você, pessoalmente, em termos do que passava na sua cabeça quando estava na estrada? Você ficava no palco curtindo cada momento ou pensava, 'Talvez seja a última vez', com um nó na garganta?

Não fiquei com um nó na garganta até o último show. Se você me conhece, sabe que sou um homem de negócios na estrada. Passei toda minha vida em turnês com medo de bactérias, como qualquer vocalista em perfeito juízo faz. Amo tocar - vivo para o momento em que posso sair do maldito hotel para de fato fazer o meu trabalho. Dessa forma, estava muito feliz nessa turnê, principalmente por estarmos tocando num nível tão alto. Adorei o show, adorei o fato do público estar lá conosco - havia um tipo de atmosfera festiva em todas as noites. Daí, tinha essa coisa subjacente de que era algo que pode não voltar mais, sendo um lance que ajuda a ajustar sua apreciação para cada momento vivido ali.

Em algumas das entrevistas que você concedeu no início do ano passado, antes da turnê, era como se você negasse que esse seria o fim da estrada para o Rush. É certo dizer isso?

[Risos] Não acho que estava negando, pois não posso dizer se esse é mesmo o fim da estrada para o Rush. Mas esse é, certamente, o fim da vida em turnês para o Rush - a menos que Neil tenha uma mudança em seu coração. Tudo está nas mãos dele, para ser honesto. Se ele quiser voltar para a estrada, Alex e eu estaremos lá.


É engraçado você dizer isso, pois Alex parecia bem determinado antes da turnê R40 de que a vida em turnês para ele havia acabado também.

Acho que, no início da turnê, Alex não estava certo sobre como sua saúde ficaria - mas, no fim de tudo, ele provou para si mesmo que pode fazer. Assim, acho que ele lamenta ter dado a entender que seu corpo não seria capaz de lidar com isso.

De fora, as turnês do Rush pareciam coisas muito alegres para vocês - os vídeos que são exibidos no palco e o senso de camaradagem. É assim que vocês se sentem quando estão na estrada?

As turnês são divertidas para mim. Aparentemente, não são tão divertidas para Neil. Acho que elas estão cobrando seu preço sobre ele, fisicamente. As coisas que ele tem que fazer para estar numa turnê são mais exigentes, sendo um cara que escolheu passar a vida batendo em coisas com baquetas. Eu adoro estar em turnê. Não gosto de estar longe da minha família, não gosto de viver em hotéis - mas amo tocar. Por isso é difícil imaginar a minha vida sem tocar. Eu diria que é o mesmo para Al.

É irônico que tudo possa estar chegando ao fim para o Rush exatamente no momento em que vocês alcançaram a aceitação generalizada, esta que nunca tiveram durante grande parte da carreira. Foram capa da revista Rolling Stone e receberam declarações públicas de pessoas como Dave Grohl e Jack Black.

Bem, o tempo sempre tem sido o nosso ponto forte.

Vocês notaram o momento quando pararam se ser criticados simplesmente por serem o Rush?

Acho que ainda continua, mas acredito que somos muito mais agradáveis agora. Esse tipo de coisa fica indo e voltando. Ainda vejo isso.

O que aconteceu? Você mudou ou os críticos mudaram?

Isso veio do público. Acho que as pessoas desistiram de tentar lutar contra os nossos soldados, especialmente na era da Internet. Se dizem algo ruim, recebem 22 mil palavras em chamas como resposta. Os críticos jogaram a toalha.

Acho que a pressão dos fãs funcionou até certo ponto. As pessoas que tiveram uma atitude negativa em relação a nós acabavam tendo mais e mais amigos se tornando fãs nossos, e se sentiam envergonhados em nos dar uma oportunidade. Já vi isso acontecer. O cara chega com relutância, dizendo: "[com a voz relutante] Bem, eu realmente não gosto de vocês, mas um amigo meu me fez vir ao show - e foi um bom show". Isso começou a acontecer mais e mais.

O que isso parece? Dada a oposição que receberam durante grande parte da carreira, esse fato te faz sentir como se estivessem fazendo algo errado quando as pessoas gostam?

A desconfiança é igual. Costumamos dizer que os comentários efusivos são tão dolorosos quanto os super-críticos. Você consegue dizer quando são fanboys escrevendo um texto e quando é um cara de fora escrevendo um comentário. A verdade está em algum lugar entre um e outro.

Depois de todo esse tempo, você sente algum tipo de vingança por finalmente ter recebido essa aceitação?

Sim, eu me sinto vingado. Absolutamente.

Vamos nos agarrar à ideia de que o Rush não esta se separando. Como vocês conseguiram manter o mesmo line-up por 41 anos?

Essa é a pergunta mais difícil de responder. Eu diria que é algo que tem a ver com nossa forma extrema de sermos canadenses. Somos polidos demais para sermos desagradáveis um com o outro. Ou talvez tenhamos muita falta de imaginação sobre termos um novo grupo de namoradas. Há um senso comum de justiça que compartilhamos e o nosso senso de humor se encaixa... é profundo e substitui todas as considerações práticas. Acho que não conseguimos entrar numa sala para discutir algo ficando sérios por mais de cinco minutos.

Acredito que tem muito a ver com isso. E há o respeito musical entre nós que é outra grande parte da causa. Todos nós realmente acreditamos que somos músicos melhores juntos do que separados.

Você compõe canções longe de Alex e Neil?

Não venho fazendo isso há muito tempo. Fiz no período em que Neil estava no seu hiato, digamos assim. Assim já fiz. Mas, de lá pra cá, não mais.

Por quê?

Acho que aprendi, quando fiz meu álbum solo [My Favorite Headache, de 2000], o quão foda é trabalhar fora banda banda, fazendo todos os papéis. E assim, quando nos reunimos, aprecio muito a minha relação com eles - como companheiros de banda. Disse que não iria compor a não ser que estivesse com eles. Não vale a pena - é muito mais divertido com eles. E os resultados são muito mais gratificantes.

Dadas as circunstâncias atuais da banda, você pelo menos pensou em fazer outro álbum solo?

Sim. Acho que vou fazer outro disco solo. Tenho algumas ideias nas quais estive pensando. Gosto de tocar e, nesse momento, terei mais do tempo que normalmente dedico ao Rush. Assim, terei que encontrar um hobby.

Mesmo se nunca mais houver outra turnê com o Rush, quais são as chances de termos de um novo álbum?

Nunca diga nunca. Nunca falamos em não gravarmos. Isso é algo que poderíamos muito bem fazer no próximo ano. Eu não sei. Todas essas coisas estão sobre a mesa. O único ponto que foi retirado da mesa é a ideia dessas grandes turnês.

Foram cinco anos entre Vapor Trails e Snakes & Arrows, e mais cinco entre Snakes & Arrows e Clockwork Angels. Tomando por base essas contas, podemos presumir outro álbum do Rush em 2017. Qual a probabilidade?

Bem, eu não sei. É uma boa pergunta. Honestamente, não consigo te dizer - gostaria de saber. Eu diria que há uma chance.

Se você tivesse que avaliar essa possibilidade em porcentagem, qual seria?

Cinquenta por cento.

Como vocês conseguem Neil a bordo para um novo álbum? Como a conversa acontece? É apenas algo do tipo, "Traga seu traseiro pra cá!"?

É mais diplomático que isso. Eu diria, "Como você se sente sobre compor? Gostaria de compor algo?". Bem simples.

Então, o que seria necessário para que vocês pudessem se reunir novamente no estúdio?

Acho que apenas alguns telefonemas. Esqueça toda essa bobagem de sair em turnê - preciso compor canções. [Pausa] Vou fazer isso de qualquer jeito. Alex e eu já conversamos sobre o assunto. A única coisa que não falamos é saber se Neil virá para esse passeio.

Você já teve essa conversa com ele separadamente? Já abordou o assunto sobre um novo álbum do Rush?

Não.

Mas você está dizendo que poderia fazer um álbum com Alex, não como o Rush?

Sim.

Você considera isso?

É uma opção.

E como soaria?

[Risos] Provavelmente como o Rush sem Neil.

Você sente como se estivesse no limbo nesse momento?

Não - acho que 'limbo' não é a maneira correta de descrever. Não posso falar por eles - na verdade, não estou falando por eles, apenas por mim. Vi o fim da turnê como um momento muito triste. Fiquei triste por um bom tempo, pois senti que foi... truncado. Não estou dizendo que meus parceiros não justificaram suas decisões - não estou criticando a decisão deles de forma alguma. Estou apenas descrevendo os meus sentimentos. Eu não estava pronto para finalizar essa turnê, e o pensamento de que ela pode ter sido a última foi bem difícil para mim. Dessa forma, levou algum tempo para que eu pudesse superar. Agora estou tentando pensar sobre o que o futuro pode trazer para mim, tentando ser mais otimista. Tenho ficado bêbado com Alex algumas vezes, e Al é... bem... ele é Al. Se eu chamar, estará lá.

Você diz que está tentando ser otimista. É fácil ou difícil ser otimista nesse momento?

[Risos] É a minha natureza. Por isso é fácil.

Vocês falam sobre o Rush no passado ou no presente?

No presente. Bem no presente.

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