02 DE JULHO DE 2014 | POR VAGNER CRUZ
Bruno Mattos, tradutor de Clockwork Angels |
Após o sucesso do lançamento de Ghost Rider: A Estrada da Cura, primeiro livro de Neil Peart traduzido no Brasil, tivemos também a ótima notícia de que a editora gaúcha Belas-Letras adquiriu os direitos para publicar no país outros quatro livros do baterista: The Masked Rider (O Ciclista Mascarado), Far and Away, Traveling Music e Clockwork Angels: The Novel, este último escrito pelo autor norte-americano de ficção científica Kevin J. Anderson.
A editora abriu recentemente uma interação para que os próprios leitores decidissem qual dos títulos deveria ser lançado primeiro, e o escolhido foi Clockwork Angels. A tradução dessa vez ficará por conta do gaúcho Bruno Mattos. Conversamos com ele recentemente e trazemos com exclusividade o bate-papo, onde ele comenta sua carreira como tradutor, sua participação como o preparador de originais em Ghost Rider e alguns detalhes do projeto Clockwork Angels.
Bruno, primeiramente, gostaria que você comentasse sua trajetória profissional, seu trabalho como tradutor e seus projetos de destaque.
Comecei a trabalhar com tradução em 2008, e desde o primeiro momento eu soube que aquilo era algo que faria para toda a vida. Comecei fazendo revisões de traduções anonimamente, sem ser creditado nos livros. Ao longo desse período também trabalhei com artes visuais e literatura (sou graduado em jornalismo pela UFRGS - é um campo profissional que permite certa mobilidade), editando a revista virtual de crítica literária Cadernos de Não Ficção. Em 2012, ganhei uma bolsa de estudos para estudar tradução por um semestre na Universidad Autónoma de Madrid, e já voltei de lá com o objetivo de trabalhar com tradução literária. Desde então venho traduzindo roteiros e projetos de filme, livros de não ficção e obras literárias. Atualmente estou trabalhando em outro projeto relacionado ao mundo do rock para a editora Belas Letras, traduzindo a autobiografia de Paul Stanley, do Kiss. Mas isso já é outra história...
Gostaria que você comentasse sua participação na tradução de Ghost Rider: A Estrada da Cura.
Começou pouco mais de um ano atrás, quando a Candice Soldatelli (tradutora do Ghost Rider) estava em busca de uma segunda opinião sobre o trabalho que ela então estava começando a fazer, e acabou chegando até mim pela indicação de um amigo em comum, também tradutor. Para mim, termos nos encontrado foi um grande golpe de sorte - espero que para ela também (risos). Ela me enviou os dois primeiros capítulos à moda antiga (isso é, pelo correio), rabisquei com comentários e sugestões e ela gostou tanto que conversou com o pessoal da editora para eu trabalhar junto no projeto como preparador de originais. Nesse caso, a preparação de originais foi uma mistura de revisão minuciosa da tradução (comparando com o original em inglês) e análise de adequação ao público brasileiro. Por exemplo: havia piadas que o Neil fazia escrevendo palavras de québécois, a segunda língua canadense, com a grafia americana. Como manter isso na tradução? Vale a pena manter isso na tradução? Foram meses de discussões como essa.
A editora ficou satisfeita com o resultado e me propôs alguns testes, e desde então também tenho trabalhado como tradutor para a Belas Letras. Fiz uma tradução em parceria com a Candice (do livro Grumpy Cat) e há pouco finalizei a tradução de Brain on Fire (o título em português ainda não foi definido). E já estamos com alguns outros projetos agendados, como o Clockwork Angels.
Clockwork Angels, escrito pelo autor de ficção científica Kevin J. Anderson, é baseado nas canções do álbum de mesmo nome lançado pelo Rush em 2012. Você já conhecia esse trabalho da banda?
Sim, conhecia. Sou fã de rock desde muito jovem, e como toquei guitarra em algumas bandas e compunha algumas músicas, tinha um interesse muito grande por conhecer a história do rock. Claro que o Rush não passou despercebido, então tenho familiaridade com a discografia da banda e acompanho os lançamentos.
Para você, ouvir o disco e acompanhar as letras com atenção é importante na realização desse trabalho?
Não só é importante como é fundamental. Já no prefácio do livro, Anderson explica que ele próprio recebeu as letras do Neil para basear nelas todo o processo criativo. Acredito que faça parte da tradução literária recriar esse processo para entender melhor o que o autor fez no livro, então ter familiaridade com as letras é imprescindível. Nas últimas semanas, Clockwork Angels tem sido meu "álbum de cabeceira".
Como você se sentiu quando soube que seria o tradutor do livro?
Fiquei muito contente. É sempre bacana trabalhar em um projeto com continuidade, como será traduzir o Clockwork Angels após ter feito a preparação de Ghost Rider. Mais adiante, a Candice deve retomar e traduzir os outros livros do Neil, mas conversamos e acabei ficando com esse porque tenho mais afinidade com a tradução de obras ficcionais.
Além disso, a acolhida que a Candice recebeu dos fãs do Rush foi algo muito especial. Não é comum para um tradutor ter o seu trabalho acompanhado tão de perto, até pela natureza da profissão - há quem acredite que o bom tradutor é aquele que passa despercebido, e muitas vezes há algo de razão aí. Mas nesse caso é diferente: há um público exigente que espera ansioso e conta com um trabalho de qualidade. E isso é muito estimulante.
O processo já está em andamento? Você percebeu algum aspecto particularmente difícil ou problemático na tarefa de traduzir Clockwork Angels?
Como mencionei, no momento estou trabalhando na tradução de outro livro. Mas isso não quer dizer que o processo não esteja em andamento: nas horas de folga estou relendo o Clockwork Angels e pesquisando mais coisas sobre a estética steampunk, adotada no livro. O que há de desafio é que há muitos termos característicos ao universo steampunk que, por pertencer a um gênero literário recente, tem poucas traduções ou obras originais publicadas no Brasil. Então há termos que, a rigor, sequer existem em português. Para contornar isso estou lendo alguns títulos brasileiros de steampunk, e há coisas que não são tão simples de resolver. Mas essa é parte da graça.
E também é parte da preparação conhecer bem o disco e conhecer a obra do Rush. Ajuda bastante eu ter trabalhado no Ghost Rider, porque há muitas coisas que já pesquisei à época deste trabalho, e é claro que tudo vai somando.
Quais foram suas impressões gerais em Clockwork Angels? O que mais lhe chamou a atenção?
Não há dúvidas de que o livro dialoga diretamente com a obra do Rush. Isso chama bastante a atenção, a interação do livro com a história contada no disco é fortíssima. Mas o interessante é que ele vai além disso, e é um livro que poderá ser lido também por pessoas que não conhecem o Rush. A estética steampunk já é bastante exótica em si, mas a maneira como Anderson (em parceria com Neil) criou um universo próprio torna o livro bastante imersivo. Acho que tem tudo para dar certo.
Como conheceu o Rush?
Conheci o Rush ainda bastante jovem. É difícil traçar um momento preciso, pois era uma época em que conheci muitas bandas na mesma leva. Sempre vi o Rush como um daquelas bandas que, por fazerem parte da alta hierarquia do rock, são incontornáveis. Não é nem uma questão de gostar ou não, é uma banda que qualquer fã de rock que se preze tem obrigação de conhecer e respeitar. Mas admito que não tenho como competir com a Candice em termos de quem conhece melhor a banda. Ela é a maior fã de Rush que já encontrei, fico até surpreso que não tenha um fã-clube próprio (risos). O que é ótimo, porque quando tenho dúvidas relativas a alguma coisa da banda eu sempre posso resolver com ela.
Você acredita que ser fã da banda ajuda nesse tipo de trabalho?
Cada trabalho é uma nova empreitada, e embora o tradutor carregue consigo conhecimentos da língua e da prática de tradução e a experiência que vai acumulando, em certo sentido é como se recomeçássemos do zero a cada novo trabalho. Digo que recomeçamos do zero porque precisamos mergulhar em um novo universo a cada livro, e para isso é preciso ir em busca das ferramentas que tornem possível essa imersão. Nesse caso, isso inclui ter intimidade com a história contada nas letras do disco e familiarizar-se com o universo steampunk. Seria impossível realizar uma tradução dessas sem fazer qualquer uma das duas coisas. Se o livro fosse traduzido por alguém que não soubesse da relação com o disco (ou que não desse a essa relação a merecida atenção), o resultado final provavelmente seria muito mais pobre.
Como você avalia a conquista das traduções dos livros de Neil Peart no Brasil?
É uma daquelas coisas que eu fico pensando "Poxa, como não rolou antes?". Pelo sucesso de público e crítica que o Neil alcançou no exterior e com a projeção de seu nome por causa da atuação como músico, é mesmo estranho que não tenha rolado antes. Mas para nós foi uma sorte. Acho que posso falar em nome da editora quando digo que temos muito orgulho de trazer esses títulos para o Brasil. Se eles tinham que ser lançados no Brasil? Acho que a acolhida fantástica dos fãs do Rush em todo o país responde por si.
Clockwork Angels está previsto para ser lançado no Brasil em dezembro de 2014.
A editora abriu recentemente uma interação para que os próprios leitores decidissem qual dos títulos deveria ser lançado primeiro, e o escolhido foi Clockwork Angels. A tradução dessa vez ficará por conta do gaúcho Bruno Mattos. Conversamos com ele recentemente e trazemos com exclusividade o bate-papo, onde ele comenta sua carreira como tradutor, sua participação como o preparador de originais em Ghost Rider e alguns detalhes do projeto Clockwork Angels.
Bruno, primeiramente, gostaria que você comentasse sua trajetória profissional, seu trabalho como tradutor e seus projetos de destaque.
Comecei a trabalhar com tradução em 2008, e desde o primeiro momento eu soube que aquilo era algo que faria para toda a vida. Comecei fazendo revisões de traduções anonimamente, sem ser creditado nos livros. Ao longo desse período também trabalhei com artes visuais e literatura (sou graduado em jornalismo pela UFRGS - é um campo profissional que permite certa mobilidade), editando a revista virtual de crítica literária Cadernos de Não Ficção. Em 2012, ganhei uma bolsa de estudos para estudar tradução por um semestre na Universidad Autónoma de Madrid, e já voltei de lá com o objetivo de trabalhar com tradução literária. Desde então venho traduzindo roteiros e projetos de filme, livros de não ficção e obras literárias. Atualmente estou trabalhando em outro projeto relacionado ao mundo do rock para a editora Belas Letras, traduzindo a autobiografia de Paul Stanley, do Kiss. Mas isso já é outra história...
Gostaria que você comentasse sua participação na tradução de Ghost Rider: A Estrada da Cura.
Começou pouco mais de um ano atrás, quando a Candice Soldatelli (tradutora do Ghost Rider) estava em busca de uma segunda opinião sobre o trabalho que ela então estava começando a fazer, e acabou chegando até mim pela indicação de um amigo em comum, também tradutor. Para mim, termos nos encontrado foi um grande golpe de sorte - espero que para ela também (risos). Ela me enviou os dois primeiros capítulos à moda antiga (isso é, pelo correio), rabisquei com comentários e sugestões e ela gostou tanto que conversou com o pessoal da editora para eu trabalhar junto no projeto como preparador de originais. Nesse caso, a preparação de originais foi uma mistura de revisão minuciosa da tradução (comparando com o original em inglês) e análise de adequação ao público brasileiro. Por exemplo: havia piadas que o Neil fazia escrevendo palavras de québécois, a segunda língua canadense, com a grafia americana. Como manter isso na tradução? Vale a pena manter isso na tradução? Foram meses de discussões como essa.
A editora ficou satisfeita com o resultado e me propôs alguns testes, e desde então também tenho trabalhado como tradutor para a Belas Letras. Fiz uma tradução em parceria com a Candice (do livro Grumpy Cat) e há pouco finalizei a tradução de Brain on Fire (o título em português ainda não foi definido). E já estamos com alguns outros projetos agendados, como o Clockwork Angels.
Kevin J. Anderson e Neil Peart |
Sim, conhecia. Sou fã de rock desde muito jovem, e como toquei guitarra em algumas bandas e compunha algumas músicas, tinha um interesse muito grande por conhecer a história do rock. Claro que o Rush não passou despercebido, então tenho familiaridade com a discografia da banda e acompanho os lançamentos.
Para você, ouvir o disco e acompanhar as letras com atenção é importante na realização desse trabalho?
Não só é importante como é fundamental. Já no prefácio do livro, Anderson explica que ele próprio recebeu as letras do Neil para basear nelas todo o processo criativo. Acredito que faça parte da tradução literária recriar esse processo para entender melhor o que o autor fez no livro, então ter familiaridade com as letras é imprescindível. Nas últimas semanas, Clockwork Angels tem sido meu "álbum de cabeceira".
Como você se sentiu quando soube que seria o tradutor do livro?
Fiquei muito contente. É sempre bacana trabalhar em um projeto com continuidade, como será traduzir o Clockwork Angels após ter feito a preparação de Ghost Rider. Mais adiante, a Candice deve retomar e traduzir os outros livros do Neil, mas conversamos e acabei ficando com esse porque tenho mais afinidade com a tradução de obras ficcionais.
Além disso, a acolhida que a Candice recebeu dos fãs do Rush foi algo muito especial. Não é comum para um tradutor ter o seu trabalho acompanhado tão de perto, até pela natureza da profissão - há quem acredite que o bom tradutor é aquele que passa despercebido, e muitas vezes há algo de razão aí. Mas nesse caso é diferente: há um público exigente que espera ansioso e conta com um trabalho de qualidade. E isso é muito estimulante.
O processo já está em andamento? Você percebeu algum aspecto particularmente difícil ou problemático na tarefa de traduzir Clockwork Angels?
Como mencionei, no momento estou trabalhando na tradução de outro livro. Mas isso não quer dizer que o processo não esteja em andamento: nas horas de folga estou relendo o Clockwork Angels e pesquisando mais coisas sobre a estética steampunk, adotada no livro. O que há de desafio é que há muitos termos característicos ao universo steampunk que, por pertencer a um gênero literário recente, tem poucas traduções ou obras originais publicadas no Brasil. Então há termos que, a rigor, sequer existem em português. Para contornar isso estou lendo alguns títulos brasileiros de steampunk, e há coisas que não são tão simples de resolver. Mas essa é parte da graça.
E também é parte da preparação conhecer bem o disco e conhecer a obra do Rush. Ajuda bastante eu ter trabalhado no Ghost Rider, porque há muitas coisas que já pesquisei à época deste trabalho, e é claro que tudo vai somando.
Quais foram suas impressões gerais em Clockwork Angels? O que mais lhe chamou a atenção?
Não há dúvidas de que o livro dialoga diretamente com a obra do Rush. Isso chama bastante a atenção, a interação do livro com a história contada no disco é fortíssima. Mas o interessante é que ele vai além disso, e é um livro que poderá ser lido também por pessoas que não conhecem o Rush. A estética steampunk já é bastante exótica em si, mas a maneira como Anderson (em parceria com Neil) criou um universo próprio torna o livro bastante imersivo. Acho que tem tudo para dar certo.
Como conheceu o Rush?
Conheci o Rush ainda bastante jovem. É difícil traçar um momento preciso, pois era uma época em que conheci muitas bandas na mesma leva. Sempre vi o Rush como um daquelas bandas que, por fazerem parte da alta hierarquia do rock, são incontornáveis. Não é nem uma questão de gostar ou não, é uma banda que qualquer fã de rock que se preze tem obrigação de conhecer e respeitar. Mas admito que não tenho como competir com a Candice em termos de quem conhece melhor a banda. Ela é a maior fã de Rush que já encontrei, fico até surpreso que não tenha um fã-clube próprio (risos). O que é ótimo, porque quando tenho dúvidas relativas a alguma coisa da banda eu sempre posso resolver com ela.
Você acredita que ser fã da banda ajuda nesse tipo de trabalho?
Cada trabalho é uma nova empreitada, e embora o tradutor carregue consigo conhecimentos da língua e da prática de tradução e a experiência que vai acumulando, em certo sentido é como se recomeçássemos do zero a cada novo trabalho. Digo que recomeçamos do zero porque precisamos mergulhar em um novo universo a cada livro, e para isso é preciso ir em busca das ferramentas que tornem possível essa imersão. Nesse caso, isso inclui ter intimidade com a história contada nas letras do disco e familiarizar-se com o universo steampunk. Seria impossível realizar uma tradução dessas sem fazer qualquer uma das duas coisas. Se o livro fosse traduzido por alguém que não soubesse da relação com o disco (ou que não desse a essa relação a merecida atenção), o resultado final provavelmente seria muito mais pobre.
Como você avalia a conquista das traduções dos livros de Neil Peart no Brasil?
É uma daquelas coisas que eu fico pensando "Poxa, como não rolou antes?". Pelo sucesso de público e crítica que o Neil alcançou no exterior e com a projeção de seu nome por causa da atuação como músico, é mesmo estranho que não tenha rolado antes. Mas para nós foi uma sorte. Acho que posso falar em nome da editora quando digo que temos muito orgulho de trazer esses títulos para o Brasil. Se eles tinham que ser lançados no Brasil? Acho que a acolhida fantástica dos fãs do Rush em todo o país responde por si.
Clockwork Angels está previsto para ser lançado no Brasil em dezembro de 2014.