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MÁQUINA DO TEMPO: O FUTURO COMO DEVERIA TER SIDO
Por Neil Peart
Passado, presente e futuro - todos se reúnem nessa fase da forma mais improvável.
A história começou em dezembro passado, quando nós três nos reunimos em Los Angeles com nosso coprodutor de Snakes & Arrows, Nick ("Booujzhe") Raskulinecz, para conversarmos sobre o próximo ano. De forma intencional, não discutimos quaisquer planos antes do encontro, apenas concordávamos que queríamos fazer algo juntos. Tínhamos várias opções possíveis à nossa frente, mas as contornaríamos para decidir em conjunto.
Havíamos gravado Snakes & Arrows no final de 2006 e começo de 2007 e saímos em turnê nos verões de 2007 e 2008, ficando um tempo fora em 2009. Até aqui, tudo normal. Agora a coisa típica a se fazer seria começar a compor músicas para prepararmos um álbum, para em seguida lançarmos uma turnê em 2011 ou algo assim. No entanto, "álbuns" nesses dias são abstrações mais caras para os artistas do que para o público, e não parecia mais necessário seguir esse padrão corroído pelo tempo. "Crise é perigo e oportunidade", diz um velho ditado chinês, e estávamos bem animados em fazer as coisas de uma forma diferente.
Definitivamente queríamos trabalhar em algo novo, e falamos apenas em compor e gravar algumas músicas. Poderíamos seguir os desejos de nosso empresário, Ray, fazendo também uma pequena turnê em 2010. Geddy trouxe um projeto que há muito tempo o atraía, que consistia em juntarmos todas as nossas instrumentais dentro de um único álbum, talvez compondo uma nova canção para ir com elas.
"Talvez algo que fosse mais prolongado", ele disse, e meus ouvidos doeram na hora. Anos atrás, tivemos alcançada nossa cota de clones de obras longas, conceitos líricos e instrumentais (sempre lembrando o subtítulo de "La Villa Strangiato" de 1978, "An Exercise in Self Indulgence"), mas recentemente tendíamos a fazer nossas próprias canções, se não concisas, pelo menos mais compactadas. Assim, como exemplo, uma instrumental como "The Main Monkey Business" de Snakes & Arrows era extremamente complexa, mas trabalhamos com seus movimentos em apenas seis minutos, ao invés de nove ou dez.
Após essa sugestão, as engrenagens começaram a girar em minha cabeça. Agora que estávamos falando em fazer algo um pouco mais ambicioso musicalmente, me perguntava se não era a hora de pensar dessa maneira, em termos de letras e também de conceitos. O refrão de "Caravan" parece apropriado: "I can't stop thinking big".
Falei com os rapazes sobre uma ideia de um mundo imaginário sobre o qual havia me interessado recentemente, pensando em fazer um grande cenário, talvez para uma suíte de canções que contaria uma história. Um gênero de ficção científica iniciado por alguns autores (incluindo meu amigo Kevin J. Anderson) veio a ser chamado de "steampunk," visto como uma reação contra futuristas "cyberpunk", com seus cenários desumanizados de alienação, com sociedades distópicas. Nossas próprias viagens anteriores para o futuro, 2112 e "Red Barchetta", haviam sido fixadas num tipo obscuro de imaginação, para efeitos dramáticos e alegóricos, mas eu estava pensando numa definição para steampunk como "o futuro como deveria ter sido" ou "o futuro visto do passado", conforme imaginado por Júlio Verne em 1866 por exemplo, quando ele escrevia suas 20000 Léguas Submarinas.
Quando tinha nove ou dez anos, meu pai levou meu irmão, minha irmã e eu para assistir esse filme numa matinê de sábado, e aquelas imagens sempre ficaram comigo. O poder destrutivo do terrível Nautilus tinha uma beleza monstruosa, contrastada com a opulência cultivada pelas instalações do Capitão Nemo e seu órgão de tubos maciço que ele tocava num louco êxtase. O capitão pode ter sido louco, mas era romântico, idealista, e sua loucura era apenas destruir navios de guerra porque sua amada família havia sido morta em tempos de guerra.
Os rapazes pareciam intrigados com o tema e em casa, no sul da Califórnia, comecei a trabalhar numa história e letra nesse sentido, num mundo dirigido a vapor, relógios complicados e alquimia - "um mundo iluminado apenas pelo fogo" (título de uma história dos tempos medievais escrita por William Manchester). No começo de janeiro de 2010, estava pronto para enviar um monte de páginas com letras para Alex e Geddy em Toronto, e eles se reuniram no estúdio caseiro de Geddy, "brincando" e tocando para ver o que saia. Seus temperamentos individuais são perfeitos para essa abordagem - Alex, o improvisador consumado (você vai ouvi-lo tocando sem compromisso no violão e fazendo algo grandioso, então perguntamos a ele, "Espere um pouco, o que era aquilo?", e ele vai te olhar e dizer, "Hum, não sei"), e Geddy o paciente editor e organizador, lidando com suas divagações em torno das melhores partes registradas, para depois costurá-las dentro de um arranjo. Ele também verifica minhas páginas com as letras buscando coisas que pareçam ir bem, para em seguida ajustar a música para se adequar, me enviando pedidos de alterações líricas que poderiam se ajustar melhor nas canções em crescimento.
No início de março nos reunimos na casa de Geddy em Toronto, e ouvimos cinco músicas que havíamos finalizado. Booujzhe também voltou ao quadro nesse momento, transmitindo suas opiniões e sugestões para o trabalho em andamento, e juntos decidimos nos concentrar em duas das canções, "Caravan" e "BU2B" (os rapazes acharam que meu título original "Brought Up to Believe" era muito pesado, então achei apropriado abreviá-la conforme ocorre em redes sociais modernas). Essas duas canções passaram a ser as duas primeiras peças de uma história projetada, agora intitulada Clockwork Angels.
Em abril voltei a Toronto por duas semanas, quando finalizamos os arranjos e quando comecei a trabalhar na bateria. Com referência a "complexidade resumida" mencionada anteriormente, é de salientar que levei três dias para aprender "Caravan", assim como ocorreu em "The Main Monkey Business". Tive que tocá-la várias vezes, "absorvendo" gradualmente suas saliências e rugosidades suavizando-as, e reclamava com meu técnico Gump sobre a tendência dos meus companheiros em adicionar batidas aleatórias aqui e ali, sempre que lhes convinha. "Queria que eles aprendessem a contar até quatro três vezes em uma linha!".
Então veio Booujzhe. Já expliquei antes que seu apelido veio de seu hábito de air-drummings escandalosos, "Blappada-blappada, dubba-dubba-dubba, rat-a-ta-tat, booujzhe." (Onomatopeia, claro.)
Ele foi logo para ela novamente. No meio de "Caravan", há uma seção de ligação onde Geddy e Alex dão uma descida, para subir novamente, e eu ficava de fora nessa parte, apenas marcando entre eles. Nesses espaços, Booujzhe começou a fazer mímicas absurdas, chamando a atenção para toda forma de tons tercinados cheios de agitação, para em seguida erguer tudo de volta novamente, a fim de acompanhar a guitarra e o baixo. Olhei para ele incrédulo. Ele me deu seu comentário habitual, "Ei, não iria perguntar se não achasse que você poderia fazer isso".
Geddy olhou por cima dos óculos dizendo secamente, "Ele quer fazer você famoso".
Eu concordei e toquei, e Booujzhe ficou todo animado. Tudo o que eu podia dizer era "Estou tão envergonhado!".
Como na parte final de "Far Cry", na qual Booujzhe havia me incentivado a fazer um solo a mais, era algo que eu jamais teria sugerido a mim mesmo, mas essa é uma das razões que nos faz gostar de ter um cara como ele próximo a nós para nos empurrar, nos encorajar, nos levando a fazer coisas malucas.
Então agora precisávamos de um estúdio onde poderíamos gravar corretamente essa nova canção. Parte dos danos colaterais do declínio da indústria da música têm sido encontrados em muitos estúdios que fecharam as portas, e o único com um bom espaço para a gravação da bateria em um curto espaço de tempo foi um em Nashville - Blackbird. No entanto, assim que preparamos as partes de bateria e baixo nos primeiros dois dias, passando para os overdubs e mixagens nos outros dez, ele provou ser um ótimo estúdio. Adoramos os resultados.
Durante todo esse tempo, voltando a janeiro, tivemos planejando também as sugestões de canções para ressuscitar na turnê Time Machine, assim como o sonho de uma apresentação em um palco totalmente novo. Inspirados em artistas como Steely Dan e Todd Rundgren, que recentemente haviam tocado alguns de seus álbuns mais antigos em sua totalidade, sugeri que poderia ser legal fazer isso com o Moving Pictures - um de nossas trabalhos mais populares que nunca havia executado em sua totalidade, nunca tínhamos tocado "The Camera Eye" ao vivo. [Nota do Tradutor: "The Camera Eye" foi tocada ao vivo nas turnês Moving Pictures e Signals].
Outras turnês recentes nos deram mais liberdade na escolha das músicas. Depois de apresentar uma ampla retrospectiva na turnê R30 de 2004, sentimos que nos libertamos dessa "responsabilidade" na turnê Snakes & Arrows em 2007 e 2008, tocando mais canções novas. Dessa vez nos sentimos livre delas, e juntamente com a adição de duas novas canções, "Caravan" e "BU2B", mais o conjunto Moving Pictures, tentamos encontrar algumas antigas incomuns para ascender em nossa lista de músicas - para nós e para nossos fãs.
A máquina no tempo foi definida agora para o passado, presente e futuro.
Enquanto bolava as ideias da capa com Hugh Syme, para o lançamento das canções e turnê, Geddy trabalhava com seus colaboradores em Dale e Allan para os filmes no telão, recrutando Alex e eu como "atores" cômicos para prosseguir com nossa meta ao vivo a longo prazo: "Mais comédia, menos música".
Embora nunca parecemos sair do palco com "menos música", é verdade que com o passar dos anos temos tido mais risos.