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OLHANDO ATRAVÉS DE JANELAS PODEROSAS
Por Neil Peart

Fevereiro de 1985: Olhando através da janela do segundo andar de uma antiga casa de campo em Ontário, você pode ver uma violenta nevasca soprando. A neve voa como chicote até a janela, através dos campos abertos em movimentos poderosos.

Estamos aqui no Elora Sound há aproximadamente três semanas, preparando uma nova safra de canções. Lá fora no celeiro há um estúdio de 24 pistas, onde meus parceiros Alex e Geddy passam suas tardes trabalhando em ideias ou apropriando as músicas para uma ou outra letra que tenho escrito aqui, na minha pequena escrivaninha. Pequena é pouco. É quase do tamanho de uma criança de cinco anos. Me mantém humilde.

Ocasionalmente posso ouvir algum trecho da música que os dois me deram para trabalhar, ou coletar as anotações que fiz durante o ano passado para ver se algo se conecta. Venho tentando me concentrar em Manhattan Project, mas é estranho trabalhar numa peça histórica - você acaba tendo que fazer muita pesquisa para obter os fatos.

Felizmente cheguei até aqui com alguns esboços escritos para "The Big Money", "Mystic Rhythms" e "Marathon", tendo um bom começo. Enquanto Geddy estava em casa, vasculhou uma grande pilha de gravações de nossas jams procurando por ideias úteis, e Alex trouxe uma fita com suas sinfonias caseiras na guitarra. Portanto, todos nós fizemos as lições de casa.

Montamos essas três primeiras músicas em aproximadamente uma semana, passando nossas tardes separados e nos reunindo no começo da noite para tocá-las. Depois fomos para "Middletown Dreams" e hoje mais tarde provavelmente iremos trabalhar a "Marathon". E ainda tem esse pedaço de música na qual estou tentando colocar palavras para eventualmente se tornar "Grand Designs".

Março: Olhando para baixo de uma janela de hotel em Miami, você vê centenas de corpos brilhantes assando no sol da Flórida. O calor cai bem depois do longo inverno canadense, porém com mais um show essa noite você nunca está relaxado de verdade. Colocando sua xícara de café na mesa, você cola seus fones de ouvido e escuta as cinco músicas novas. A piscina parece convidativa lá em baixo, enquanto uma vela branca está à deriva do mar azul.

Como sempre, fazemos alguns shows antes de ir para o estúdio, a fim de afiar nossas habilidades musicais e nos dar a chance de tocar algumas músicas novas ao vivo e durante às passagens de som.

No Lakeland encontramos com "Jimbo" Barton pela primeira vez, o australiano irreprimível que será nosso engenheiro de som nesse álbum. Foi recomendado pelo nosso novo produtor, Peter Collins, e está cheio de alto astral e confiança. Ele tem certeza que pode fazer com que o som da minha bateria soe "cem por cento melhor!" Vamos ver. É um ótimo desbastador porém.

Final de Março: De volta para minha pequena escrivaninha no Elora, olhando para o início da primavera. Manchas de grama marrom, terra arada entre a neve e aquele cheiro especial no ar. Esterco.

Quando começávamos aqui, estava acostumado a levantar da minha cadeira no fim da tarde para esquiar, mas nesses últimos dias tenho dado somente voltas de bike.

Uma coisa estranha aconteceu no nosso primeiro dia de retorno. Conversamos sobre trabalhar em uma balada para o álbum, então comecei a escrever uma letra adequada. Quando fui mostrar a mesma aos outros caras, eles trabalhavam numa música muito legal. Embora não fosse a balada que tínhamos em mente, Geddy começou a cantar a letra com ela e os dois elementos casaram perfeitamente. Et voilà! Nascia "Emotion Detector".

Foi bom para nós nos mantermos afastados por algumas semanas. Eu estava tendo problemas com as letras de "Territories" e "Manhattan Project" por semanas, mas agora elas estavam prontas. As canções "Emotion Detector" e "Territories" foram rapidamente escritas e arranjadas, e tínhamos boas gravações de nossas sete músicas para mostrar ao Peter quando chegasse.

Nossa única filha problemática era "Manhattan Project". Em todos os nossos álbuns há pelo menos uma canção que não quer ser escrita, ou não quer ser gravada ou às vezes mixada. Essa foi a última canção na qual trabalhamos, e acredito que tenhamos ficado um tanto quanto esgotados. Mas Peter foi capaz de contribuir com algumas ideias úteis para essa e para as outras também.

Isso foi bom, pois ele não tentou mudar nossas canções ou a forma que a tocávamos, apenas gostou de acrescentar pequenos toques - "eventos" como gostava de chamar - que nós não pensaríamos de forma alguma. E isso era exatamente o que estávamos procurando.

Abril: A partir de uma janela alta avisto os jardins de musgo e o antigo cemitério Manor, em Oxfordshire England. Fragmentos de nuvens correm pelo céu azul enquanto você se acomoda em mais um quarto, colocando algumas fotografias no espelho. Torna-o sua casa.

De alguma forma você consegue sentir o quão antigo é esse lugar. Ian, o jardineiro, nos disse que ele é mencionado no Domesday Book - voltando, acredite, a 1086! Agora é antigo! Ouvimos histórias sobre um fantasma chamado "A Dama Grisalha", mas não a conhecemos. Talvez na próxima.

O método de gravação utilizado por Peter e Jimbo nos permitia gravar as pistas básicas muito rápido, além de capturar muito melhor as primeiras performances, mais espontâneas. Tivemos essas primeiras pistas finalizadas em duas semanas, ficando prontas para um mundo de overdubs.

A essa altura trouxemos nossa participação especial para esse álbum, o extravagante Andy Richards, que irá nos ajudar com a programação de sintetizadores, adicionando alguns momentos emocionantes e texturas de teclados por todo o álbum. Apreciamos a ideia de sentar e sugerir coisas para outra pessoa fazer!

Alex ficou entediado durante tudo isso, e decidiu criar um novo hobby - pintura a óleo! Logo estava criando uma série de obras primas em seu salão no andar de cima. A Tate Gallery e o Museu de Arte Moderna estavam envolvidos em uma guerra de lances enquanto discutíamos.

Numa manhã, Larry, que toma conta da minha bateria, e eu dirigimos até Londres e carregamos o vagão da estação com tambores africanos e indianos. Poderíamos utilizá-los para criar os sons de tambores para "Mystic Rhythms", e eu estaria emocionado em estrear meu bongô em "Territories". Novos horizontes.

Durante uma sessão noturna na mesa da cozinha (A Rampa de Lançamento), a similaridade de estatura e o ar de autoridade ficou visível entre Peter e Edward G. Robinson. De agora em diante ele se tornava o "Mr. Big". "Ok, veja..." Ele nem mesmo fuma charutos!

Maio: Uma grande janela de imagem matizada olha para fora da sala de controle, em direção ao outro lado da piscina abaixo de um enorme vale verde, ao longo de imponentes palmeiras imperiais até a areia vulcânica quente e fora do sol tropical que brilha no Caribe azul. Se você não pode viver num lugar como esse, não poderia pelo menos fazer um transplante de nervos com alguém que vive lá?

Ah, Montserrat! Conversamos e sonhamos em trabalhar nesse lugar durante anos - e finalmente conseguimos. Air Studios; um retiro no topo da pequena e amigável "Ilha Esmeralda Caribenha". Um vulcão vivo de verdade, iguanas de verdade, vacas e cabras de verdade na estrada e uma das coisas mais simpáticas que você pode conhecer.

Pobre Alex. Em todas as três semanas que estivemos na ilha, não trabalhamos em nada além de overdubs de guitarra, o que nos deixou em papéis puramente críticos enquanto ele era escravizado todos os dias, o dia inteiro. Bem, falamos para ele, lembre-se daqueles dias tediosos no The Manor e pense, você será o único que terá alguns dias de folga quando voltarmos para a chuva e o frio de Londres! Acho que ele se sentiu melhor depois disso.

Durante um dia de folga que nos permitimos, a equipe nos proporcionou um churrasco numa praia deserta do lado norte da ilha. Lá foi decidido que Alex iria se tornar Sua Alteza Real Rei Lerxst, onde ele mudou o nome da ilha para Schmengland (por decreto real). Ele ainda declarou que a segunda segunda-feira de cada mês seria o "Dia do Rei Lerxst", sem trabalho e com drinks de graça para todos.

Enquanto voltávamos, ele ficou em pé na traseira do nosso jeep aberto, usando um capacete de motocicleta (?), ladeado por outros dois maníacos liderados por uma escolta de motos (Jimbo e Peter alugaram motocicletas) e guiados por seu Correspondente (especialmente escolarizados em táticas de evasão terroristas). À medida que passávamos pelas pequenas aldeias sonolentas, ele acenava para seus súditos leais e gritava suas proclamações aos cidadãos confusos.

"Você não precisa trabalhar amanhã", ele anunciava para uma mulher.

"Eu não tenho emprego", ela retornava. Oh, nada é perfeito no paraíso.

Ele também sobreviveu a duas tentativas de assassinato.

Junho: Uma janela da sacada observa abaixo as ruas movimentadas de Mayfair, em Londres. É o começo da temporada de turismo e uma convenção de advogados americanos na cidade. Dessa forma as ruas estavam lotadas. Depois do Elora, The Manor e Montserrat é realmente ótimo voltar a uma cidade grande. A energia e a atividade são contagiantes.

Gostaria de falar sobre as janelas do estúdio - mas não havia nenhuma! O SARM East Studio fica localizado em um porão no extremo leste de Londres. Portanto, mesmo se estivesse um ótimo dia, nunca iríamos saber!

Com quase tudo gravado agora, começamos os solos de guitarra e depois os vocais. Ousamos sonhar estar em casa durante boa parte do verão, mas começamos a perceber que não iria acontecer. Como Jimbo diria: "Sonhe com isso!"

Ao invés de um hotel, alugamos um apartamento para morar nesse tempo, que era um pouco menos impessoal. Ele continha a visão descrita acima, mas normalmente eu só a via tarde da noite, quando as ruas estavam desertas e escuras. Londres dorme cedo.

Foi deprimente assistir junho e julho passarem - ou não assistir - a partir de um porão em Londres. Após os outros estúdios e uma série de álbuns no Le Studio em Quebec, estávamos acostumados a um ambiente mais natural.

Julho: A marquise envidraçada de uma casa em Chelsea. Uma tempestade de verão se aproxima sobre o Tâmisa. A maré está retrocedente, e a água flui abaixo de um céu raivoso. A chuva começa a apedrejar a janela em rajadas, como cascalho, e você pode sentir o cheiro do raio.

Bem, ainda estamos em Londres mas, para conter nossa inquietação, nos mudamos para uma nova casa para começar nosso segundo mês aqui. Geddy vêm recebendo infusões regulares de baseball em fitas de vídeo, e nós importamos algumas de nossas junk foods favoritas.

Estamos quase começando a fase de mixagem depois de tirar uma semana de folga. Torna-se difícil ser objetivo sobre qualquer coisa nesse ponto, então é bom tentar ficar longe disso por um tempo.

Passamos por mudanças diárias sobre a ordem das músicas no álbum, e há decisões a serem feitas sobre a capa, os créditos, as fotos, e claro - as canções!

Agosto: Olho pela janela da sala de controle para dentro do vasto Studio 1 no Abbey Road. A história do rock foi feita aqui, e a história (de alguma forma) será feita aqui hoje. No entanto, outra tempestade torrencial inundou a cidade, e uma úmida orquestra está pronta para uma sessão. Uma peça de 30 cordas para tocar num álbum do Rush. Imagine!

Foi muito emocionante ficar no estúdio e ouvir o som majestoso de todas aquelas cordas ao vivo. Especialmente tocando um de nossos sons! Rá!

Tivemos outra excursão para o Angel Studios, dessa vez para gravar um coral de 25 pessoas para o final de "Marathon". Nessa sessão, nós três nos olhávamos rindo muito alto! Isso é tão estranho!

Mas o Mr. Big queria que colocássemos todas essas paradas nesse álbum - realmente fez disso algo diferente e especial. Bem, é certamente diferente!

E agora chove todos os dias por duas semanas. O verão e a vida estão - molhados.

Setembro: Através da minha própria janela no segundo andar, observo os telhados escuros e os quintais do meu bairro. Você pode ver as luzes piscantes da Torre CN através das árvores ao longe.

Bom, finalmente está de fato acabado. Essa odisseia nos levou seis meses que pareceram passar muito rápido (exceto a última parte); Geddy esteve em Nova York para supervisionar a masterização (e pegar um ou dois jogos), vimos e aprovamos as provas para a capa e planejamos um clipe.

Agora é só esperar e ver o que todo mundo tem a dizer sobre o disco. Para mim, já estou começando a pensar no próximo. Você supõe que isso seja bom ou ruim? Bem, acabou!

Como o Mr. Big diz no final do dia, "Já era garotos!"

Ou como Sua Real Majestade Rei Lexst proclamou, "Bebida de graça para todos!"