RUSH - TIME MACHINE TOUR 2010
Conheça de perto as canções que serão apresentadas pelo Rush nos shows do Brasil


Dentro de poucos dias teremos enfim o retorno do Rush ao Brasil. Foram quase oito anos de espera desde a primeira passagem dos canadenses pelo país, na época encerrando a turnê "Vapor Trails" com três apresentações inesquecíveis: Porto Alegre - RS, em 20 de novembro de 2002, São Paulo - SP, em 22 de novembro de 2002 e Rio de Janeiro - RJ, em 23 de novembro de 2002 (que inclusive nos rendeu o antológico CD e DVD "Rush In Rio", lançado um ano depois). Desde então a banda trabalhou em mais duas turnês ("R30" em 2004 e "Snakes & Arrows", em 2007-2008), porém o Brasil não esteve presente novamente nos circuitos.

Os anos se passaram e a desconfiança pela volta do Rush ao Brasil se tornava evidente entre os fãs. Em 2007, tivemos em um dos sites internacionais mais famosos sobre a banda a afirmação de que o Rush retornaria ao país em 2008 com a segunda perna da sua turnê "Snakes & Arrows", realizando shows nas cidades de Porto Alegre, São Paulo, Rio de Janeiro e Fortaleza. Porém, após muita expectativa, nada se cumpriu e a banda continuou somente com seu eixo EUA-Canadá, como de costume.

De forma supreendente, em 2010 tivemos uma notícia bombástica que acabou chamando bastante atenção dos fãs ao redor do mundo: a confirmação de uma nova turnê do Rush, denominada Time Machine, que traria como atração maior a execução total do famoso álbum de 1981 "Moving Pictures" (que traz os hits "Tom Sawyer", "Limelight", "Red Barchetta" e "YYZ"), fato inédito na carreira da banda. Depois de muitos pedidos e citações em sites e fóruns ao redor do mundo, o power-trio enfim cederia confirmando o retorno da canção "The Camera Eye" como parte do novo set (a quinta faixa do disco não era tocada ao vivo desde a "New World Tour", turnê do álbum "Signals", encerrada em 1983), pondo fim à espera de 27 anos para o surgimento desse grande épico novamente em setlists. "Witch Hunt" e "Vital Signs" completam o ciclo.

Como sabemos, o power-trio canadense lançará em 2011 seu 20° álbum de estúdio na carreira, "Clockwork Angels", trabalho que contará mais uma vez com o produtor Nick Raskulinecz (que já esteve com eles em "Snakes & Arrows", de 2007). A Time Machine Tour tem apresentado duas novas canções que farão parte desse novo álbum, "Caravan" e "BU2B", além de mais algumas raridades do passado como "Presto" e "Time Stand Still", que têm tocado os corações dos admiradores mais fervorosos.

Para a felicidade dos fãs brasileiros (e posteriormente também dos argentinos e chilenos), em julho tivemos a confirmação oficial da extensão da turnê Time Machine em uma perna sul-americana. O site oficial do power-trio, ao lado da empresa Tickets for Fun, confirmava enfim o aguardado retorno do Rush ao país para apresentações no Estádio do Morumbi, em São Paulo (dia 08/10/2010) e para a Praça da Apoteose, Rio de Janeiro (em 10/10/2010). Esse fato movimentaria mais uma vez o grande número de fãs que a banda mantém no país, esses que lhes renderam em 2002 os maiores públicos da carreira de quase 40 anos.

As canções do Rush sempre foram marcadas por uma riqueza muito grande de informações e inspirações, e essa é uma das características mais marcantes do trio. Dessa forma, decidimos prestar um pequeno serviço aos fãs que gostam de boa leitura e que queiram absorver todas as intenções e mensagens nas apresentações da Time Machine Tour em solo brasileiro: uma análise detalhada de cada canção que será apresentada por aqui (atenção: spoilers).

Boa viagem!

>>> PRIMEIRO SET

01 - THE SPIRIT OF RADIO
Álbum "Permanent Waves" (1980)

A canção de abertura da Time Machine Tour 2010 é "The Spirit of Radio". Gravada originalmente para o álbum "Permanent Waves" (1980), temos nesse hit – inquestionavelmente uma das melhores canções da banda (tanto liricamente quanto musicalmente) – o power-trio canadense se lançando num rápido e preciso rompante que é instantaneamente reconhecido e adorado.

Neil Peart sobre a canção, para a revista Billboard: "The Spirit of Radio foi de fato escrita como um tributo para tudo o que era bom nas rádios, trazendo minha apreciação dos momentos mágicos que tive na infância, ouvindo 'a música certa na hora certa'. Entretanto, a celebração dos ideais do rádio pareceu necessariamente um ataque à realidade – como na fórmula, programação mercenária em sua maioria, com a música sendo a última preocupação. E sim, foi muito irônico tal canção ter feito sucesso nas rádios, como se fosse um tipo de teste de azul de bromotimol. Alguns caras que 'pegaram' a canção poderiam ouví-la e pensar 'Era assim que as coisas deveriam funcionar', enquanto outros – os tolos e pretensiosos vendedores no ar – poderiam não estar conscientes sobre o significado dela e, orgulhosamente, aplaudiriam a si mesmos: 'Ela fala sobre mim!'".

E "The Spirit of Radio" foi um raro hit do Rush. A maior parte das canções da banda, neste estágio, era apreciada no contexto de seu respectivo álbum. Porém "The Spirit" era curta e acessível o suficiente para conseguir ser tocada nas rádios, tornando-se por si só um single.

Inspiração: Escrita e gravada por membros da rádio CFNY de Toronto, a canção "Working On The Radio", da 102.1 Band (1979) serviu como uma espécie de inspiração para "The Spirit of Radio". Lançada em janeiro do ano seguinte, o riff dinâmico de "The Spirit" é bastante similar ao usado em "Working On The Radio", e o solo de Alex é muito parecido com o solo feito no violino pelo músico canadense Nash The Slash, que tempos depois deixou a banda seguindo para carreira solo, sendo substituído por Ben Mink, amigo da banda que inclusive participou das canções "Losing It" ("Signals", 1982) e "Faithless"("Snakes & Arrows", 2007). Assim como "The Spirit Of Radio", "Working On The Radio" é um tributo para a rádio CFNY 102.1 FM do Canadá. Os lotes originais de "Permanent Waves" no país (com a capa "Dewey Defeats Truman") traziam o número de catálogo da Anthem "ANR-1-1021", e o "1021" aparecia impresso em destaque.

"Há uma rádio em Toronto chamada CFNY-FM, que era a última totalmente livre na América do Norte no fim dos anos 70 e que tocava todo tipo de coisa estranha. O slogan dela era 'The Spirit Of Radio' [O Espírito do Rádio], justificando sua dedicação. Nossa música foi inspirada na idéia de como uma rádio pode ser especial quando é representada por pessoas 'reais', e não por top 10 e estatísticas. Ao invés de se tornar um pouco mais formatada ao longo dos anos (apesar de 'há tanto tempo'), ela continua sendo a rádio 'alternativa' do local". (Neil Peart, Backstage Club Newsletter - Janeiro de 1988).

Na última estrofe de "Spirit of Radio", Peart faz um interessante jogo de palavras baseado em uma frase retirada da canção "The Sound of Silence", escrita pelo cantor e compositor Paul Simon e interpretada por ele e Art Garfunkel (disco "Wednesday Morning", de 1964). Enquanto "Sound of Silence" traz o verso "For the words of the prophets were written on the subway hall" ["As palavras dos profetas estão escritas nas paredes do metrô"] Peart, expondo uma crítica ao lado mercenário da indústria musical, escreve em "The Spirit of Radio:" "The words of the profits are written on the studio walls" ["As palavras dos lucros estão escritas nas paredes do estúdio"].

"Aqui é onde entra o senso de humor. Estava sentado pensando numa conclusão para a música e a paródia veio à minha mente. E pensei, 'Bem, ou é muito estúpido ou é muito bom'. Mas tudo o que ela diz é: vendedores são como artistas, mas eles não têm vez para opinar sobre o que devemos tocar no palco e também não têm vez para opinar sobre o que devemos gravar... nada mais são do que vendedores de carros". (Neil Peart, Revista Creem - 1982).

02 - TIME STAND STILL
Álbum "Hold Your Fire" (1987)

Escrita originalmente em 1987 para o álbum "Hold Your Fire", a bonita e instigante "Time Stand Still" retorna aos shows do Rush depois de 16 anos, dando início de fato a 'viagem' proposta na Time Machine Tour. A canção trata sobre a passagem do tempo e sobre nossa impotência em detê-lo. A partir desse tema, Neil Peart revelava naquele momento o desejo dos músicos em se concentrarem menos em suas carreiras e mais em suas vidas pessoais.

"Nossas vidas voavam durante a década de 70. Passávamos tanto tempo na estrada que viver se tornava um túnel escuro. Num certo momento, você começa a pensar nas pessoas que está negligenciando, seus amigos e familiares. Dessa forma, a canção é sobre parar para realmente desfrutar tudo isso, advertindo contra a ação de só olhar para trás. Ao invés de se tornar um nostálgico olhando para o passado, Time Stand Still é, na verdade, um fundamento para o presente". (Neil Peart , Boston Globe - 19 de novembro de 1987).

Alex Lifeson: "Time Stand Still é uma canção muito pessoal sobre as experiências escapulindo. Um dia você percebe que sua vida passou. Momentos e experiências na vida passam é difícil recapturar esses sentimentos".

"Time Stand Still" marcava a primeira e única vez na qual o Rush apresenta linhas vocais de outro artista em suas músicas. A canção traz a voz da cantora norte-americana Aimee Mann, ex-vocalista da banda 'Til Tuesday (conhecida pelo sucesso "Voices Carry"). No primeiro momento encarados com estranheza, hoje os vocais de Aimee em "Time Stand Still" se tornaram lendários na carreira da banda, acrescentando substância e complementando ainda mais o novo tipo de som e direção que o Rush procurava naquele momento.

De acordo com Geddy Lee, os integrantes do Rush queriam um vocal bem diferente nesses trechos:

"Sabíamos que o trecho que ela canta era feminino. Não queríamos utilizar teclados ou eu ou Alex cantando, então começamos a procurar uma cantora. Foi uma oportunidade muito atrativa para nós trabalhar com uma voz feminina. Procuramos até encontrar uma que fosse adequada. Ao ouvir o último disco da Aimee, adoramos sua forma de cantar, então fomos conversar com ela".

03 - PRESTO
Álbum "Presto" (1989)

"Presto", lançada originalmente em 1989 no álbum de mesmo nome, é uma linda canção de letra envolvente que combina trechos acústicos e elementos funky que desembocam numa obra elétrica de atmosfera incrivelmente tocante e fascinante. "Presto" é, certamente, uma das grandes músicas do power-trio canadense que ainda não havia sido apresentada ao vivo, surgindo como uma belíssima surpresa na turnê Time Machine 2010.

Peart traz uma temática bastante emocional nessa canção. A letra se traduz em possibilidades, onde o letrista se imagina tendo o poder de resolver todos os problemas do mundo com um simples balançar de uma varinha mágica. Há um apelo de sensações bastante forte em "Presto", sempre marcada por uma atmosfera de magia traduzida nas mais variadas situações como, por exemplo, um "vôo noturno em um avião num céu estrelado", um "encontro numa noite fria de inverno" ou um "mergulho num lago gelado". Porém, dentro dessa temática, Peart sempre se lembra de dizer não ser possível realizar tais mudanças, mas que em alguns pequenos momentos confessa imaginar o que poderia fazer ou modificar se tivesse tal poder.

Curiosamente, a palavra 'Presto' quase foi utilizada pelo Rush em um trabalho anterior. De acordo com Geddy Lee (em entrevista ao programa Rockline em dezembro de 1989), 'Presto' seria o título do álbum ao vivo mais recente até então, o famoso "A Show Of Hands". Mesmo após esse lançamento (ocorrido em 1988), o título ainda continuava entre eles, e a banda decidiu por fim nomear dessa forma seu próximo álbum de estúdio. Ao mesmo tempo, Neil começava a trabalhar numa canção de mesmo nome.

Alex Lifeson, sobre o álbum: "Com Presto, decidimos que a guitarra iria desempenhar um papel mais preponderante novamente e que os teclados ficariam em segundo plano, pois percebemos que o núcleo da banda é guitarra, baixo e bateria e que esses elementos são os mais importantes e os que realmente merecem ser desenvolvidos".

04 - STICK IT OUT
Álbum "Counterparts" (1993)

"Stick It Out", de volta aos shows do Rush depois de 13 anos (executada ao vivo pela última vez na "Test For Echo" Tour em 1996-1997), foi lançada originalmente em 1993 no álbum "Counterparts". "Stick It Out" é uma forte canção rock que foi relativamente popular no Brasil. Seu vídeo clipe foi bastante difundido na época (ao lado de "Nobody's Hero", outra canção do mesmo álbum), onde nos deparávamos freqüentemente com a banda canadense em grande forma em muitos canais televisivos, principalmente na MTV. "Stick It Out" chegou a alcançar naquele ano o topo da Hot Mainstream Rock Tracks, ranking da Billboard que sempre traz as canções mais tocadas nas rádios.

A letra de "Stick It Out" fala basicamente sobre resistência e reação. Neil Peart, sempre preciso em suas investidas líricas, mais uma vez nos faz sentir um turbilhão de sensações propondo aqui mais uma exaltação em torno da individualidade do ser humano, bem precioso do qual o baterista não abre mão. Peart diz que devemos confiar em nossos instintos, defendendo nossos posicionamentos sem fazer consessões no que tange nossas reações naturais em meio a uma realidade de mentiras e intrigas, colocando para fora tudo que realmente sentimos, evitando assim nossa própria destruição.

"Na verdade foi apenas uma brincadeira com palavras. 'Stick It Out' significa tanto mostrar arrogância, "Spit It Out", quanto resistência, "Stick It Out". Se você tem algo difícil de suportar, coloque pra fora e chegue ao fim. Foi um trocadilho com essas duas, realmente a dualidade na canção é inclinada em ambos os sentidos. Trata-se do sentimento de tolerância, de agüentar, e também a idéia de fortaleza: colocar pra fora, você sabe, sobreviver. Mas foi mais diversão, tanto liricamente quanto musicalmente, beirando uma paródia. Acho que foi aqui onde nós apenas queríamos nos divertir, e certamente fiz isso liricamente. 'Colocar pra Fora' e 'Cuspir' foi apenas um jogo de palavras". (Neil Peart, Counterparts World Radio Premiere).

"Como eu poderia abordar essa música corretamente e ainda dar o toque de elegância que queria que essa canção riff-rock tivesse? Não queria que fosse do mesmo tipo das que você ouve numa rádio rock. Dessa forma, comecei a trazer influências do fusion e também latinas. Há um verso onde trouxe um efeito tipo "Weather Report" (N. do T. - Banda de Jazz). Usei algumas viradas complicadas nos pratos, do primeiro ao último tempo do compasso - qualquer coisa que eu mesmo pudesse pensar em fazer. Essa canção beira à paródia para nós, então tivemos que andar numa linha tênue. Respondemos ao poder do riff, mas ainda assim encontramos algumas maneiras de torcê-la, fazendo algo a mais". (Neil Peart, Revista Modern Drummer - Fevereiro de 1994).

O single promocional "Stick it Out" foi lançado em 1993, trazendo na capa uma imagem representando a famosa fábula 'A Lebre e a Tartaruga', atribuída ao lendário autor grego Esopo. Na estória, a tartaruga vence a lebre em uma corrida. A lebre, tão certa da vitória, pára para descansar adromecendo na estrada, enquanto a tartaruga segue o trajeto e vence o desafio.

05 - WORKIN' THEM ANGELS
Álbum "Snakes & Arrows" (2007)

"Workin' Them Angels" foi lançada originalmente em 2007 no álbum "Snakes & Arrows", trabalho de estúdio do Rush mais recente até então. Trata-se de uma bonita canção com alguns elementos folk e progressivos, onde Alex Lifeson traz inclusive a utilização de um bandolin.

A letra de "Workin' The Angels" refere-se às aventuras e momentos audaciosos de Neil Peart em suas conhecidas viagens, fatos que são sempre mencionados por ele em seus livros. Em 'Masked Rider' (1996) por exemplo, o baterista fala sobre andar de bicicleta "mais rápido do que a velocidade segura, descendo uma colina na África Ocidental". Já em 'Ghost Rider' (2002) e 'Roadshow' (2006), há passagens onde Peart relata ter pilotado sua moto em alta velocidade até mesmo em intenso tráfego.

O título da canção foi inspirado em um dos capítulos do livro 'Traveling Music : The Soundtrack to My Life and Times', escrito pelo baterista em 2004. Em 'Workin' Them Angels Overtime', Peart explica que, em uma de suas viagens, ouviu certa vez uma conversa entre um casal de negros idosos que tinha acabado de sair da estrada. A esposa discutia com o marido por conta do mesmo dirigir como um louco, dizendo que ele estava "dando trabalho aos anjos", ou seja, abusando da própria sorte.

"Geddy adpatou "Workin' Them Angels" de um dos versos do meu livro Travelling Music, que fechou aquele círculo muito bem".

Conforme mencionado na letra de "Workin' Them Angels", 'Range Of Light' é o apelido dado pelo naturalista e escritor norte-americano John Muir para a cordilheira Sierra Nevada, presente na maior parte do leste do estado da Califórnia (EUA).

A arte para "Workin' Them Angels", presente no encarte de "Snakes & Arrows", foi criada pelo artista gráfico Hugh Syme com o apoio do Museu de Fotografia George Eastman. O trabalho foi baseado na imagem 'Powerhouse Mechanic Working on Steam Pump', realizada pelo fotógrafo Lewis Hine em 1920, na qual a ilustração é baseada.

6 - LEAVE THAT THING ALONE!
Álbum "Counterparts" (1993)

"Leave That Thing Alone!" é uma canção instrumental originalmente lançada no álbum "Counterparts", de 1993. Foi indicada ao Grammy de 1994 como Melhor Performance Instrumental no Rock (terceira indicação na carreira do Rush ao prêmio), porém a vencedora naquela edição foi "Marooned", do Pink Floyd (álbum "The Division Bell" - 1994).

Como uma continuação para a anterior "Where's My Thing?", instrumental presente no álbum "Roll The Bones" (1991), o Rush traz outra canção fantástica, um trabalho repleto de técnica e que, ao mesmo tempo, soa bastante acessível ao ouvinte. Trata-se de uma música em grande parte direcionada pela guitarra, embora o baixo e bateria assumam também papéis de destaque certos momentos. É impossível não 'viajar' com "Leave That Thing", essa que é, sem dúvida alguma, uma belíssima vitrine do rock.

07 - FAITHLESS
Álbum "Snakes & Arrows" (2007)

"Faithless" é mais uma surpresa na Time Machine Tour. A canção foi lançada originalmente no mais recente álbum de estúdio do power-trio canadense, "Snakes & Arrows" (2007), porém não havia ainda sido executada ao vivo pela banda. O Rush inicia aqui uma pequena sessão de três canções na Time Machine Tour que praticamente se completam em seus argumentos: "Faithless", "BU2B" e "Freewill".

Alex Lifeson comentou em entrevista que os integrantes do Rush chegaram a cogitar "Faithless" para a segunda perna última turnê (ocorrida em 2008), porém desistiram da idéia optando pela volta de clássicos ao setlist como "The Trees" e "2112 Overture / Temples of Syrnix".

"Faithless", em meio a obra do Rush, é uma música relativamente simples, porém muito rica em detalhes que fazem dela um dos pontos altos de "Snakes & Arrows". A canção traz uma bela mix de partes calmas e rápidas e uma grande melodia coroada por um penetrante solo de Alex Lifeson. "Faithless" funciona quase como um hino, graças à alguns truques de produção que incluem o uso de um Mellotron (famoso teclado bastante utilizado nas décadas de 60 e 70) e também de violinos, oferecidos pelo compositor e multi-instrumentista canadense Ben Mink. Mink, amigo de longa data da banda, já havia participado anteriormente da canção "Losing It" (presente no álbum Signals, de 1982), além de ter marcado presença no álbum solo de Geddy Lee, "My Favorite Headache", lançado em 2000.

Neil Peart traz em "Faithless" alguns posicionamentos sobre fé e religião, tendo como grande influência o best-seller "Deus, Um Delírio", do biólogo britânico Richard Dawkins:

"Todas as religiões bem-armadas começam pelas crianças. A criança cristã, a criança muçulmana - isso não existe na verdade. Elas foram feitas dessa forma por seus pais. Faithless nasceu da mesma reflexão. Fé, para algumas pessoas, pode ser um consolo, uma resposta para as grandes questões ou amparo nos momentos de dor e solidão. É uma espécie de armadura. Mas a fé ruim funciona como uma espada". (Neil Peart, Globe And Mail - Abril de 2007).

"Em outubro de 2006 tínhamos onze músicas prontas em estado bruto, e os temas das letras eram evidentes. Pensamentos sobre espiritualidade e fé foram montados em diversas delas: "Whirlwind life of faith and betrayal" (Vida redemoinho de fé e traição), como sugerido em "Far Cry", e depois também expressada em "Armor and Sword", "The Way the Wind Blows" e "Faithless". (Neil Peart, Snakes & Arrows Tourbook)

Em "Faithless", temos como afirmação central de Peart pensamentos que dizem respeito à conduta moral. O baterista afirma que não é preciso que religiões ou crenças ditem a maneira de ser do homem, chamando a atenção para o fato de que nós mesmos temos capacidade e poder para avaliar se nossas escolhas estão nos prejudicando ou não.

Em 2008, Geddy Lee afirmou no programa Rockline que se sente intimamente relacionado com a letra de "Faithless".

8 - BU2B
Álbum "Clockwork Angels" (2011)

"BU2B" ("Brought Up To Believe") é uma nova canção do Rush que está sendo apresentada na turnê Time Machine. Ela fará parte do décimo nono álbum de estúdio da banda, previamente entitulado "Clockwork Angels", que tem lançamento previsto para 2011. "BU2B" foi lançada como single em 01 de junho de 2010 e o Rush vem executando a canção ao vivo em sua nova turnê, retornando a um formato que há muitos anos não era realizado por eles: o de apresentar canções novas avulsas antes do lançamento oficial do álbum.

"Estamos numa espécie de projeto de dois anos. Estamos compondo algumas canções agora, finalizando duas delas. Pensamos em tocar algumas dessas músicas ainda desconhecidas numa tour durante o próximo verão, trazendo de volta também canções antigas. Depois disso, voltaríamos novamente ao estúdio, para finalizar o álbum e ver o impacto disso". (Alex Lifeson, Toronto Globe and Mail - Março de 2010).

De acordo com Neil Peart no tourbook Time Machine, "Brought Up To Believe" foi abreviada para "BU2B" após Geddy e Alex acharem que o título original soava muito pesado. Dessa forma, o letrista achou apropriado abreviá-lo "conforme ocorre em redes sociais modernas".

"BU2B" traz um começo bastante sombrio, talvez um dos inícios mais pesados tem termos instrumentais realizados pelo Rush nos últimos tempos. A canção traz inicialmente um riff trovejante e moderno de Lifeson, acompanhado de uma percussão feroz oferecida por Peart e vocais grandiosos de Lee. Em apenas quatro minutos e meio a banda consegue destilar mais uma grande canção em sua grande carreira, onde os momentos obscuros iniciais acabam dando lugar a uma atmosfera bastante empolgante que lembra em muito os velhos tempos do Rush, especialmente nos anos 80 - sintetizadores de volta, guitarras certeiras e precisão estonteante nas percussões.

Peart propõe na letra de "BU2B" uma crítica clara à conformidade cega que denota uma espécie de continuação para a anterior "Faithless". O baterista trata sobre convicções adquiridas através de influências externas ao longo da vida, estas em sua grande maioria repassadas por tradições que nos fazem deixar de lado uma análise verdadeiramente pessoal. Passamos a entender as grandes questões sobre a existência negando nossa natureza lógica, satisfazendo de certa forma nosso entendimento sobre o cenário que nos cerca.

"BU2B" refere-se de certa forma à "Analogia do Relojoeiro", argumento teológico sobe a existência de Deus que afirma que um projeto implica a existência de um arquiteto. Esse argumento foi incialmente proposto pelo orador romano Cícero (106 - 43 a.C.) em seu diálogo filosófico "De Natura Deorum" ("Sobre a Natureza dos Deuses"), se tornando famoso por fim na obra de 1802 "Natural Theology", do teólogo e filósofo britânico William Paley. No entanto, o ponto de vista do Rush é inspirado mais uma vez numa obra do cientista Richard Dawkins: "The Blind Watchmaker" ("O Relojoeiro Cego"), de 1986. Na escolha do título do seu livro, Dawkins faz referência à assertiva de Paley sobre a idéia da Teologia Natural conhecida como a "Analogia do Relojoeiro", onde Paley argumentava cinqüenta anos antes da publicação de "A Origem das Espécies" por Charles Darwin que a complexidade de organismos vivos era uma evidência da existência de um criador, fazendo uma analogia ao fato de que a existência de um relógio leva a acreditar na existência de um relojoeiro. Dawkins contrasta a diferença entre o projeto humano com seu potencial para planejar e o trabalho da seleção natural, surgindo daí o título "Relojoeiro Cego".

9 - FREEWILL
Álbum "Permanent Waves" (1980)

"Freewill", grande obra do Rush originalmente lançada no álbum "Permanent Waves" (1980), finaliza o bloco de três canções com temáticas semelhantes iniciado com "Faithless" e "BU2B" para a turnê Time Machine. Mudanças de tempo exuberantes e letras poderosas fazem desta um grande clássico, uma das músicas mais importantes da carreira dos canadenses.

Dentro de um som à primeira vista acessível, nos deparamos com uma evolução musical inimaginável e com Neil Peart começando a revelar suas grandes lições filosóficas e seus pensamentos através de profundas meditações que sempre foram marcantes em seu trabalho como letrista. No caso de "Freewill", o baterista busca ponderar sobre o fato de que, definitivamente, todas as decisões em nossas vidas têm ramificações.

A tradução de "Freewill" é Livre-Arbítrio, crença ou doutrina filosófica que defende que o indivíduo tem o poder de escolha sobre suas ações. Essa expressão costuma ter conotações objetivistas e subjetivistas. No primeiro caso, indica que a realização de uma ação por um agente não é completamente condicionada por fatores antecedentes. No segundo caso afirma que a percepção do agente é que sua ação originou-se simplesmente por sua vontade. Tal percepção é chamada algumas vezes de "experiência da liberdade".

A existência do livre-arbítrio tem sido uma questão central na história da filosofia e na história da ciência, trazendo implicações religiosas, morais, psicológicas e científicas. No domínio religioso, o livre-arbítrio pode implicar que uma divindade onipotente não imponha seu poder sobre a vontade e as escolhas individuais. Em ética, o livre-arbítrio implica que os indivíduos possam ser considerados moralmente responsáveis por suas ações. Já em psicologia, indica que a mente controla certas ações do corpo.

Geddy Lee, para o Rockline: "Essa música fala basicamente sobre liberdade de escolha e sobre o livre arbítrio; sobre o que você acredita".

Há em "Freewill" uma pequena referência ao poema épico "A Odisseia", de Homero, mas que ilustra bem as intenções da mensagem proposta nesse tema. No trecho "There are those who think that they were dealt a losing hand, the cards were stacked against them - they weren't born in Lotusland" ["Há aqueles que acham que lhes foi dada uma mão ruim, que as cartas foram embaralhadas contra eles - eles não nasceram na Terra dos Comedores de Lótus"], Neil cita a Lotusland, uma ilha da Mitologia Grega localizada próxima ao norte da África que era habitada por tribos de Lotófagos. O nome dos nativos advém do curioso hábito deles se alimentarem das flores e frutos da Lótus, planta existente no local em grande quantidade. Naturais da África e do Sudeste asiático, as Lótus produzem efeitos narcóticos, o que causava apreciação aos habitantes da ilha.

O herói Odisseu e sua tripulação chegaram a Lotusland depois de terem enfrentado tempestades terríveis em sua jornada. Após desembarcaram na terra dos Cícones na Trácia, de onde foram expulsos, ele e seus companheiros foram surpreendidos por grandes ventanias, que acabaram por alterar o curso de seus navios levando-os para a terra dos Lotófagos. Após a chegada, Odisseu teve que arrancar à força sua tripulação do local, porque todos acabaram viciados na flor-de-lótus, o que causava neles esquecimento e falta de vontade de voltar ao mar.

Neil Peart: "Lotus-land aparece em 'Freewill' simplesmente como uma metáfora para uma paisagem de fundo idealizada, uma 'terra de leite e mel'. Ela é às vezes utilizada também como nome pejorativo para Los Angeles, apesar de isto não estar na minha mente quando escrevi".

Curiosamente, um dos versos mais clássicos da canção "If you choose not to decide you still have made a choice" ["Se você escolher não decidir, ainda terá feito uma escolha"] foi originalmente escrito "If you choose not to decide you cannot have made a choice" ["Se você escolher não decidir, você não pode ter feito uma escolha"]. Felizmente, Neil modificou esse seguimento na última hora, buscando mais sentido para o contexto e corroborando com suas intenções neste trabalho.

Freewill traz mudanças de compasso bastante estranhas e surpreendentes. Estes compassos alternam em 6/4, 7/4, 6/4, 7/4, 6/4 e 8/4, repetindo durante a primeira estrofe. O refrão e a ponte são em 4/4 e, quando a estrofe retorna, ela se alterna entre 4/4, 4/4, 4/4 e 3/4, repetindo-se por muitas vezes.

Alex Lifeson afirmou que gosta muito do solo da canção porque é "muito difícil de tocar", o que o deixa orgulhoso. "É frenético e excitante, e na parte rítmica também Geddy e Neil estão por todo o lugar. Este foi provavelmente o trecho da música em que o solo é um dos mais ambiciosos que o Rush já produziu. De um certo modo todos solam ao mesmo tempo. Quando gravamos, eu não tinha nada planejado, apenas respondi ao que os outros dois fizeram. Eu estava apenas tentando me manter, mas achoq ue por fim funcionou muito bem. Fico sempre muito feliz com esse trabalho, e olha que geralmente encontro falhas em tudo que faço". (MusicRadar.com)

10 - MARATHON
Álbum "Power Windows" (1985)

Lançada originalmente em 1985 no álbum "Power Windows", "Marathon" é uma das músicas mais admiráveis da carreira do Rush nos anos 80. Longe dos palcos desde 1990, "Marathon" é marcada por grande complexidade em sua estrutura instrumental, emanando sempre uma energia incrivelmente contagiante que faz desta um dos grandes trabalhos presentes no catálogo do grande power-trio canadense.

"Marathon" apresenta uma sessão rítimica extremanente criativa e incomum, onde os três integrantes, esbanjando técnica, rapidez e habilidade exuberantes, nos oferecem mais uma grandiosa canção. Neil se mostra extremamente exímio em suas viradas inesperadas, além de oferecer também marcações em tempos complexos cada vez mais desafiadoras. Geddy traz em seu baixo e vocais (pela primeira vez com overdubs) uma combinação simultânea dificílima para qualquer ser humano comum. Já Alex nos faz flutuar com suas guitarras cheias de emoção e repletas de sentimento e significado, nos transportando diretamente para a maratona proposta como tema da canção.

Apesar de toda sofisticação da canção, os membros do Rush afirmam que o processo de gravação de "Marathon" foi bastante tranqüilo para os padrões da banda:

"É engraçado. Há sempre uma música que você tem medo de fazer. Você acha que vai ser muito difícil, e com Marathon dessa forma. Quando a compomos pensamos, 'Essa canção vai ser como arrancar um dente quando formos para o estúdio'. Obviamente, fomos para o estúdio e acabou sendo bem tranqüila. (...) O solo de Marathon foi provavelmente o mais fácil de todos que fiz". (Alex Lifeson, Guitar Player - Abril de 1986).

Como o nome já diz, Neil Peart traz na letra de "Marathon" uma temática sobre realmente correr uma maratona. Com resistência, força, desejos e direção o atleta poderá certamente vencer a corrida que disputa. Na verdade, "Marathon" traz uma profunda reflexão sobre os triunfos que se pode alcançar na vida. Toda a energia da canção faz o ouvinte realmente levantar seu espírito - especialmente com seu caráter positivo e otimista.

Neil Peart (Canadian Composer, Abril de 1986): "Marathon é sobre o triunfo do tempo e uma espécie de mensagem para mim (porque acho que a vida é muito curta para todas as coisas que quero fazer). Há ali uma alto-advertência dizendo que a vida é longa o bastante. Você pode fazer muitas coisas - apenas deve tomar cuidado para não se queimar querendo fazer todas de uma vez. "Marathon" é uma canção sobre objetivos individuais e a busca por alcançá-los. É também sobre um provérbio chinês: 'Uma jornada de mil milhas começa com o primeiro passo. (Lao-Tse)".

11 - SUBDIVISIONS
Álbum "Signals" (1982)

Encerrando a primeira parte do setlist da Time Machine Tour, temos a grande "Subdivisions". Lançada originalmente em 1982 no álbum "Signals", "Subdivisions" tornou-se uma das canções mais populares na carreira do Rush. Depois de estar presente nas útimas turnês "R30: 30th Anniversary" (2004) e "Snakes & Arrows" (2007 e 2008), a canção está de volta mais uma vez, compondo agora os shows da mais nova digressão do Rush.

Para iniciarmos a reunião de informações sobre "Subdivisions", nada melhor do que começar disponibilizando as declarações do próprio Neil Peart feitas na época de seu lançamento, extraídas do tourbook da "New World Tour", de 1983:

"Estávamos de saco cheio da inatividade. Durante a mixagem de "Exit... Stage Left", não havia muito para fazer, exceto dizer "isso soa bem" ou "isso não está legal". Estava trabalhando no pequeno estúdio, limpando e restaurando um velho kit de bateria da Hayman que estava encostado (...). Trabalhei algumas letras durante uns dias e "Subdivisions" veio à tona, sendo uma exploração do passado de cada um de nós (e provavelmente da maioria de nosso público)".

"Numa tarde, enquanto polia meu carro, Alex e Ged voltaram do pequeno estúdio, armando um toca-fitas portátil na garagem para tocar pra mim as idéias musicais que tiveram. "É um tanto estranho, né? Me deixe ouvir de novo". Prestei bastante atenção, pegando as variações em 7/8 e 3/4 e percebendo o papel da guitarra na seção rítimica, enquanto os teclados assumiam a melodia retornando ao baixo com a guitarra principal no refrão e o mini-moog voltando para a ponte instrumental. "Achei boa". Eles sorriram".


"É uma canção muito incomum em termos líricos e musicais, mas na qual conseguimos trabalhar. Foi composta num momento em que não estávamos trabalhando por assim dizer. Estávamos mixando um álbum ao vivo e começamos a brincar escrevendo uma nova canção, pra nos divertir. Ela é muito séria em sua estrutura musical, talvez uma das mais complicadas que tivemos em termos de arranjos e percussão. É bastante difícil de se tocar e, por isso, ainda gosto dela, mesmo quase 30 anos depois. É um bom testamento". (Neil Peart, Jam Music - 2010)

"Subdivisions" acabou se tornando uma espécie de grito de guerra solitário nas salas de aula e shopping centers. Com sua percussão forte e seu som pesado de sintetizadores (algo cada vez mais comum no Rush na época), "Subdivisions" definitivamente preparava o palco para a música do power-trio nos anos 80. Trata-se de uma canção onde Neil Peart descreve de maneira precisa a sensação de isolamento, tédio, ponderando sobre o afastamento e julgamento de pessoas por conta de grupos fechados e exclusão. A canção afirma que, quando uma pessoa não se enquadra num determinado padrão pré-estabelecido, geralmente é evitada.

Após grande quantidade de hitórias e aventuras dos tempos de criança, Peart passou a desenvolver grande paixão por fantasia e obras de ficção científica, algo amplamente utilizado nos álbuns iniciais da carreira do Rush (anos 70). Esse fato acabou lhe proporcionando um elemento de escapismo da realidade cruel da vida cotidiana dos subúrbios, esta que ele abordava enfim, descrevendo como "uma exploração do segundo plano a partir da qual todos nós (e provavelmente a maioria de nosso público) vêm surgindo".

Apesar do fato de se tratar de formações de grupos e exclusão de pessoas, o termo 'subdivisões' vem da separação de parcelas maiores de terra em parcelas menores, como é feito no caso de imóveis urbanos. Os bairros periféricos que ocupam as bordas externas das cidades apresentam suas próprias escolas e, muitas das vezes, seus próprios shopping centers.

O vídeo clipe para "Subdivisions" tornou-se um dos mais admirados pelos fãs da banda, pois retrata perfeitamente as intenções do Rush na canção. Todas as cenas foram filmadas na cidade de Toronto, Canadá, ocorrendo trechos que mostram o grande centro e também o subúrbio de Scarborough, localizado em Ontário. As cenas escolares se passam no L'Amoreaux Collegiate Institute (também localizado em Scarborough) e o aluno que aparece no vídeo é Dave Glover, um estudante local. Nos trechos finais, Dave aparece jogando compulsivamente o game Tempest, grande sucesso lançado pela Atari no ano de 1981. As cenas noturnas foram filmadas na Yonge Street (ou Highway 11), rua bastante movimentada localizada em Ontário. Em alguns momentos podemos notar os letreiros luminosos da Sam the Record Man, famosa loja de discos daquele país. A Sam fechou suas portas em 2007, tendo sido vendida para uma universidade. Por muitas décadas os dois discos gigantes em neon que giravam na fachada da loja serviam como um verdadeiro símbolo para os amantes da música na Yonge Street.

Por muito tempo acreditou-se ser de Mark Dailey (locutor de uma estação de TV de Toronto chamada City-TV) a voz misteriosa que diz "Subdivisions" no começo do refrão da canção. Porém, aparentemente, foi Peart que realmente gravou a voz, pois Dailey sempre diz em todas as entrevistas quado perguntado sobre o assunto que não se lembra de ter emprestado sua voz. As vozes dele e Peart são bastante parecidas.


>>> SEGUNDO SET

Abrindo o segundo set da Time Machine Tour, temos a aguardada execução na íntegra do antológico álbum "Moving Pictures", lançado pelo Rush no ano de 1981. "Moving Pictures" é, certamente, o trabalho mais aclamado na carreira do power-trio canadense, trazendo canções poderosas e atemporais que compõem uma verdadeira obra-prima lírica e musical. Não há talvez melhor exemplo da intensidade, qualidade e força que exprima a música produzida pelo Rush que não seja o álbum "Moving Pictures". Um incrível trabalho de rock progressivo apontado para o futuro e que, merecidamente, recebe uma grande homenagem na atual turnê.

01 - TOM SAWYER
Álbum "Moving Pictures" (1981)

A primeira canção de "Moving Pictures" é certamente o som mais popular do Rush em toda sua carreira: a rebelde e pulsante "Tom Sawyer". Essa música se tornou bastante conhecida no Brasil por ter sido trilha de abertura da famosa série de TV Profissão Perigo, veiculada especialmente nos anos 80 e que trazia o personagem MacGyver, um agente secreto que não usava armas e resolvia enrrascadas graças a conhecimentos científicos, engenhocas e um canivete.

"Tom Sawyer" traz, a partir de suas linhas de baixo e bateria característicos e riffs de guitarra marcantes, uma prova de como uma canção pode permanecer nova aos ouvidos tanto quanto surgiu pela primeira vez, há quase 30 anos.

As letras da canção são vagamente baseadas no personagem que o escritor norte-americano Mark Twain (1835 - 1910) criou em seu primeiro romance, "As Aventuras de Tom Sawyer", de 1876. No livro, Tom é um garoto inquieto que vive numa pequena cidade do Missouri, sul dos Estados Unidos. Certa noite, ele e seu amigo Huckleberry Finn testemunham um crime brutal no cemitério local. Os meninos fogem apavorados e juram nunca revelar a identidade do assassino, pois temem pela própria vida. No entanto a culpa recai sobre um inocente, e Tom e Huck são os únicos que podem evitar a injustiça livrando o acusado da forca. Paralelamente a esse dilema, os dois jovens vivem incríveis aventuras em busca de um tesouro perdido.

Devido a mudanças culturais e sociais ao longo dos anos, algumas cópias do livro foram editadas em escolas públicas do país, removendo certas partes consideradas 'ofensivas'.

Com essa referência ao personagem fictício de Twain, a canção do Rush traz um comentário abstrato sobre um "guerreiro dos dias modernos", de pensamentos livres. Pye Dubois, letrista da banda Max Webster (que acompanhava o Rush abrindo seus shows desde a "Caress of Steel" Tour), colaborou em sua composição. "Tom Sawyer" se chamava, a princípio, "Louis The Warrior".

Neil Peart, em 1985: "Tom Sawyer foi uma colaboração entre eu e Pye Dubois, um excelente letrista que preparava letras para a banda Max Webster. A composição trazia um retrato de um rebelde dos dias modernos que pairava sobre o mundo, com ampla visão e senso de propósito. Acrescentei os temas sobre reconciliar o garoto e o homem dentro de mim e também a diferença entre o que as pessoas realmente são e o que os outros apenas percebem que elas sejam".

"Tom Sawyer foi co-escrita com Pye, e realmente gosto do estilo dele escrever. Suas frases são quase que inescrutáveis para mim às vezes, assim como acho que sejam para outras pessoas também. Mas, ao mesmo tempo, há um certo poder em suas imagens e escrita. Há também uma estranha simbiose que parece afetar as canções; quando Pye estava envolvido em Tom Sawyer, ele a havia feito um pouco diferente musicalmente, percolando-a através de mim. Eu pegava as idéias dele, acrescentava as minhas e as estruturava como uma canção do Rush, e então as passava para os outros integrantes. Mesmo através desta corrente de eventos, de alguma forma, houve essa influência externa que foi boa para nós, então sempre deixávamos a porta aberta para as idéias dele. Sempre que ele tinha idéias, ele me mostrava, normalmente rabiscada num caderno de exercícios. E, neste caso, foi uma daquelas vezes em que todos respondemos a algumas das imagens em sua apresentação. Então fui trabalhar nela, moldei-a no tipo de estrutura que gostamos, adcionando algumas de minhas próprias imagens e ângulos. E assim foi".

"Há normalmente uma ou duas músicas com as quais se briga com unhas e dentes. 'Tom Sawyer' foi uma delas e, até o final, foi uma verdadeira luta. Tudo que fizemos nela foi como que arrancar um dente. Alex testou centenas de sons diferentes para o solo de guitarra. Há sempre uma música que te assombra e te deixa maluco". (Geddy Lee, Classic Rock - Outubro de 2004).

02 - RED BARCHETTA
Álbum "Moving Pictures" (1981)

Continuando a execução de "Moving Pictures", temos a segunda canção do álbum, "Red Barchetta", talvez uma das melhores músicas da banda para se ouvir dirigindo. Temos aqui o Rush clássico em sua melhor forma, trazendo para o mundo uma ótima história a ser contada, uma obra excelente e eterna.

"Red Barchetta" é uma canção progressiva intensa que inicia-se de forma bem tranqüila, apresentando um trabalho simples de baixo e guitarra que dá a tônica da época - início dos anos 80. Logo em seguida é notável sua transformação, sendo tomada aos poucos por toda complexidade e sensibilidade que fazem parte da carreira do Rush. "Red Barchetta" traz fortíssimas características cinematográficas, envolvendo o ouvinte em sua trama automobilística cheia de senso de liberdade e juventude. É praticamente impossível não sentir arrepios ao ouvir os vocais perfeitos de Geddy em versos como "Well-weathered leather, hot metal and oil, the scented country air. Sunlight on chrome, the blur on the landscape, every nerve aware" ["Couro envelhecido, metal quente e óleo, os bons ares do interior. Brilho do Sol no cromo, a paisagem embaçada, todos os nervos a postos"].

A letra foi inspirada no conto A Nice Morning Drive (verifique o arquivo em PDF do material original clicando no título) escrito por Richard S. Foster no ano de 1973. O carro que inspirou o titulo da música é uma Ferrari 166 MM Barchetta, inserida numa história futurista sobre um fazendeiro que mantém um dessas guardada em seu celeiro, mesmo depois dos motores terem sido considerados ilegais pelo governo ("Before the Motor Law"). Seu jovem sobrinho, chegando na fazenda, pega o carro para uma volta e acaba sendo perseguido por um veículo movido a ar de aspecto reluzente, que presume-se ser a polícia. Durante a fuga, um outro veículo também se junta à eles na corrida. O herói dispara e, burlando a lei, consegue escapar, deixando os dois adversários encalhados num rio. Logo retorna ao celeiro, escondendo o carro para encontrar novamente com seu tio, indo sonhar com o mesmo ao lado da lareira.

Capa da revista Road & Track de novembro de 1973 que trouxe a inspiração para a canção Red Barchetta: o conto A Nice Morning Drive, de Richard S. Foster Ilustração original de A Nice Morning Drive Neil Peart e Richard S. Foster em 2007

"Essa foi a intenção em Red Barchetta – criar uma canção que fosse bem vívida, para que você pudesse sentir tudo aquilo caso parasse para escutar e prestar atenção na letra, nas ações. Ela se torna um filme. Acho que a música funcionou muito bem; foi bem-sucedida nessa intenção. É algo que vamos tentar continuar – nos tornando um pouco mais visuais com nossa música. Essa em particular foi muito satisfatória, sempre foi uma das minhas favoritas. Provavelmente minha favorita do álbum. Gosto de como as partes dela se costuram, gosto das mudanças. Gosto da melodia da canção. Adoro a dinâmica dela: a maneira como abre com os harmônicos, criando toda aquela atmosfera, passando para a seção do meio onde grita bastante, na qual você se sente num carro aberto, com a música sempre muito vibrante e tocante. E então termina como começou, com aqueles ares tranqüilos que lhe devolvem ao chão levemente. A canção te apanha para a coisa toda e te deixa no próximo ponto". (Alex Lifeson, "In The Studio" - Moving Pictures).

A famosa 166MM BarchettaA 166MM Barchetta foi a primeira produção da Ferrari; 38 destas obras-primas foram produzidas de 1947 a 1953. Primeiro carro esporte mostrado com um chassi da montadora, a 166 ganhou seu nome devido aos 166 centímetros cúbicos de capacidade de cada um dos seus 12 cilindros. A marca MM significa a vitória da Ferrari em 1949 na lendária e cruel Mille Miglia, corrida automobilística de longa distância disputada na Itália por 24 edições, de 1927 a 1957. Com velocidade máxima de 130mph (possivelmente o carro esporte mais rápido do mundo em sua época), a 166MM Barchetta (que significa "pequeno barco") faturou um total de 80 prêmios entre abril de 1948 e dezembro de 1953, incluindo as 24 Horas de Le Mans, também em 1949.

De acordo com o livro "A Ferrari Completa", de Godfrey Eaton, a pronúncia correta do nome do carro é "Barqueta". Geddy admitiu que havia pronunciado incorretamente a palavra na canção após um amigo italiano lhe ensinar o modo correto.

03 - YYZ
Álbum "Moving Pictures" (1981)

A terceira canção de "Moving Pictures" é a fantástica "YYZ", uma das músicas mais marcantes em toda a carreira do Rush. Considerada por muitos como um dos maiores instrumentais do rock de todos os tempos, "YYZ" é um exemplo claro das capacidades inumanas dos três integrantes canadenses. Nunca confusa e opressiva, a canção é o Rush mostrando de forma definitiva o quanto trabalham bem juntos. Nessa obra, os rapazes de Toronto conseguem unir sem falhas guitarra, baixo, percussões e sintetizadores trazendo uma perfeita junção de sons e emoções por demais intensos e emocionantes. Absolutamente fora deste mundo.

O título dessa faixa refere-se ao código IATA de aeroportos utilizado no Aeroporto Internacional Toronto Pearson (ou Aeroporto Internacional Lester B. Pearson), o principal da região metropolitana de Toronto, Canadá. O IATA é um código composto por três letras que designa aeroportos em todo o mundo, utilizado pela Associação Internacional de Transportes Aéreos. No caso do aeroporto de Toronto, utliza-se YYZ. Combinado a esse fato, é interessante observar que YYZ é tocada incrivelmente em código morse, sendo este marcante logo no início da canção (Y: -.-- Y: -.-- Z: --..).

"Há partes dessa música que são quase evocativas acerca dos sentimentos envolvidos quando se está indo para o aeroporto. Você se sente meio que no limite e nervoso por ter que deixar sua familia para trabalhar, pensando sobre estar metade em casa e metade longe dela. É um período de transição, e sempre há um senso de infinitas possibilidades num aeroporto. Você pode mudar de idéia e voar para qualquer lugar no mundo e, de repente, não está mais em Toronto: está no mundo. Um aeroporto não deveria ser dito como situado em uma cidade, porque nunca é. Ele é sempre uma encruzilhada. E esta, claro, é o foco da música. Tentamos trabalhar muito sobre a natureza exótica dos aeroportos. A grande e animada ponte instrumental logo depois da metade, que é orquestrada, emocionante e rica, é obviamente uma simbolização do tremendo impacto que é voltar para casa". (Neil Peart, Visions).

"YYZ é o código de aviação do Aeroporto Internacional de Toronto, e a música é vagamente baseada em imagens associadas a aeroportos. Destinos exóticos, despedidas dolorosas, aterrissagens felizes, este tipo de coisa". (Neil Peart, Backstage Club Newsletter).

YYZ foi indicada para o Grammy de Melhor Performance do Rock Instrumental em 1982 (primeira indicação da carreira do Rush). A vencedora da categoria foi "Behind My Camel", do The Police (presente no álbum "Zenyatta Mondatta").


04 - LIMELIGHT
Álbum "Moving Pictures" (1981)

"Limelight" é a quarta canção do álbum "Moving Pictures". Bastante popular, a faixa traz uma reflexão da banda sobre estar diante de seu público. A frase "In the limelight" ("sob os holofotes") denota o sentido de ser o centro das atenções. No teatro, um holofote geralmente é utilizado para iluminar a frente do palco, pondo o artista principal sob uma luz gerada num cilindro que era projetada através de uma lente, destacando-o.

"O sucesso pressiona as amizades e põe amarras em nossas relações cotidianas, e isso é algo que experimentamos. Não somos imunes a isso, mas conseguimos superar esse fato através de nossa aproximação, nos ajudando nessas dificuldades, podendo assim lidar com pressões e coisas deste tipo". (Neil Peart).

"Limelight foi verdadeiramente uma música do próprio Neil mais do que qualquer outra nesse álbum, no sentido de que traz os sentimentos dele acerca de estar sob os holofotes. Ela fala sobre sua dificuldade de lidar com a fama, com os caçadores de autógrafos, com a repentina falta de privacidade e com as súbitas exigências de seu tempo. O Neil tem muitas dificuldades para lidar com tudo isso. Digo, todos nós temos, mas acho que ele é o que mais demorou a se ajustar a essa situação. Acho que ele é mais sensível do que eu e o Alex; é mais difícil pra ele lidar com as interrupções em sua vida pessoal e em seu desejo de estar sozinho. Sendo uma pessoa que precisa de solidão, ter alguém vindo pedir seu autógrafo constantemente é uma forte interrupção no seu mundo. Suponho que, de certa forma, todos nós somos desajustados, pois escolhemos esta profissão que traz toda essa agitação extrema e este tipo de mundo auto-instigante em que escolhemos viver, e nós não nos sentimos confortáveis neste tipo de papel". (Geddy Lee).

"Tivemos muito, muito cuidado para não deixar isso pegar a gente. Aquele sucesso repentino pode realmente te mudar e aí você fica preguiçoso por ter constantemente pessoas fazendo algo pra você. Você perde a perspectiva do porquê está lá e o que realmente está fazendo". (Alex Lifeson).

A peça de William Shakespeare de 1599 "As You Like It" contém a frase "All the world's a stage and all the men and women merely players" ["O mundo inteiro é de fato um palco e todos os homens e mulheres são meramente músicos"]. Um trecho similar aparece na letra de "Limelight": "All the worlds indeed a stage, and we are merely players" ["O mundo inteiro é de fato um palco, e nós meramente músicos"].

05 - THE CAMERA EYE
Álbum "Moving Pictures" (1981)

Este é um dos maiores momentos da Time Machine Tour, a execução de "The Camera Eye", faixa 05 do álbum "Moving Pictures" e uma das canções mais aguardadas pelos fãs em turnês. "The Camera Eye" foi executada ao vivo pela última vez na "New World Tour", turnê do álbum "Signals", ocorrida em 1983.

"The Camera Eye" foi, na ocasião de seu lançamento, o fim prenunciado de uma era do Rush. A última aventura épica da carreira do power-trio canadense traz uma tentativa de capturar a energia, a atmosfera e as diferenças culturais entre duas das maiores metrópoles mundiais: Nova York e Londres. O título e o tema dessa canção foram emprestados do trabalho de John Dos Passos, um dos escritores favoritos de Neil Peart.

John Dos PassosJohn Dos Passos nasceu em Chicago, EUA, em 1896. Jornalista e romancista de origem portuguesa, é consagrado entre os maiores da literatura norte-americana. Seu primeiro livro – "Três Soldados" (1921) - foi fruto de uma desilusão com os combates em que tomou parte na I Guerra Mundial. Todo seu entusiasmo e heroísmo juvenil foram desfeitos nos campos de batalha. Em 1925 publica sua primeira obra de impacto: "Manhattan Transfer", mas a consagração definitiva surge em 1932 com a trilogia "USA", onde retratou os EUA em sua face menos sorridente. O retrato de uma América dominada por monopólios, trustes, organizações de gangsters e sindicatos infiltrados pela corrupção foi explicitado nas obras "The 42nd Parallel" ("Paralelo 22"), "1919" e "The Big Money" ("Dinheiro Graúdo").

Em "1919", Passos centra-se na Primeira Guerra Mundial, onde o então presidente Woodrow Wilson fornece a motivação da narrativa. Alguns críticos afirmam que nenhum outro ficcionista ousou tratar de forma tão nítida a vida americana. As inovações vão além do conteúdo. O escritor utilizou uma técnica revolucionária, onde se alternam três tipos de narração: as Biografias (descrições de celebridades de seu país, como Henry Ford e Rodolfo Valentino), os Jornais da Tela (uma mistura de trechos de músicas populares, manchetes de jornais e anúncios) e O Olho da Câmera (impressões autobiográficas com ares poéticos de acontecimentos públicos).

"John Dos Passos foi conhecido como um escritor esquerdista radical nos anos 20. The Camera Eye foi diretamente influenciada por ele". (Neil Peart, Modern Drummer - Abril de 1984).

"The Camera Eye" inicia-se com uma fantástica introdução de mais de 3 minutos, que explora de forma definitiva o uso dos sintetizadores. Cheia das mudanças de tempo características do Rush, a canção é certamente mais uma mostra dos novos caminhos que seriam trilhados pela banda, apresentando-se menos mística e mais direta em seu teor.

Curiosidades:

Aos 8:56 da música, pode-se ouvir o que parece Geddy dizendo "Oh, gawd". Muitos fãs acreditam que a estranha fala seria, na verdade, uma saudação inglesa. Outra possibilidade cogitada é que ele esteja dizendo "More dub", pedindo ajuste nos seus headfones.

Sons do filme Superman (com Christopher Reeve) foram sampleados e inseridos no início da canção, enriquecendo ainda mais a atmosfera cinematográfica presente em todo o álbum: "Estávamos procurando por um efeito sonoro urbano, e acabamos usando uma parte de Superman, quando Clark Kent chega no escritório do Planeta Diário, em meio ao tráfego e caos de Metrópolis". (Neil Peart, Rush Backstage Club Newsletter - Outubro de 1991).

06 - WITCH HUNT (Part III of 'Fear')
Álbum "Moving Pictures", 1981

A sexta faixa de "Moving Pictures", "Witch Hunt", é uma das obras mais sombrias que o trio canadense já compôs. A canção é baseada na caça às Bruxas de Salém, episódio gerado pela superstição e credulidade que levaram pessoas a serem perseguidas e julgadas por bruxaria no pequeno povoado de Salém, localizado na Baía de Massachustts (Nova Inglaterra), em outubro de 1692. O Tribunal especial de Oyer e Terminer, composto por sete juízes para o julgamento desses casos, executou por enforcamento aproximadamente 20 acusados.

"Witch Hunt" tem início dando à tônica de seu tema. Temos uma pequena introdução de pouco mais de um minuto composta por uma atmosfera fúnebre, como se pudéssemos presenciar uma verdadeira marcha noturna. Gritos histéricos podem ser ouvidos no primeiro trecho, causando ao ouvinte a sensação de estar vendo mais um filme do que uma música. "Witch Hunt" é poderosa, algo que pode ser sentido logo a partir das frases de abertura: "The night is black, without a moon. The air is thick, and still. The vigilantes gather on the lonely torch-lit hill" ["A noite está sombria, sem lua. O ar está pesado e parado. Os vigilantes se reúnem na colina solitária iluminada por tochas"].

As vozes inciais foram gravadas do lado de fora do Le Studio à temperaturas abaixo de zero, com a banda e equipe gritando e falando bobagens de forma bem humorística. De acordo com a biografia Visions, a algazarra foi misturada de propósito a fim de não ser compreendida, trazendo de forma intencional a idéia de adicionar o sentimento de medo nesse trecho. Já os efeitos sonoros foram feitos pelos teclados Oberheim de Lee.

"O falatório foi propositalmente misturado para que não se possa entender o que está sendo dito. Mas o terror da situação, o ódio, o desejo do mal e o medo surgem de forma alta e clara. Este efeito foi conseguido esvaziando-se o estúdio (no meio de uma noite com neve) de toda a parafernália de produção, equipe e banda, com todos indo para fora. Com os gravadores rolando, Neil deu seu melhor discurso fanático, gradualmente ficando mais e mais exaltado enquanto todos os envolvidos deixavam-se serem levados". (Trecho da biografia Visions).

Alex Lifeson: "Saímos do Le Studio e estava tão frio, mas tão frio... era meados de dezembro, eu acho. Estávamos todos lá fora. Pusemos uns dois microfones por lá. Começamos a resmungar e a gritar. Fizemos umas duas faixas disso. Acho que tínhamos uma garrafa de uísque escocês que nos mantinha aquecidos. Então, à medida que o conteúdo da garrafa ia diminuindo, os resmungos e a gritaria iam tomando um 'sabor' diferente. Após termos gravado mais de 12 faixas da turma em histeria, voltamos ao estúdio. De vez em quando era possível ouvir alguém dizendo algo realmente estúpido".

A canção traz também Hugh Syme (designer gráfico do Rush) nos teclados pela terceira vez (assim como ocorrido em "Tears", do álbum "2112" e "Different Strings", do anterior "Permanent Waves"). Toda a parte de bateria foi gravada duas vezes, com uma seção de percussão criada gravando-se cada som de forma diferente. "Witch Hunt" apresenta-se como a parte III de uma série de músicas chamada "Fear", que incluiria ainda mais três canções que surgiriam em álbuns posteriores.


07 - VITAL SIGNS
Álbum "Moving Pictures" (1981)

Fechando o álbum "Moving Pictures" e sua merecida homenagem, temos uma faixa que traz uma notável mudança de direção do Rush naquele momento. "Vital Signs" apresenta guitarras, baixo, sintetizadores e bateria com fortíssimas influências da latente new wave do início dos anos 80 e também do reggae. Mesmo com tantas inovações, a canção funciona muito bem, tornando-se uma das favoritas para os fãs.

"Vital Signs" traz uma letra muito diferente das que Neil costumava escrever até então, sendo esta muito interessante de se ouvir e cantar. Segundo ele, o tema proposto é, na verdade, uma resposta à terminologia do 'papo tecnológico', do linguajar dos eletrônicos e computadores que traçam paralelos com a máquina humana nas funções e inter-relacionamentos que cumprem. Neil chama a atenção sobre nossas próprias imposições às máquinas que construímos, sendo elas, assim como nós, governadas pelas mesmas leis imutáveis da natureza.

"Ao fim de um álbum, é impossível para nós prever quais músicas serão populares de verdade ou não. Ficamos definitivamente surpresos. E aí temos canções como "Vital Signs", do Moving Pictures. Na época, era uma canção bem transicional. Todo mundo tinha sentimentos diversos sobre ela, mas ao mesmo tempo a mesma expressava algo essencial que eu queria dizer. É uma canção que tem um bom casamento de vocal e letra com o qual fiquei muito feliz. Porém ela precisou de um tempo para ser entendida por nosso público, pois era ritmicamente muito diferente para nós e exigia que o público respondesse de uma forma rítmica diferente. Não havia nela uma regra de compasso; era toda em contratempo do começo ao fim, havendo também uma reflexão da influência do reggae e de áreas mais refinadas da new wave que tivemos que colocar debaixo do guarda-chuva para fazer acontecer. Esta música levou 3 horas pra acertarmos. Era um tipo de bebê pra gente. Continuamos a tocá-la e não desistimos. Colocamos ela no bis da última turnê (na parte mais emocionante possível do set) e apenas exigimos das pessoas que a aceitassem, porque acreditamos nela. Ainda acho que representa uma culminação – a melhor combinação de música, letra e ritmo que fizemos. Ela abre várias abordagens musicalmente, desde ser simples e mínima a se tornar muito interessante ao vivo. Tudo que queríamos na música está lá. Logo, ela é muito especial para nós. Mas tivemos que esperar. Tivemos que ser pacientes esperando o público nos entender". (Neil Peart, Guitar for the Practicing Musician - 1986).

08 - CARAVAN
Álbum "Clockwork Angels" (2010)

Após a aguardada apresentação na íntegra do álbum "Moving Pictures", temos mais um momento especial na Time Machine Tour.

A oitava canção do segundo set é "Caravan", single do próximo álbum de estúdio do Rush, "Clockwork Angels". "Caravan" foi lançada em versão digital no mês de junho de 2010 ao lado de "BU2B", e o CD com as duas canções foi disponibilizado um mês depois. A canção foi gravada em abril desse ano no Blackbird Studio, localizado em Nashville, Tennessee (EUA), com a banda contando mais uma vez com a participação do produtor Nick Raskulinecz, que já havia trabalhado com eles em "Snakes & Arrows", de 2007.

De acordo com Neil Peart, "Caravan" e "BU2B" são, na verdade, as duas primeiras partes de uma história entitulada "Clockwork Angels", que futuramente iremos conhecer com o lançamento do novo álbum, previsto para 2011.

"Caravan" foi recebida com muita euforia pelos fãs e admiradores do Rush na ocasião de seu lançamento. A partir de sons que representam a aproximação de um trem ou locomotiva numa estação, a nova canção da banda tem início através de uma orquestração sinistra, que prepara o campo para uma explosão como há muito não se via na carreira do fantástico grupo do Canadá. Um riff memorável e corajoso de Alex Lifeson mostra ao ouvinte que toda a energia e disposição dos três senhores ainda está lá, mais latente do que nunca.

A canção se segue numa jornada progressiva bastante interessante e, como de costume na carreira deles, incomum e ineperada. Sincronismo, técnica e ousadia fazem de "Caravan" um retono definitivo do Rush às suas raízes, porém com um olhar certeiro para o futuro, conforme afirmado no tourbook da nova turnê pelo próprio Neil Peart. É como o Rush num liquidificador - resultando num delicioso mix.

Como dito anteriormente, Lifeson traz um riff empolgante para a canção e um solo indisciplinado incrivelmente genial. O refrão é muito cativante, onde Geddy não nos deixa esquecer de que devemos sempre "pensar grande", algo retratado claramente em suas ótimas linhas de baixo associadas a percussões poderosas de Peart, talvez uma das performances mais fortes e ousadas criadas pelo baterista nos últimos tempos. "Caravan" traz também um grande intervalo instrumental em torno dos 3:30, onde os integrantes simplesmente arrasam em suas funções.

Sobre sua temática (apesar de ainda não termos declarações oficiais vindas dos membros do Rush), podemos entendê-la de forma bem simples, mesmo com seu cenário obscuro e intrigante: otimismo e auto confiança são o seu cerne. Em termos gerais, a banda sempre ergueu a cabeça e continuou seu caminho, mesmo após as muitas críticas que os massacraram ao longo da carreira, além dos acontecimentos trágicos ocorridos na vida pessoal de Neil Peart. O Rush nunca deixou de pensar grande, desde a época em que eram simples garotos sonhadores dos subúrbios de Toronto. A banda sempre fez "o que quis fazer, ao invés de fazer o que deveria". E com "Caravan" eles buscam externar essa filosofia de vida também para os seus fãs.

"Caravan" é sobre onde você quer chegar, levando sua caravana "trovejando adiante" e não pararando para nada ou por nada. Pense grande!

09 - CLOSER TO THE HEART
Álbum "A Farewell to Kings" (1977)

Após o momento à parte que é o aguardado solo de bateria de Neil Peart, temos a 9ª canção do segundo set da Time Machine Tour: "Closer to the Heart". Uma das mais famosas e aclamadas canções do trio canadense, "Closer to the Heart" é sempre bastante comum em turnês. Um música simples e direta - linda e sincera.

"Closer to the Heart" foi lançada originalmente no álbum "A Farewell to Kings", de 1977, sendo a a primeira canção da carreira dos canadenses a ter um co-autor externo. Peter Talbot, antigo amigo de Neil Peart, foi quem compôs as quatro primeiras linhas dessa faixa.

Curiosamente, o nome dessa canção foi a primeira idéia para o título do álbum "A Farewell to Kings". Sua introdução no violão foi composta por Geddy Lee:

"A maneira melódica de Geddy tocar vem de suas composições para o baixo feitas no violão. Ele faz muito bem linhas de baixo de forma acústica, sempre vindo com um monte de composições para guitarra também. Por exemplo, foi ele quem compôs a introdução de 'Closer to the Heart'. Eu ouvi e disse, 'Isso ficou ótimo — me mostre!'" (Alex Lifeson, Frets Magazine - Primavera de 2006).

Lançada como single no natal de 1977, o Rush enfim alcançava com "Closer to the Heart" um hit no Reino Unido, após duas tentativas frustantes com os álbuns "Fly By Night" e "Caress of Steel" (em 1975). Atingindo a 36ª posição no UK Singles Chart em fevereiro de 1978, começava ali o grande sucesso do power-trio canadense na Terra da Rainha.

"Closer to the Heart" continua o tema proposto na maioria das canções de "A Farewell to Kings": a luta pela mudança da sociedade. A canção é bastante interessante, pois ela se divide em quatro pequenas estrofes que classificam os homens por competências e de como estes, dentro de suas atribuições, poderiam mudar a realidade, fazendo do mundo um lugar melhor e pacífico. Peart chama atenção para a responsabilidade daqueles que ocupam lugares de destaque (como governantes, artistas e estudiosos) e, na estrofe final, expõe também as responsabilidades individuais de cada um se nós nesse cenário.

10 - 2112 OVERTURE / THE TEMPLES OF SYRINX
Álbum "2112" (1976)

A penúltima canção da Time Machine Tour são os dois primeiros trechos do épico "2112" (pronunciada "twenty-one twelve"), lançada originalmente em 1976 no antológico álbum de mesmo nome, quarto trabalho de estúdio do Rush até então. Tido por muitos como uma das maiores obras da história do rock progressivo, "2112" consolidou de vez o nome do power-trio canadense como uma das maiores bandas do rock.

No começo da carreira, o Rush havia lançado seu primeiro disco com a formação Geddy Lee (vocais e baixo), Alex Lifeson (guitarras) e John Rutsey (bateria). O trabalho foi uma boa estréia, trazendo canções no estilo hard que apresentavam forte influência advinda da maior banda de rock do período, o Led Zeppelin. Após a saída de Rutsey, Lee e Lifeson juntam-se ao baterista/letrista Neil Peart. A influência de Peart foi crucial para a banda, que apresentava nos trabalhos seguintes ("Fly By Night" e "Caress Of Steel", ambos de 1975) uma gradual mudança de rumos, com músicas mais longas e elaboradas. Porém, mesmo já destilando trabalhos de altíssima qualidade lírica e musical, a banda não havia ainda conseguido emplacar em definitivo até a concepção de "2112".

Além de melhor produzido que os anteriores, "2112" era marcado por toda uma mística em torno de si. Desde o próprio som até todas as simbologias contidas nas artes gráficas, o maior destaque ficava por conta da faixa título, uma suíte com mais de vinte minutos de duração dividida em sete partes. Nunca um simples trio de rock and roll havia ousado tanto.

A canção e o título desse álbum deram origem a uma imagem usada como logotipo do Rush desde então, o conhecido 'Starman'. O artista/desenhista de longa data da banda, Hugh Syme, é creditado pela criação.

"O homem é o herói da história. Sua nudez representa apenas uma tradição clássica, expondo a pureza da pessoa e sua criatividade, sem a pompa de outros elementos, tais como vestuário. A estrela vermelha é a estrela da Federação, um dos símbolos do Neil". (Hugh Syme - 1983)

"A imagem significa o homem contra as massas. A estrela vermelha simboliza qualquer mentalidade coletivista". (Neil Peart - 1982)

Na Time Machine Tour temos a execução as duas partes iniciais desse épico, "Overture" e "The Temples of Syrinx". Acompanhe abaixo a introdução para o conto, além das informações sobre os dois primeiros trechos canção:

Eu deito acordado, olhando fixamente para a frieza de Megadon. Cidade e céu tornam-se um, fundindo-se em um único plano, um vasto mar de um contínuo cinza. As Luas Gêmeas, apenas dois corpos pálidos enquanto traçam seus caminhos pelo céu de aço. Pensava que tinha uma vida muito boa aqui, conectando minha máquina durante o dia, depois assistindo Templovisão ou lendo um Templo Jornal à noite. Meu amigo Jon sempre disse que era mais agradável aqui do que sob as cúpulas das atmosferas dos Planetas Exteriores. Temos tido paz desde 2062, quando os planetas sobreviventes foram unidos sob a Estrela Vermelha da Federação Solar. O menos afortunado nos deu algumas luas novas. Acreditei no que me contaram. Pensei que era uma vida boa, pensei que era feliz. Então encontrei algo que mudou isto tudo...

Anônimo, 2112

O trabalho na canção "2112" relaciona-se ao romance Anthem, lançado em 1937 pela escritora e filósofa russa Ayn Rand. Nascida em 06 de março de 1905 na cidade de São Petersburgo, Rand passou a viver nos EUA a partir de 1926, tendo optado por divulgar sua filosofia inicialmente através de obras de ficção. Seu trabalho a expõe como uma das mais intransigentes e coerentes defensoras da razão contra as várias formas de irracionalismo, do indivíduo contra as várias formas de coletivismo (social ou estatal) e da liberdade contra todas as formas de servitude.

Em seu romance Anthem, o qual acabou por trazer inspiração para Peart na composição lírica de "2112", Rand fala sobre um futuro inespecífico quando a humanidade entrava numa nova época de escuridão como resultado dos males da irracionalidade, do coletivismo (o estado é sempre maior que o indivíduo) e da fraqueza do pensamento socialista e econômico. Os avanços tecnológicos são cuidadosamente planejados (quando e como) e o conceito de individualismo foi eliminado (por exemplo, a palavra "I" - Eu - desaparecera das línguas). Como é comum em seu trabalho, Rand traça uma distinção clara entre os valores de igualdade e fraternidade do socialismo/comunismo e os valores de propriedade e individualidade do Capitalismo. Ela ilustra as ameaças à liberdade humana, inerente a noções sociais do altruísmo e da caridade, criando uma imagem de um mundo afundado na barbárie através de um sentimento de obrigação social extraviado.

"... Não sou primariamente uma advogada do capitalismo, mas do egoísmo; e não sou primariamente uma advogada do egoísmo, mas da razão. Se alguém reconhece a supremacia da razão e a aplica consistentemente, tudo o mais segue. Isto - a supremacia da razão - foi, é e será a preocupação primária de meu trabalho, e a essência do Objetivismo. ... A razão na epistemologia leva ao egoísmo na ética, que por sua vez leva ao capitalismo na política. A estrutura hierárquica não pode ser invertida, nem pode um nível posterior se sustentar sem o fundamental". (Ayn Rand, "Brief Summary", em The Objectivist - Setembro de 1971, p.1089).

"Não podemos lutar contra o coletivismo, a menos que lutemos contra sua base moral: altruísmo. Não podemos lutar contra o altruísmo, a menos que lutemos contra sua base epistemológica: irracionalismo. Não podemos lutar contra nada - a menos que lutemos por alguma coisa: e aquilo pelo que devemos lutar é a supremacia da razão, e uma visão do homem como ser racional". (Ayn Rand, "Don't Let it Go", em Philosophy: Who Needs It?, p.214).

Sobre "2112", iniciamos mencionando que muitos consideram a canção como uma possível crítica de Peart à indústria musical, esta que geralmente se propõe a controlar a expressão do artista. Apesar das coincidências de contexto que facilmente nos levariam a afirmar tal conclusão, não temos nenhuma declaração de quaisquer integrantes que esgote esse assunto.

I. Overture

Com 'Overture' o Rush inicia a viagem de 2112, através de um instrumental intenso que é rapidamente reconhecido como uma das canções mais marcantes de toda carreira da banda. Essa primeira parte é finalizada com a seguinte frase cantada por Geddy Lee: "...and the Meek shall inherit the Earth...". Este trecho consiste na citação da Bíblia "E os humildes herdarão a terra" encontrada no Livro dos Salmos (capítulo 37 versículo 11) e no Evangelho Segundo Mateus (capítulo 5 versículo 5). A frase foi escolhida como uma espécie de profecia acerca do fechamento da história proposta por Peart.

II. The Temples of Syrinx

Imediatamente somos lançados numa viagem sonora poderosa em 'The Temples Of Syrinx', onde a história se inicia – o mundo oprimido da Federação Solar. Aqui conhecemos através dos versos de Peart as principais características do contexto vivido em 2112, que existe sob o domínio dos sacerdotes. Esse segmento se encerra como um coração batendo em fúria, num clímax que somente o talento do Rush poderia criar e que magicamente se transforma na próxima parte do conto.

Para acompanhar as outras cinco partes da canção (que não serão executadas na nova turnê), clique aqui.

11 - FAR CRY
Álbum "Snakes & Arrows", 2007

A última canção que vem sendo executada na Time Machine Tour é "Far Cry", primeiro single do álbum "Snakes & Arrows", de 2007. "Far Cry" foi lançada nas rádios norte-americanas no dia 12 de março daquele ano, tendo sido disponibilizada no iTunes quatro dias depois.

Com "Far Cry", o Rush daria fim ao longo período sem novas canções de estúdio. O último álbum lançado com inéditas até então havia sido "Vapor Trails" (2002) e essa canção anunciava a chegada de um novo e aguardado trabalho. Bastante forte e dinâmica, "Far Cry" trazia um Rush renovado. Munida de um riff principal bem pesado e com quebras oportunas, "Far Cry" apresentava também um refrão com ótimas melodias e um solo de guitarra pautado por bends climáticos, abrindo assim novos tempos para a banda. A voz marcante de Geddy Lee e os timbres tão característicos dos instrumentos imprimiam mais uma vez a cara do power-trio canadense em cada nota executada.

"Far Cry" evoluiu de uma jam session em estúdio entre Alex Lifeson e Geddy Lee. Neil Peart deixou, sem querer, as letras nas quais havia acabado de trabalhar em cima da mesa. No momento da jam, Lee começou a cantar o refrão e, de acordo com ele, a melodia parecia se encaixar. A canção foi composta em um dia.

A temática proposta por Peart em "Far Cry" é bem aberta a interpretações. Não temos declarações oficiais dos integrantes sobre o assunto, mas podemos fazer algumas análises sem muitos esforços. Como o álbum "Snakes & Arrows" traz, além de fé, pensamentos sobre a situação do mundo contemporâneo, podemos falar sobre o quão separado e em guerra o mundo está ("Pariah dogs and wandering madmen, barking at strangers and speaking in tongues" - "Cães abandonados e loucos errantes, latindo para estranhos e falando em línguas"), e também sobre o quão rápido tentamos progredir mas sem chegar a lugar algum ("Um dia sinto que estou no volante e no outro as rodas passam sobre mim"), partilhando alguns pontos de vista do escritor norte-americano de ficção-científica Ray Bradbury.

A idéia mais clara que Neil Peart nos oferece nessa canção (que certamente foi escolhida de forma proposital para fechar a cápsula do tempo da nova turnê) e de que o mundo e o futuro têm se revelado totalmente diferentes do que a nossa geração e as anteriores esperavam. Na maioria das vezes, por conta de nosso aprendizado e aprimoramento, imaginamos um futuro repleto de facilidades e paz, conseguidos por nossas experiências em nossas relações uns com os outros e também, em grande parte, através da tecnologia. Porém, até agora, a realidade tem se mostrado bastante diferente, onde ainda convivemos com guerras, fome e pobreza. Em alguns momentos achamos que certos dramas vão sendo superados, mas num dado momento todas essas coisas voltam a acontecer. O mundo continua com seus mesmos altos e baixos característicos, mergulhado numa espécie de círculo vicioso.

Interessante observar o trecho "Its a far cry from the world we thought we'd inherit" ("É muito longe do mundo que achávamos que iríamos herdar"), que é quase como o Rush tendo uma visão do quão maravilhoso o mundo poderia, se mostrando desapontados por todas as suas expectativas não terem se cumprido e pelo fato de terem que reapassar esse "mundo fracassado" à próxima geração.

>>> ENCORE

Como de costume, o Rush volta para o palco após o término do show para mais duas canções, a seguir:

01- LA VILLA STRANGIATO (AN EXERCISE IN SELF-INDULGENCE)
Álbum "Hemispheres" (1978)

A primeira canção do Encore da Time Machine Tour é "La Villa Strangiato," canção de "Hemispheres" (1978) que termina o album como um forte tufão trazendo a verdadeira primeira instrumental da carreira composta pelo Rush. Subtitulada "An Exercise of Self-Indulgence" ("Um Exercício de Auto-Indulgência"), "La Villa" retrata, de forma devastadora, as incríveis capacidades instrumentais do power-trio.

Baseada num pesadelo do guitarrista Alex Lifeson, "La Villa Strangiato" traz várias partes que correspondem à sequência dos acontecimentos que ocorridos nesse sonho. A canção, na ocasião de sua concepção, teve que ser regravada várias vezes, pois o Rush insistiu em capturá-la em um único take. Em outras palavras, "La Villa" não foi registrada dentro dos moldes tradicionais, nos quais cada instrumento é capturado numa faixa em separado. A versão original que conhecemos foi, na verdade, uma supreendente gravação 'ao vivo', uma vez que todos a tocaram simultaneamente até acertarem a mão. Curiosamente esta faixa traz muitos ruídos de fundo, algo que talvez tenha ocorrido devido a contínua re-utilização da fita de gravação. Versões remasterizadas lançadas posteriormente foram excepcionalmente bem feitas no que diz respeito à limpeza da faixa, porém apresentam ainda pequenos ruídos.

Disse Geddy Lee sobre "La Villa Strangiato", no livro Visions: "Levamos mais tempo gravando 'Strangiato' do que o álbum Fly By Night inteiro. Foi gravada num só take, mas levou uns 40 para dar certo! Foi nossa primeira peça sem vocais até então. Cada seção traz um tema e uma estrutura musical própria".

"Strangiato" é também uma das poucas músicas nas quais Neil Peart é creditado como compositor, sendo normalmente citado nas demais canções apenas pelas letras que escreve.

De um começo delicado até um final distorcido, rápido e incrivelmente preciso, "La Villa Strangiato" é talvez uma das melhores instrumentais do rock de todos os tempos – do próprio Rush ou de qualquer outra banda. Como já mencionado, apesar de ser instrumental, a canção conta uma história completa com seqüência e personagens, sendo dividida em 12 partes, a seguir:

I. Buenos Nochas, Mein Froinds! (0:00)
II. To sleep, perchance to dream... ( 0:27)
III. Strangiato theme (2:00)
IV. A Lerxst in Wonderland (3:16)
V. Monsters! (5:49)
VI. The Ghost of the Aragon (6:10)
VII. Danforth and Pape (6:45)
VIII. The Waltz of the Shreves (7:26)
IX. Never turn your back on a Monster! (7:52)
X. Monsters! (Reprise) (8:03)
XI. Strangiato theme (Reprise) (8:17)
XII. A Farewell to Things (9:17)

De acordo com o livro Visions, a possível tradução de "La Villa Strangiato" seria "Cidade Estranha". A seguir, confiram abaixo informações acerca das inspirações para algumas das partes que compõem a canção:

Buenos Nochas, Mein Froinds! - Dando início a instrumental La Villa Strangiato, temos Buenos Nochas, Mein Froinds!, uma pequena porém grandiosa introdução de 27 segundos marcada por um belíssimo violão clássico oferecido por Alex Lifeson. 'Mein Froinds' foi baseada numa música de 1972 chamada "Gute Nacht, Freunde" (Boa Noite, Amigos), do cantor e compositor alemão Reinhard Mey (presente no álbum "Mein Achtel Lorbeerblatt"). Podemos notar aqui certa similaridade entre os títulos, onde percebemos um pequeno e interessante trocadilho de palavras.

To sleep, perchance to dream - "Dormir, talvez sonhar" teve seu título inspirado num trecho da tragédia Hamlet, de William Shakespeare (1564-1616) - Ato III, cena I.

A Lerxst in Wonderland - Este trecho tem como inspiração a famosa história Alice no País das Maravilhas (título original em inglês: Alice's Adventures in Wonderland, frequentemente abreviado para "Alice in Wonderland"). Trata-se da obra mais famosa do professor de matemática inglês Charles Lutwidge Dodgson, que sob o pseudônimo de Lewis Carroll, a publicou a 4 de julho de 1865. Alice no País das Maravilhas é uma das mais célebres histórias do gênero literário nonsense e do surrealismo, sendo considerada um verdadeiro clássico da literatura inglesa. 'A Lerxst', conforme surge no título da quarta parte de "La Villa", refere-se ao apelido do guitarrista Alex Lifeson criando um divertido contraponto com a heroína da história, Alice.

Monsters! - A canção "Powerhouse", composta por Raymond Scott (1908-1994) em 1936, inspirou este trecho de "La Villa Strangiato". O diretor musical da Warner Bros, Carl Stalling, utilizou esta pequena instrumental como trilha sonora de desenhos animados da Merrie Melodies e da Looney Tunes, nos anos 40 e 50. A canção não havia sido escrita originalmente para esses cartoons, porém os direitos autorais de Scott foram vendidos à Warner em 1943.

"Powerhouse" foi utilizada em vários outros cartoons, além de ter sido também trilha sonora do Cartoon Network e do filme Querida, Encolhi as Crianças (a Disney foi inclusive ameaçada de processo na justiça por não ter dado créditos a Scott. O caso acabou sendo resolvido fora dos tribunais). O Rush também não acabou não creditando o compositor original pela utilização da música e, quando o empresário de Scott notificou os agentes da banda sobre a irregularidade, as limitações autorais já haviam expirado. Porém vale citar que os empresários do Rush, sendo cordiais com o Sr. e a Sra. Scott (Raymond ainda era vivo na época), ofereceram um pagamento pelo deslize, sentindo ser o mais ético a ser feito. Todos os envolvidos ficaram satisfeitos com a solução e o Rush não teve grandes obrigações financeiras. Sobre o acordo, a banda canadense não precisou ceder os créditos a Scott.

Danforth and Pape - Refere-se a um cruzamento em Toronto. A Danforth Avenue é uma avenida arterial leste-oeste localizada na cidade, também conhecida como Highway 5. Trata-se da principal via de transporte da região, sendo a mais movimentada, apresentando grande tráfego de veículos. A Danforth é uma avenida primariamente comercial, sendo notória por abrigar a maior comunidade grega da América do Norte. Já a Pape Avenue leva até Pape Village, pequeno distrito comercial da cidade.

Geddy Lee, sobre "La Villa Strangiato" (livro Visions): "Foi algo bem pesado pra gente (...) Tínhamos um monte de idéias musicais diferentes e queríamos colocar tudo isso dentro de uma única canção. Queríamos realizar uma música bastante complexa que apresentasse muitas mudanças de tempo e também variações bem radicais de clima e ritmo. Há um pouco de humor nela também"

02 - WORKING MAN
Álbum "Rush" (1974)

"Working Man" é a última faixa do álbum de estréia do Rush (1974), que também encerra a Time Machine Tour. A canção fala sobre o proletariado e suas respectivas vidas, caracterizada por um longo trecho instrumental em sua parte mediana. Donna Halper, famosa DJ da rádio WMMS em Cleveland, Ohio, selecionou naquele ano "Working Man" para sua lista regular de músicas assim que recebeu o disco de estréia da desconhecida banda de Toronto. A canção chamou a atenção dos fãs de hard rock e essa popularidade levou a Mercury Records a lançar o disco nos EUA.

"Gostaria muito de dizer que havia ficado impressionada com o disco logo de cara – mas não aconteceu. O single era "In the Mood", e apenas vi que não seria algo pra tocar em nossa rádio. Porém havia algumas músicas mais longas, e pude perceber que estávamos com um álbum rocker nas mãos. Assim, coloquei a agulha numa faixa chamada "Working Man" e, de repente, entendi porque Roper acreditou que a banda tinha potencial. O vocalista (ainda não sabia os nomes deles) soava para mim, de certa forma, como um clone do Led Zeppelin. Mas a banda tinha uma certa energia que percebi que seria perfeita para nossos ouvintes." (Donna Halper).

"Working Man" foi, definitivamente, o começo para a explosão do Rush para o mundo. E eles terminam a viagem no tempo dessa forma, chegando ao marco zero de sua grandiosa carreira. E que essa viagem perdure
ainda por muitos, muitos anos.

Vida longa ao Rush!