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CUT TO THE CHASE NOBODY'S HERO BETWEEN SUN & MOON
NOBODY'S HERO
I knew he was different, in his sexuality
I went to his parties, as a straight minority
It never seemed a threat to my masculinity
He only introduced me to a wider reality
As the years went by, we drifted apart
When I heard that he was gone
I felt a shadow cross my heart
But he's nobody's -
Hero - saves a drowning child
Cures a wasting disease
Hero - lands the crippled airplane
Solves great mysteries
Hero - not the handsome actor
Who plays a hero's role
Hero - not the glamor girl
Who'd love to sell her soul
If anybody's buying
NOBODY'S HERO
I didn't know the girl, but I knew her family
All their lives were shattered
in a nightmare of brutality
They try to carry on, try to bear the agony
Try to hold some faith
in the goodness of humanity
As the years went by, we drifted apart
When I heard that she was gone
I felt a shadow cross my heart
But she's nobody's -
Hero - the voice of reason
Against the howling mob
Hero - the pride of purpose
In the unrewarding job
Hero - not the champion player
Who plays the perfect game
Not the glamor boy
Who loves to sell his name
Everybody's buying
NOBODY'S HERO
As the years went by, we drifted apart
When I heard that you were gone
I felt a shadow cross my heart
Hero
I knew he was different, in his sexuality
I went to his parties, as a straight minority
It never seemed a threat to my masculinity
He only introduced me to a wider reality
As the years went by, we drifted apart
When I heard that he was gone
I felt a shadow cross my heart
But he's nobody's -
Hero - saves a drowning child
Cures a wasting disease
Hero - lands the crippled airplane
Solves great mysteries
Hero - not the handsome actor
Who plays a hero's role
Hero - not the glamor girl
Who'd love to sell her soul
If anybody's buying
NOBODY'S HERO
I didn't know the girl, but I knew her family
All their lives were shattered
in a nightmare of brutality
They try to carry on, try to bear the agony
Try to hold some faith
in the goodness of humanity
As the years went by, we drifted apart
When I heard that she was gone
I felt a shadow cross my heart
But she's nobody's -
Hero - the voice of reason
Against the howling mob
Hero - the pride of purpose
In the unrewarding job
Hero - not the champion player
Who plays the perfect game
Not the glamor boy
Who loves to sell his name
Everybody's buying
NOBODY'S HERO
As the years went by, we drifted apart
When I heard that you were gone
I felt a shadow cross my heart
Hero
HERÓI ANÔNIMO
Sabia que ele era diferente, em sua sexualidade
Fui para suas festas, como uma minoria hetera
Isso nunca pareceu uma ameaça para minha masculinidade
Ele só me apresentou uma realidade mais ampla
Com o passar dos anos, nós nos afastamos
Quando soube que ele havia falecido
Senti uma sombra atravessar meu coração
Mas ele é um anônimo -
Herói - salva uma criança se afogando
Cura uma doença devastadora
Herói - pousa um avião danificado
Resolve grandes mistérios
Herói - não o galã
Que faz o papel de herói
Herói - não a bela moça
Que adoraria vender sua alma
Se alguém comprar
HERÓI ANÔNIMO
Não conhecia a menina, mas conhecia sua família
Todas aquelas vidas foram despedaçadas
Em um pesadelo de brutalidade
Eles tentam continuar, tentam suportar a agonia
Tentam manter a fé
na bondade da humanidade
Com o passar dos anos, nós nos afastamos
Quando soube que ela havia falecido
Senti uma sombra atravessar meu coração
Mas ela é uma anônima -
Herói - a voz da razão
Contra uma multidão vociferante
Herói - o orgulho do ofício
Em um trabalho mal remunerado
Herói - não o campeão
Que faz o jogo perfeito
Não o belo rapaz
Que adora vender seu nome
E que todos compram
HERÓI ANÔNIMO
Com o passar dos anos, nós nos afastamos
Quando soube que vocês haviam falecido
Senti uma sombra atravessar meu coração
Herói
Sabia que ele era diferente, em sua sexualidade
Fui para suas festas, como uma minoria hetera
Isso nunca pareceu uma ameaça para minha masculinidade
Ele só me apresentou uma realidade mais ampla
Com o passar dos anos, nós nos afastamos
Quando soube que ele havia falecido
Senti uma sombra atravessar meu coração
Mas ele é um anônimo -
Herói - salva uma criança se afogando
Cura uma doença devastadora
Herói - pousa um avião danificado
Resolve grandes mistérios
Herói - não o galã
Que faz o papel de herói
Herói - não a bela moça
Que adoraria vender sua alma
Se alguém comprar
HERÓI ANÔNIMO
Não conhecia a menina, mas conhecia sua família
Todas aquelas vidas foram despedaçadas
Em um pesadelo de brutalidade
Eles tentam continuar, tentam suportar a agonia
Tentam manter a fé
na bondade da humanidade
Com o passar dos anos, nós nos afastamos
Quando soube que ela havia falecido
Senti uma sombra atravessar meu coração
Mas ela é uma anônima -
Herói - a voz da razão
Contra uma multidão vociferante
Herói - o orgulho do ofício
Em um trabalho mal remunerado
Herói - não o campeão
Que faz o jogo perfeito
Não o belo rapaz
Que adora vender seu nome
E que todos compram
HERÓI ANÔNIMO
Com o passar dos anos, nós nos afastamos
Quando soube que vocês haviam falecido
Senti uma sombra atravessar meu coração
Herói
Um olhar sobre o verdadeiro heroísmo
"Nobody's Hero" é a quarta canção do álbum Counterparts. Após a impactante e vibrante detonação das três faixas anteriores, o Rush decide por diminuir seu ritmo, apresentando uma peça mais suave e comovente que considera de maneira instigante o conceito de heroísmo, questionando os modelos fabricados ao elevar feitos de pessoas comuns.
Guiada primordialmente por violões, que desembocam numa atmosfera folk com forte apelo emocional, "Nobody's Hero" expõe criações instrumentais muito sensíveis, trazendo inclusive orquestrações organizadas e conduzidas pelo compositor, maestro e arranjador norte-americano Michael Kamen (1948 - 2003). A canção funciona como um elemento atenuador no peso marcante do álbum, ainda oferecendo a proposta lírica quase conceitual de expor dualidades sobre temas geralmente intocáveis ou pouco visitados pelas pessoas.
"Peter Collins trabalhou com Michael Kamen várias vezes, sendo ideia de Peter colocar as cordas em 'Nobody's Hero'", explica Geddy. "Michael estava trabalhando no filme O Último Grande Herói [Last Action Hero], e não tínhamos certeza de sua disponibilidade. Assim, comecei a montar algumas ideias que soassem como cordas, estas que, por fim, acabaram sendo incorporadas no arranjo".
"Musicalmente, a guitarra de Alex soa como um sino entre os versos", explica Peart. "O corte é construído em torno de um vaguear obscuro das linhas de baixo e percussão, como uma banda marcial atravessando o cenário de um rufar de tambores".
"Na última turnê, falamos várias vezes sobre a necessidade de nos concentrarmos mais como um trio, recapturando um pouco da forte energia que costumávamos sentir antes de cedermos aos teclados um papel preponderante na imagem da nossa música", diz Alex. "Certamente, o estilo de gravação do engenheiro Kevin Shirley foi bem direto, capturando no gravador o mínimo de resistência nos auto-falantes. Era apenas a questão de ligá-los e microfoná-los, livres de quaisquer efeitos. Entramos em alguns mais tarde, porém, para a maior parte das guitarras e para as faixas básicas, apenas seguimos em frente com essa proposta".
Assim como na canção "Afterimage", do álbum Grace Under Pressure (1984), Peart visita em "Nobody's Hero" a morte trágica de duas pessoas comuns. Na primeira estrofe, o letrista relata sua convivência com um antigo amigo homossexual chamado Ellis, que conheceu quando morou em Londres em 1971 (período em que ainda buscava o sonho de tornar-se um músico reconhecido, investida que deu vida à Circumstances, faixa do álbum Hemispheres, de 1978). Ellis era soropositivo, falecendo no fim da década de 1980. A segunda parte da música é dedicada à Kristen French, uma adolescente de apenas quinze anos que foi brutalmente assassinada pelo serial killer canadense Paul Bernardo, em 1992. O crime ocorreu na cidade natal de Peart, Port Dalhousie (Canadá) e chocou a opinião pública pelos terríveis requintes de crueldade. Apenas um mês antes de seu aniversário de 16 anos, Kristen voltava da escola quando foi abordada pelo assassino e por sua cúmplice, Karla Homolka, sob o pretexto de informações que necessitavam. Enquanto Kristen ajudava Homolka na verificação de alguns mapas, Bernardo a atacou por trás e forçou-a a entrar no carro com uma faca. Durante três dias, o casal filmou as torturas e abusos sexuais cometidos contra a jovem, enquanto forçavam-na a ingerir grandes quantidades de álcool. Em 19 de abril daquele ano, seu corpo nu foi encontrado em uma vala. O baterista, como mencionado na letra da canção, conhecia a família da moça.
Peart recorda o começo de sua grande amizade com Ellis:
"Caminhava pela Praça Piccadilly Circus e, repentinamente, reconheci um rosto familiar. Era Sheldon Atos, de St. Catharines, que trabalhava para uma cadeia de lojas de turismo na Carnaby Street. O chefe de Sheldon, Bud, empregava aproximadamente vinte jovens das mais variadas nacionalidades, e seu único prejuízo era com os ingleses, pois ele os achava muito preguiçosos. Contudo, tal opinião excluía Ellis e Mary, ambos homossexuais que eram, possivelmente, mais 'aceitáveis' para Bud do que os ingleses comuns. De qualquer forma, Ellis e Mary logo se tornaram dois dos meus amigos mais próximos - os primeiros gays que conheci abertamente. Digo isso não apenas como um padrão de tolerância, mas de apreciação pela vida. Ellis, o herói sobre o qual escrevo, faleceu em decorrência da AIDS no fim dos anos 80".
"Tinha apenas 18 anos quando o conheci, e ele costumava me levar para suas festas, algo que nunca foi um problema para mim", esclarece o baterista. "Da mesma forma que exponho na canção, Ellis me apresentou uma outra realidade".
Sobre a segunda parte de "Nobody's Hero", Peart declara: "No segundo verso, aconteceu de eu conhecer a família na qual essa terrível tragédia havia acontecido, pensando no buraco que a menina havia deixado naquelas vidas. Pessoas como essas tiveram mais impacto em mim do que qualquer herói, mas, ao mesmo tempo, em nossa maneira ocidental de ver as coisas, foram heróis anônimos".
Em "Nobody's Hero", Peart propõe um confronto sobre os conceitos de heroísmo, criticando a tendência de imaginarmos como heróis apenas pessoas que supomos perfeitas e sobre-humanas, personagens que geralmente são criados pela mídia ou por outros artifícios. Em contrapartida, acabamos não dando importância aos bons exemplos anônimos, estes que surgem bem mais próximos de nós. Heróis que jamais receberam sequer uma medalha ou uma menção honrosa, que jamais proferiram discursos para plateias admiradas e tão pouco construíram fortuna.
"Tudo começou com a observação da ideia ocidental de herói", explica Peart. "Finalmente, cheguei aos atletas, artistas e políticos - pessoas que são supostamente colocadas como super humanos sem falhas. Uma criança cresce achando que um herói é uma divindade sobre-humana que está além dos limites mortais normais. Como podem aspirar atingir isso? Porque admirar tanto essas pessoas, ao invés de alguém que trabalhou 25 anos exercendo uma habilidade, ou alguém no bairro que é um bom exemplo para as pessoas?".
"Porque as pessoas esperam esses super humanos, porque esperam funções não-biológicas dos seus heróis? Pessoas como as estrelas de cinema, como o Michael Jackson ou Michael Jordan, são colocadas, de alguma forma, acima de qualquer mácula terrena. Isso é algo que certamente as deforma, sendo muito pouco saudável para seus admiradores também".
"'Nobody's Hero' foi um grande desafio, pois decidi não começá-la com aqueles pequenos desenhos autobiográficos. Iniciei com um tema abstrato sobre ser um herói, verificando se isso era algo bom. Através de conversas com meus amigos durante a última turnê, e todas aquelas sessões de brainstorming na qual você mergulha com pessoas da mesma opinião, um dos temas mais comuns que encontrei foi o conceito do que um verdadeiro herói é e não é. Eu tinha a memória de um amigo da Inglaterra, a primeira pessoa gay que conheci, sendo um exemplo importante e muito bom pra mim. Era um contraponto que eu queria levantar sobre esse conceito pré-estabelecido de heroísmo".
"Quando a composição em primeira pessoa aparece, como no caso de 'Nobody's Hero', é para conseguir uma inclinação pessoal em um tema universal bem abstrato".
"Ainda convivemos com pessoas que vivem vidas heroicas tranquilas, e acabamos não nos importando tanto com elas até morrerem. 'Nobody's' Hero é uma canção trágica, mas tentamos trazer também um sentimento edificante de esperança".
Na época do lançamento de Counterparts, algumas pessoas acreditavam que Peart dizia com "Nobody's Hero" que estava cansado de ver a mídia retratando pessoas com AIDS e mulheres estupradas como figuras heroicas. Mas o baterista explicou que era exatamente o oposto.
"Se as pessoas acham que discutir homossexualidade é controverso, então têm vivido alienadas. 'Nobody's Hero' provavelmente irá polarizar as pessoas, apesar da AIDS ser apenas uma parte do tema lírico, sobre o qual provavelmente irão tirar conclusões precipitadas. Isso é problema delas. Não me preocupo com isso, se é algo corajoso, tolo ou o que quer que seja. Quando as coisas te afetam, você fala sobre elas e as mesmas saem em sua música, deixando a imaginação voar. Nunca tive a menor ideia de que essa canção poderia ser interpretada como controversa, até alguém apontar para mim depois de que havíamos terminado o disco. Acho que isso se deu porque sempre trabalhei no ramo musical, que é um ambiente muito tolerante".
Sobre a composição da canção, Geddy diz: "Trata-se de uma música muito pessoal para Neil por uma série de razões, pois ele escreve sobre pessoas que conheceu de verdade. Uma delas morreu em decorrência da AIDS, e a outra foi vitima de um crime terrível no Canadá. A questão aqui é pensar sobre a perda de um anônimo. Alguém é herói de verdade? Sentimos que perdemos de fato uma pessoa só quando se trata de um famoso? E aqueles que falecem no silêncio e no anonimato? Foi isso que o inspirou a escrever essa faixa, pensando sobre a quantidade imensa de pessoas que perdemos sem qualquer proclamação. Eu e Alex captamos fortemente o que ele desejava, colocando o máximo de coração nela".
Assim como em "Stick It Out", o Rush também preparou um vídeo para "Nobody's Hero", dessa vez em parceria com o diretor canadense Dale Heslip. "Fizemos essas duas ["Stick It out" e Nobody's Hero"] puramente como singles promocionais de rádio, e com vídeos acompanhando", diz Lifeson. "Sentimos que era o suficiente. Nos vídeos, você precisa fazer uma interpretação da canção, algo que limita o expectador sobre o significado das letras - ao invés de deixarmos as pessoas veem as coisas a partir dos seus próprios pontos de vista".
As imagens sombrias do vídeo de "Nobody's Hero" mostram várias pessoas em suas diferentes atribuições, como professores, estudantes, torcedores, zeladores, taxistas e astronautas. Todos aparecem com os rostos cobertos por máscaras, o que ilustra perfeitamente a ideia de que os verdadeiros heróis são os anônimos da vida real.
"Se os heróis estão nos esportes ou no mundo do entretenimento para as pessoas, eles tendem a ser comprados ou vendidos como perfeitos", afirma Peart. "Mas os protagonistas da canção são meros mortais, falhos e humanos, que amam verdadeiramente. E o mais importante: são reais".
"Acredito que Hollywood inventou essa ideia de semideuses e da divindade de uma atriz ou ator. E depois vieram os esportes, com seus atletas que também são admirados como verdadeiros deuses, até ficarem velhos ou doentes. Isso, a princípio, parece muito bom, algo que não representa nenhum mal e que talvez possa inspirar os jovens. Porém, por outro lado, pode também parecer desencorajador, visto que, quando você está crescendo, torna-se dolorosamente consciente das suas falhas e limitações, e talvez esse fato possa fazê-lo se sentir muito longe de qualquer ideal de perfeição".
"Um modelo de conduta é bom porque não há nenhum aspecto de divindade ou perfeição sobre-humana nele - sendo apenas, 'a direção que eu queria tomar, e aqui está uma pessoa fazendo da maneira que eu queria fazer'. Acho que a natureza do heroísmo deveria ser um pouco mais saudável, algo que já havia me tocado em canções como 'Limelight' [de Moving Pictures, 1981] e 'Superconductor' [de Presto, 1989], nas quais falei sobre como a natureza da fama afeta as pessoas. Estou envolvido nesse mundo há muito tempo, vendo pessoas afetadas pela famosidade e pela natureza daquele tipo de deificação. Não era algo saudável, então comecei a pensar, 'Bem, talvez na ideia moderna, o heroísmo do mundo ocidental no século 20 não seja tão bom'".
"Trouxe um conceito de pessoas que foram significativas o bastante em minha própria vida, e com méritos - quase com a ideia de heroísmo. Elas mudaram minha vida e, no caso do primeiro 'herói anônimo' sendo a primeira pessoa gay que conheci, foi um grande exemplo ocupando um espaço heroico na minha vida. Ele me impediu de ser homofóbico ou de pensar que havia alguma doença ou algo não natural sobre esse assunto, e tudo porque apenas o conheci, trabalhando com ele quando morava em Londres, indo para suas festas e com tudo sendo apenas muito casual. Então, como é dito na canção, nos separamos geograficamente, mas nos afastamos bem. Quando soube que ele havia falecido em decorrência da AIDS, foi como se um buraco tivesse sido deixado e, ao mesmo tempo, seu exemplo brilhante acabou sendo definido em mim. Portanto, sua vida não foi em vão, mas seu heroísmo ficou numa arena muito pequena".
"Refleti bastante ao longo dos últimos dois anos sobre a natureza do heroísmo, o 'modelo de comportamento' que deveria ser, e as diferenças entre essas duas vertentes. Esse pensamento se manifesta na música. Um modelo de comportamento é, obviamente, um exemplo muito positivo do que pode ser excelente, e penso que, com toda humildade e orgulho, o Rush tem sido um bom modelo para outras bandas".
Concluindo os pensamentos sobre "Nobody's Hero", Peart diz:
"As pessoas retratadas na canção foram mais importantes na minha vida do que qualquer um dos heróis da mídia. Pessoas comuns podem ser heroicas. Eu acredito no heroísmo cotidiano".
© 2015 Rush Fã-Clube Brasil
"Nobody's Hero" é a quarta canção do álbum Counterparts. Após a impactante e vibrante detonação das três faixas anteriores, o Rush decide por diminuir seu ritmo, apresentando uma peça mais suave e comovente que considera de maneira instigante o conceito de heroísmo, questionando os modelos fabricados ao elevar feitos de pessoas comuns.
Guiada primordialmente por violões, que desembocam numa atmosfera folk com forte apelo emocional, "Nobody's Hero" expõe criações instrumentais muito sensíveis, trazendo inclusive orquestrações organizadas e conduzidas pelo compositor, maestro e arranjador norte-americano Michael Kamen (1948 - 2003). A canção funciona como um elemento atenuador no peso marcante do álbum, ainda oferecendo a proposta lírica quase conceitual de expor dualidades sobre temas geralmente intocáveis ou pouco visitados pelas pessoas.
"Peter Collins trabalhou com Michael Kamen várias vezes, sendo ideia de Peter colocar as cordas em 'Nobody's Hero'", explica Geddy. "Michael estava trabalhando no filme O Último Grande Herói [Last Action Hero], e não tínhamos certeza de sua disponibilidade. Assim, comecei a montar algumas ideias que soassem como cordas, estas que, por fim, acabaram sendo incorporadas no arranjo".
"Musicalmente, a guitarra de Alex soa como um sino entre os versos", explica Peart. "O corte é construído em torno de um vaguear obscuro das linhas de baixo e percussão, como uma banda marcial atravessando o cenário de um rufar de tambores".
"Na última turnê, falamos várias vezes sobre a necessidade de nos concentrarmos mais como um trio, recapturando um pouco da forte energia que costumávamos sentir antes de cedermos aos teclados um papel preponderante na imagem da nossa música", diz Alex. "Certamente, o estilo de gravação do engenheiro Kevin Shirley foi bem direto, capturando no gravador o mínimo de resistência nos auto-falantes. Era apenas a questão de ligá-los e microfoná-los, livres de quaisquer efeitos. Entramos em alguns mais tarde, porém, para a maior parte das guitarras e para as faixas básicas, apenas seguimos em frente com essa proposta".
Assim como na canção "Afterimage", do álbum Grace Under Pressure (1984), Peart visita em "Nobody's Hero" a morte trágica de duas pessoas comuns. Na primeira estrofe, o letrista relata sua convivência com um antigo amigo homossexual chamado Ellis, que conheceu quando morou em Londres em 1971 (período em que ainda buscava o sonho de tornar-se um músico reconhecido, investida que deu vida à Circumstances, faixa do álbum Hemispheres, de 1978). Ellis era soropositivo, falecendo no fim da década de 1980. A segunda parte da música é dedicada à Kristen French, uma adolescente de apenas quinze anos que foi brutalmente assassinada pelo serial killer canadense Paul Bernardo, em 1992. O crime ocorreu na cidade natal de Peart, Port Dalhousie (Canadá) e chocou a opinião pública pelos terríveis requintes de crueldade. Apenas um mês antes de seu aniversário de 16 anos, Kristen voltava da escola quando foi abordada pelo assassino e por sua cúmplice, Karla Homolka, sob o pretexto de informações que necessitavam. Enquanto Kristen ajudava Homolka na verificação de alguns mapas, Bernardo a atacou por trás e forçou-a a entrar no carro com uma faca. Durante três dias, o casal filmou as torturas e abusos sexuais cometidos contra a jovem, enquanto forçavam-na a ingerir grandes quantidades de álcool. Em 19 de abril daquele ano, seu corpo nu foi encontrado em uma vala. O baterista, como mencionado na letra da canção, conhecia a família da moça.
Peart recorda o começo de sua grande amizade com Ellis:
"Caminhava pela Praça Piccadilly Circus e, repentinamente, reconheci um rosto familiar. Era Sheldon Atos, de St. Catharines, que trabalhava para uma cadeia de lojas de turismo na Carnaby Street. O chefe de Sheldon, Bud, empregava aproximadamente vinte jovens das mais variadas nacionalidades, e seu único prejuízo era com os ingleses, pois ele os achava muito preguiçosos. Contudo, tal opinião excluía Ellis e Mary, ambos homossexuais que eram, possivelmente, mais 'aceitáveis' para Bud do que os ingleses comuns. De qualquer forma, Ellis e Mary logo se tornaram dois dos meus amigos mais próximos - os primeiros gays que conheci abertamente. Digo isso não apenas como um padrão de tolerância, mas de apreciação pela vida. Ellis, o herói sobre o qual escrevo, faleceu em decorrência da AIDS no fim dos anos 80".
"Tinha apenas 18 anos quando o conheci, e ele costumava me levar para suas festas, algo que nunca foi um problema para mim", esclarece o baterista. "Da mesma forma que exponho na canção, Ellis me apresentou uma outra realidade".
Sobre a segunda parte de "Nobody's Hero", Peart declara: "No segundo verso, aconteceu de eu conhecer a família na qual essa terrível tragédia havia acontecido, pensando no buraco que a menina havia deixado naquelas vidas. Pessoas como essas tiveram mais impacto em mim do que qualquer herói, mas, ao mesmo tempo, em nossa maneira ocidental de ver as coisas, foram heróis anônimos".
Em "Nobody's Hero", Peart propõe um confronto sobre os conceitos de heroísmo, criticando a tendência de imaginarmos como heróis apenas pessoas que supomos perfeitas e sobre-humanas, personagens que geralmente são criados pela mídia ou por outros artifícios. Em contrapartida, acabamos não dando importância aos bons exemplos anônimos, estes que surgem bem mais próximos de nós. Heróis que jamais receberam sequer uma medalha ou uma menção honrosa, que jamais proferiram discursos para plateias admiradas e tão pouco construíram fortuna.
"Tudo começou com a observação da ideia ocidental de herói", explica Peart. "Finalmente, cheguei aos atletas, artistas e políticos - pessoas que são supostamente colocadas como super humanos sem falhas. Uma criança cresce achando que um herói é uma divindade sobre-humana que está além dos limites mortais normais. Como podem aspirar atingir isso? Porque admirar tanto essas pessoas, ao invés de alguém que trabalhou 25 anos exercendo uma habilidade, ou alguém no bairro que é um bom exemplo para as pessoas?".
"Porque as pessoas esperam esses super humanos, porque esperam funções não-biológicas dos seus heróis? Pessoas como as estrelas de cinema, como o Michael Jackson ou Michael Jordan, são colocadas, de alguma forma, acima de qualquer mácula terrena. Isso é algo que certamente as deforma, sendo muito pouco saudável para seus admiradores também".
"'Nobody's Hero' foi um grande desafio, pois decidi não começá-la com aqueles pequenos desenhos autobiográficos. Iniciei com um tema abstrato sobre ser um herói, verificando se isso era algo bom. Através de conversas com meus amigos durante a última turnê, e todas aquelas sessões de brainstorming na qual você mergulha com pessoas da mesma opinião, um dos temas mais comuns que encontrei foi o conceito do que um verdadeiro herói é e não é. Eu tinha a memória de um amigo da Inglaterra, a primeira pessoa gay que conheci, sendo um exemplo importante e muito bom pra mim. Era um contraponto que eu queria levantar sobre esse conceito pré-estabelecido de heroísmo".
"Quando a composição em primeira pessoa aparece, como no caso de 'Nobody's Hero', é para conseguir uma inclinação pessoal em um tema universal bem abstrato".
"Ainda convivemos com pessoas que vivem vidas heroicas tranquilas, e acabamos não nos importando tanto com elas até morrerem. 'Nobody's' Hero é uma canção trágica, mas tentamos trazer também um sentimento edificante de esperança".
Na época do lançamento de Counterparts, algumas pessoas acreditavam que Peart dizia com "Nobody's Hero" que estava cansado de ver a mídia retratando pessoas com AIDS e mulheres estupradas como figuras heroicas. Mas o baterista explicou que era exatamente o oposto.
"Se as pessoas acham que discutir homossexualidade é controverso, então têm vivido alienadas. 'Nobody's Hero' provavelmente irá polarizar as pessoas, apesar da AIDS ser apenas uma parte do tema lírico, sobre o qual provavelmente irão tirar conclusões precipitadas. Isso é problema delas. Não me preocupo com isso, se é algo corajoso, tolo ou o que quer que seja. Quando as coisas te afetam, você fala sobre elas e as mesmas saem em sua música, deixando a imaginação voar. Nunca tive a menor ideia de que essa canção poderia ser interpretada como controversa, até alguém apontar para mim depois de que havíamos terminado o disco. Acho que isso se deu porque sempre trabalhei no ramo musical, que é um ambiente muito tolerante".
Sobre a composição da canção, Geddy diz: "Trata-se de uma música muito pessoal para Neil por uma série de razões, pois ele escreve sobre pessoas que conheceu de verdade. Uma delas morreu em decorrência da AIDS, e a outra foi vitima de um crime terrível no Canadá. A questão aqui é pensar sobre a perda de um anônimo. Alguém é herói de verdade? Sentimos que perdemos de fato uma pessoa só quando se trata de um famoso? E aqueles que falecem no silêncio e no anonimato? Foi isso que o inspirou a escrever essa faixa, pensando sobre a quantidade imensa de pessoas que perdemos sem qualquer proclamação. Eu e Alex captamos fortemente o que ele desejava, colocando o máximo de coração nela".
Assim como em "Stick It Out", o Rush também preparou um vídeo para "Nobody's Hero", dessa vez em parceria com o diretor canadense Dale Heslip. "Fizemos essas duas ["Stick It out" e Nobody's Hero"] puramente como singles promocionais de rádio, e com vídeos acompanhando", diz Lifeson. "Sentimos que era o suficiente. Nos vídeos, você precisa fazer uma interpretação da canção, algo que limita o expectador sobre o significado das letras - ao invés de deixarmos as pessoas veem as coisas a partir dos seus próprios pontos de vista".
As imagens sombrias do vídeo de "Nobody's Hero" mostram várias pessoas em suas diferentes atribuições, como professores, estudantes, torcedores, zeladores, taxistas e astronautas. Todos aparecem com os rostos cobertos por máscaras, o que ilustra perfeitamente a ideia de que os verdadeiros heróis são os anônimos da vida real.
"Se os heróis estão nos esportes ou no mundo do entretenimento para as pessoas, eles tendem a ser comprados ou vendidos como perfeitos", afirma Peart. "Mas os protagonistas da canção são meros mortais, falhos e humanos, que amam verdadeiramente. E o mais importante: são reais".
"Acredito que Hollywood inventou essa ideia de semideuses e da divindade de uma atriz ou ator. E depois vieram os esportes, com seus atletas que também são admirados como verdadeiros deuses, até ficarem velhos ou doentes. Isso, a princípio, parece muito bom, algo que não representa nenhum mal e que talvez possa inspirar os jovens. Porém, por outro lado, pode também parecer desencorajador, visto que, quando você está crescendo, torna-se dolorosamente consciente das suas falhas e limitações, e talvez esse fato possa fazê-lo se sentir muito longe de qualquer ideal de perfeição".
"Um modelo de conduta é bom porque não há nenhum aspecto de divindade ou perfeição sobre-humana nele - sendo apenas, 'a direção que eu queria tomar, e aqui está uma pessoa fazendo da maneira que eu queria fazer'. Acho que a natureza do heroísmo deveria ser um pouco mais saudável, algo que já havia me tocado em canções como 'Limelight' [de Moving Pictures, 1981] e 'Superconductor' [de Presto, 1989], nas quais falei sobre como a natureza da fama afeta as pessoas. Estou envolvido nesse mundo há muito tempo, vendo pessoas afetadas pela famosidade e pela natureza daquele tipo de deificação. Não era algo saudável, então comecei a pensar, 'Bem, talvez na ideia moderna, o heroísmo do mundo ocidental no século 20 não seja tão bom'".
"Trouxe um conceito de pessoas que foram significativas o bastante em minha própria vida, e com méritos - quase com a ideia de heroísmo. Elas mudaram minha vida e, no caso do primeiro 'herói anônimo' sendo a primeira pessoa gay que conheci, foi um grande exemplo ocupando um espaço heroico na minha vida. Ele me impediu de ser homofóbico ou de pensar que havia alguma doença ou algo não natural sobre esse assunto, e tudo porque apenas o conheci, trabalhando com ele quando morava em Londres, indo para suas festas e com tudo sendo apenas muito casual. Então, como é dito na canção, nos separamos geograficamente, mas nos afastamos bem. Quando soube que ele havia falecido em decorrência da AIDS, foi como se um buraco tivesse sido deixado e, ao mesmo tempo, seu exemplo brilhante acabou sendo definido em mim. Portanto, sua vida não foi em vão, mas seu heroísmo ficou numa arena muito pequena".
"Refleti bastante ao longo dos últimos dois anos sobre a natureza do heroísmo, o 'modelo de comportamento' que deveria ser, e as diferenças entre essas duas vertentes. Esse pensamento se manifesta na música. Um modelo de comportamento é, obviamente, um exemplo muito positivo do que pode ser excelente, e penso que, com toda humildade e orgulho, o Rush tem sido um bom modelo para outras bandas".
Concluindo os pensamentos sobre "Nobody's Hero", Peart diz:
"As pessoas retratadas na canção foram mais importantes na minha vida do que qualquer um dos heróis da mídia. Pessoas comuns podem ser heroicas. Eu acredito no heroísmo cotidiano".
© 2015 Rush Fã-Clube Brasil
PEART, N. "Reflections In A Wilderness Of Mirrors : The Counterparts Tour Book". 1993.
PEART, N. "Traveling Music: The Soundtrack to My Life and Times". ECW Press. September 1, 2004.
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THE WORLD ALBUM PREMIER OF 'COUNTERPARTS'. Broadcast. October 14, 1993.
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