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RESIST LIMBO CARVE AWAY THE STONE
Música por Geddy Lee, Alex Lifeson e Neil Peart
Uma viagem instrumental dantesca
A décima faixa de Test For Echo é "Limbo". Permanecendo na fórmula dos anteriores Roll The Bones (1991) e Counterparts (1993), o Rush inclui novamente uma faixa instrumental como parte especial de seus trabalhos. Um exercício de auto-indulgência com uma pitada dantesca pode ser a maneira perfeita para descrever "Limbo" - habilidades musicais em ebulição.
Com uma introdução enigmática, a investida tem como primeiro passo o dueto entre os tambores iniciais de Neil Peart e as cordas graves e inconfundíveis de Geddy Lee - diálogo que logo cede espaço para uma tensão controlada. A viagem ao Limbo flui em um riff certeiro de Alex Lifeson, envolto por guitarras polidas que se propõem a construir um cenário relativamente soturno. Uma ponte revestida de harmônicos e experimentações rítmicas conduzem ao refrão, onde teclados incitam o clima adverso que conduz o ouvinte a um local perdido imaginado, com a angústia sendo encarnada por vozes desesperadas. A cada repetição das sessões iniciais, mais camadas de guitarras se revelam como pequenas variações do tema principal.
Peart experimenta novamente sua paixão por padrões africanos numa segunda ponte. Ares cada vez mais inóspitos trazem outra sinistra mistura entre sintetizadores e vocalizações, conduzindo o ouvinte a um vislumbre dos primeiros momentos, dessa vez revestidos por uma virada jazzística. Outra conversa misteriosa entre baixo e percussão se revela, com guitarras espalhadas por todo o ambiente disfarçando a agressividade da seção. A música novamente é repetida, e um dos instrumentais mais brilhantes do álbum expõe uma cena mais iluminada para um clímax perfeito.
Alguns elementos curiosos ajudam integrar a atmosfera assustadora de "Limbo". A faixa traz, em seu início, sons de líquidos borbulhantes e correntes, e no trecho mediano são proferidas algumas frases intencionalmente confusas e enigmáticas, como "Whatever happened to my Transylvania twist?" e "Mmmm, Mash goooood". Esses componentes foram extraídos de uma canção nonsense chamada "Monster Mash", gravada em 1962 pelo cantor norte-americano Bobby 'Boris' Pickett (1938 - 2007) e originalmente lançada no disco The Original Monster Mash, que traz temas inspirados em festas de Halloween e filmes de terror. A construção de "Limbo", por sua vez, foi realizada a partir de vários trechos de jams e ideias que a banda já trazia na manga, o que a caracteriza como um grande Frankenstein.
"Essa canção instrumental nasceu de trechos que estavam no 'limbo'", explica Peart. "Fiquei preso à 'Monster Mash', e tentávamos usar a Internet para conseguir algumas de suas palavras, pois não me mais lembrava delas. Um dos caras da produção era fera no assunto. Dessa forma, disse, 'Aqui está sua chance: vá até lá e consiga essa letra para nós'. Bem, ele foi para a Internet e trouxe a letra, mas estava errada! Depois de várias piadas, nosso coprodutor Peter Collins saiu e comprou um CD que trazia uma coletânea de várias músicas engraçadas como essa. Ouvimos o mesmo, pensando sobre o quão divertido seria utilizar alguns daqueles trechos como samplers. Por fim, tivemos que conseguir uma permissão especial para isso, pagando por eles e tudo mais. É estranho, pois você só quer fazer uma piada e as pessoas querem que você consiga uma permissão - e que pague por isso".
"Sempre adoramos fazer instrumentais, e nas poucas vezes que elas não apareceram num álbum é porque roubamos algumas de suas seções para outras músicas. Dessa vez, tínhamos vários pedaços bons feitos por Alex e Geddy que sobraram desses recortes, e para os quais nunca havíamos encontrado um lugar. Assim, partimos para unir esses trechos, a fim de formarmos algo".
"Criar uma música é a nossa maior diversão", diz Geddy. "Enquanto compomos, não sentimos remorsos em manter quaisquer convenções. Sempre reservamos esse prazer para nós mesmos no final de uma sessão de gravação. Quando todas as outras peças estão prontas, podemos então relaxar e brincar com várias ideias musicais. Poderia ter nascido qualquer coisa, e foi assim que viemos com o título 'Limbo', por ele descrever com muita precisão o caráter da música. Foi montada a partir de vários fragmentos que eram executados em nossas cabeças durante muito tempo, mas que nunca funcionaram. Levamos os mesmos para o estúdio e começamos a descobrir como colocá-los juntos em uma obra maior, conectando-os e preenchendo-os. Portanto 'Limbo' é uma mistura estranha e louca - um mundo estranho".
"Buscamos um som mais seco para esse álbum", continua o baixista. "Foi como voltar um pouco aos álbuns do começo. As guitarras fizeram um ótimo trabalho. Deixamos de lado os pads e utilizamos mais os teclados para as melodias de contraponto, e não apenas para preencher os espaços. Há teclados em 'Limbo', mas eles são bem sutis. Acho que, em certo sentido, eliminamos as texturas, pois descobrimos que elas foram absorvendo os espaços da guitarra".
Na época de lançamento de Test For Echo, algumas notas incitavam que "Limbo" seria, na verdade, uma paródia sobre o polêmico comentarista político norte-americano Rush Limbaugh, astro de um popular programa de rádio que defende posições direitistas e republicanas.
"Acho que o próprio título é uma piada - vamos colocar assim", diz Geddy. Não tem nada a ver com a música. Acho que não conseguimos resistir ao trocadilho de ter Limbo e Rush na mesma frase".
"Essa canção não tem absolutamente nada a ver com Rush Limbaugh", explica Alex. "Nós nunca escreveríamos uma canção que tivesse a ver com ele. Apenas achamos que seria divertido brincar com as palavras 'Rush' e 'Limbo'. Sempre trouxemos muita diversão para nossas instrumentais. Foi algo de última hora, como a maioria das nossas nesse formato. Neil já estava trabalhando em suas partes de bateria para todas as outras quando jogamos essa no colo dele, dizendo, 'Segure aí mais uma para aprender'. Ela veio tão tarde que ainda estávamos fazendo as faixas rítmicas no estúdio, no mesmo momento em que alterávamos seus arranjos. Assim, ela veio realmente no último minuto, algo que acaba sendo bem divertido. A pressão sobre ela foi essencial".
"Trata-se de um tipo de reflexão tardia. Uma vez que temos todas aquelas coisas fora do nosso caminho, como os arranjos e todo o desenvolvimento que é feito na pré-produção, partimos para uma instrumental, fazendo mais para nós mesmos do que para qualquer outra coisa. É apenas diversão".
É possível que a construção e a atmosfera de "Limbo" tenham sido influenciadas pelo poema épico e teológico da literatura italiana A Divina Comédia, escrito por Dante Alighieri no século XIV. A obra propõe uma viagem do próprio Dante aos chamados três reinos do outro mundo: o Inferno, o Purgatório e o Paraíso. Dante e seu guia e mentor Virgílio chegam ao Inferno (composto por nove círculos de sofrimento), e entre o ante-inferno e o primeiro círculo eles se deparam o rio Aqueronte, no qual se encontra Caronte, um barqueiro que faz a travessia das almas. Eles atravessam o rio e, após um desmaio e um abismo repleto de gritos de pecadores, chegam ao Limbo, local onde estão aqueles que morreram antes da chegada de Jesus ao mundo, além dos pagãos virtuosos, e dos não-batizados, principalmente crianças. As almas são fadadas a vagar sem destino na mais completa escuridão e onde não é possível enxergar nada - uma representação das mentes que nunca foram iluminadas pela mensagem do Evangelho. Na mitologia clássica, o Limbo não se localizava no Inferno, mas sim suspenso entre o céu e o mundo dos mortos.
Na teologia cristã, o Limbo (do latim limbus: orla, margem) era um conceito religioso de caráter escatológico. Para a Igreja Católica, significava "um lugar fora dos limites do Céu, onde se vive de forma esquecida, sem a visão plena da eternidade e privado da visão beatificada de Deus". Seria uma dimensão para onde iriam as almas inocentes que, sem terem cometido pecados mortais, estariam para sempre privadas da presença de Criador, pois seu pecado original não teria sido submetido à remissão através do batismo. Iriam para o Limbo, por exemplo, as crianças não-batizadas e as almas justas que teriam vivido antes da existência terrena de Jesus Cristo.
© 2016 Rush Fã-Clube Brasil
A décima faixa de Test For Echo é "Limbo". Permanecendo na fórmula dos anteriores Roll The Bones (1991) e Counterparts (1993), o Rush inclui novamente uma faixa instrumental como parte especial de seus trabalhos. Um exercício de auto-indulgência com uma pitada dantesca pode ser a maneira perfeita para descrever "Limbo" - habilidades musicais em ebulição.
Com uma introdução enigmática, a investida tem como primeiro passo o dueto entre os tambores iniciais de Neil Peart e as cordas graves e inconfundíveis de Geddy Lee - diálogo que logo cede espaço para uma tensão controlada. A viagem ao Limbo flui em um riff certeiro de Alex Lifeson, envolto por guitarras polidas que se propõem a construir um cenário relativamente soturno. Uma ponte revestida de harmônicos e experimentações rítmicas conduzem ao refrão, onde teclados incitam o clima adverso que conduz o ouvinte a um local perdido imaginado, com a angústia sendo encarnada por vozes desesperadas. A cada repetição das sessões iniciais, mais camadas de guitarras se revelam como pequenas variações do tema principal.
Peart experimenta novamente sua paixão por padrões africanos numa segunda ponte. Ares cada vez mais inóspitos trazem outra sinistra mistura entre sintetizadores e vocalizações, conduzindo o ouvinte a um vislumbre dos primeiros momentos, dessa vez revestidos por uma virada jazzística. Outra conversa misteriosa entre baixo e percussão se revela, com guitarras espalhadas por todo o ambiente disfarçando a agressividade da seção. A música novamente é repetida, e um dos instrumentais mais brilhantes do álbum expõe uma cena mais iluminada para um clímax perfeito.
Alguns elementos curiosos ajudam integrar a atmosfera assustadora de "Limbo". A faixa traz, em seu início, sons de líquidos borbulhantes e correntes, e no trecho mediano são proferidas algumas frases intencionalmente confusas e enigmáticas, como "Whatever happened to my Transylvania twist?" e "Mmmm, Mash goooood". Esses componentes foram extraídos de uma canção nonsense chamada "Monster Mash", gravada em 1962 pelo cantor norte-americano Bobby 'Boris' Pickett (1938 - 2007) e originalmente lançada no disco The Original Monster Mash, que traz temas inspirados em festas de Halloween e filmes de terror. A construção de "Limbo", por sua vez, foi realizada a partir de vários trechos de jams e ideias que a banda já trazia na manga, o que a caracteriza como um grande Frankenstein.
"Essa canção instrumental nasceu de trechos que estavam no 'limbo'", explica Peart. "Fiquei preso à 'Monster Mash', e tentávamos usar a Internet para conseguir algumas de suas palavras, pois não me mais lembrava delas. Um dos caras da produção era fera no assunto. Dessa forma, disse, 'Aqui está sua chance: vá até lá e consiga essa letra para nós'. Bem, ele foi para a Internet e trouxe a letra, mas estava errada! Depois de várias piadas, nosso coprodutor Peter Collins saiu e comprou um CD que trazia uma coletânea de várias músicas engraçadas como essa. Ouvimos o mesmo, pensando sobre o quão divertido seria utilizar alguns daqueles trechos como samplers. Por fim, tivemos que conseguir uma permissão especial para isso, pagando por eles e tudo mais. É estranho, pois você só quer fazer uma piada e as pessoas querem que você consiga uma permissão - e que pague por isso".
"Sempre adoramos fazer instrumentais, e nas poucas vezes que elas não apareceram num álbum é porque roubamos algumas de suas seções para outras músicas. Dessa vez, tínhamos vários pedaços bons feitos por Alex e Geddy que sobraram desses recortes, e para os quais nunca havíamos encontrado um lugar. Assim, partimos para unir esses trechos, a fim de formarmos algo".
"Criar uma música é a nossa maior diversão", diz Geddy. "Enquanto compomos, não sentimos remorsos em manter quaisquer convenções. Sempre reservamos esse prazer para nós mesmos no final de uma sessão de gravação. Quando todas as outras peças estão prontas, podemos então relaxar e brincar com várias ideias musicais. Poderia ter nascido qualquer coisa, e foi assim que viemos com o título 'Limbo', por ele descrever com muita precisão o caráter da música. Foi montada a partir de vários fragmentos que eram executados em nossas cabeças durante muito tempo, mas que nunca funcionaram. Levamos os mesmos para o estúdio e começamos a descobrir como colocá-los juntos em uma obra maior, conectando-os e preenchendo-os. Portanto 'Limbo' é uma mistura estranha e louca - um mundo estranho".
"Buscamos um som mais seco para esse álbum", continua o baixista. "Foi como voltar um pouco aos álbuns do começo. As guitarras fizeram um ótimo trabalho. Deixamos de lado os pads e utilizamos mais os teclados para as melodias de contraponto, e não apenas para preencher os espaços. Há teclados em 'Limbo', mas eles são bem sutis. Acho que, em certo sentido, eliminamos as texturas, pois descobrimos que elas foram absorvendo os espaços da guitarra".
Na época de lançamento de Test For Echo, algumas notas incitavam que "Limbo" seria, na verdade, uma paródia sobre o polêmico comentarista político norte-americano Rush Limbaugh, astro de um popular programa de rádio que defende posições direitistas e republicanas.
"Acho que o próprio título é uma piada - vamos colocar assim", diz Geddy. Não tem nada a ver com a música. Acho que não conseguimos resistir ao trocadilho de ter Limbo e Rush na mesma frase".
"Essa canção não tem absolutamente nada a ver com Rush Limbaugh", explica Alex. "Nós nunca escreveríamos uma canção que tivesse a ver com ele. Apenas achamos que seria divertido brincar com as palavras 'Rush' e 'Limbo'. Sempre trouxemos muita diversão para nossas instrumentais. Foi algo de última hora, como a maioria das nossas nesse formato. Neil já estava trabalhando em suas partes de bateria para todas as outras quando jogamos essa no colo dele, dizendo, 'Segure aí mais uma para aprender'. Ela veio tão tarde que ainda estávamos fazendo as faixas rítmicas no estúdio, no mesmo momento em que alterávamos seus arranjos. Assim, ela veio realmente no último minuto, algo que acaba sendo bem divertido. A pressão sobre ela foi essencial".
"Trata-se de um tipo de reflexão tardia. Uma vez que temos todas aquelas coisas fora do nosso caminho, como os arranjos e todo o desenvolvimento que é feito na pré-produção, partimos para uma instrumental, fazendo mais para nós mesmos do que para qualquer outra coisa. É apenas diversão".
É possível que a construção e a atmosfera de "Limbo" tenham sido influenciadas pelo poema épico e teológico da literatura italiana A Divina Comédia, escrito por Dante Alighieri no século XIV. A obra propõe uma viagem do próprio Dante aos chamados três reinos do outro mundo: o Inferno, o Purgatório e o Paraíso. Dante e seu guia e mentor Virgílio chegam ao Inferno (composto por nove círculos de sofrimento), e entre o ante-inferno e o primeiro círculo eles se deparam o rio Aqueronte, no qual se encontra Caronte, um barqueiro que faz a travessia das almas. Eles atravessam o rio e, após um desmaio e um abismo repleto de gritos de pecadores, chegam ao Limbo, local onde estão aqueles que morreram antes da chegada de Jesus ao mundo, além dos pagãos virtuosos, e dos não-batizados, principalmente crianças. As almas são fadadas a vagar sem destino na mais completa escuridão e onde não é possível enxergar nada - uma representação das mentes que nunca foram iluminadas pela mensagem do Evangelho. Na mitologia clássica, o Limbo não se localizava no Inferno, mas sim suspenso entre o céu e o mundo dos mortos.
Na teologia cristã, o Limbo (do latim limbus: orla, margem) era um conceito religioso de caráter escatológico. Para a Igreja Católica, significava "um lugar fora dos limites do Céu, onde se vive de forma esquecida, sem a visão plena da eternidade e privado da visão beatificada de Deus". Seria uma dimensão para onde iriam as almas inocentes que, sem terem cometido pecados mortais, estariam para sempre privadas da presença de Criador, pois seu pecado original não teria sido submetido à remissão através do batismo. Iriam para o Limbo, por exemplo, as crianças não-batizadas e as almas justas que teriam vivido antes da existência terrena de Jesus Cristo.
© 2016 Rush Fã-Clube Brasil
MYERS, P. "Rush Put Themselves To The "Test" / (And End Up Even Closer To The Heart)". Canadian Musician. December / 1996.
STREETER, S. "A Show Of Fans Speaks With Geddy Lee" and "Ask Big Al" (Installment Two). A Show Of Fans #15. Fall 1996.
WEISS, W. "Rush - Moving Pictures / A Conversation With Geddy". Poland's Tylko Rock. November 1996.
ROBINSON, J. "'Test For Echo' World Premiere". Chicago's Wksc-Fm. September 5, 1996.
MILLER, William F. "The Reinvention Of Neil Peart". Modern Drummer. November 1996.