EVERYDAY GLORY



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EVERYDAY GLORY

In the house where nobody laughs
And nobody sleeps
In the house where love lies dying
And the shadows creep
A little girl hides, shaking,
With her hands on her ears
Pushing back the tears, 'til the pain disappears

Mama says some ugly words
Daddy pounds the wall
They can fight about their little girl later
Right now they don't care at all
No matter what they say...
No matter what they say...


EVERYDAY PEOPLE
EVERYDAY SHAME
EVERYDAY PROMISE
SHOT DOWN IN FLAMES

EVERYDAY SUNRISE
ANOTHER EVERYDAY STORY
RISE FROM THE ASHES -
A BLAZE OF EVERYDAY GLORY

In the city where nobody smiles
And nobody dreams
In the city where desperation
Drives the bored to extremes

Just one spark of decency
Against a starless night
One glow of hope and dignity
A child can follow the light
No matter what they say
No matter what they say...


If the future's looking dark
We're the ones who have to shine
If there's no one in control
We're the ones who draw the line
Though we live in trying times -
We're the ones who have to try
Though we know that time has wings -
We're the ones who have to fly
GLÓRIA COTIDIANA

Na casa onde ninguém ri
E ninguém dorme
Na casa onde o amor está morrendo
E as sombras rastejam
Uma garotinha se esconde, tremendo
Com as mãos nos ouvidos
Segurando as lágrimas, até a dor passar

Mamãe diz algumas palavras más
Papai soca a parede
Eles podem lutar por sua garotinha depois
No momento não estão nem aí
Não importa o que eles digam...
Não importa o que eles digam...


PESSOAS COTIDIANAS
VERGONHAS COTIDIANAS
PROMESSAS COTIDIANAS
LIQUIDADAS EM CHAMAS

O NASCER DO SOL COTIDIANO
MAIS UMA HISTÓRIA COTIDIANA
RENASCE DAS CINZAS -
UM BRILHO DA GLÓRIA COTIDIANA

Na cidade onde ninguém sorri
E ninguém sonha
Na cidade onde o desespero
Conduz os entediados aos extremos

Basta uma faísca de decência
Contra uma noite sem estrelas
Um brilho de esperança e dignidade
Uma criança pode seguir a luz
Não importa o que eles digam
Não importa o que eles digam...


Se o futuro parece escuro,
Somos nós que temos que brilhar
Se não há ninguém no comando
Somos nós que traçamos o caminho
Apesar de vivermos tempos difíceis,
Somos nós que temos que tentar
Apesar de sabermos que o tempo tem asas,
Somos nós que temos que voar


Música por Geddy Lee e Alex Lifeson / Letra por Neil Peart


Somos suscetíveis aos erros, porém podemos nos redimir através de pequenos gestos cotidianos

O encerramento de Counterparts fica com a magnífica "Everyday Glory" - uma obra intensa, emocional e inspiradora que traz como tema observações sobre as imperfeições e as contradições humanas, visitando também o poder da esperança. A canção, que funciona como uma espécie de conclusão do conjunto de assuntos explorados ao longo ao álbum, expõe de maneira sensível exemplos de lutas cotidianas que podem ser amenizadas e energizadas por centelhas de otimismo e iniciativa. Incontestavelmente, um ótimo fechamento para um disco esplêndido.

Refletindo as nuances musicais da maioria das faixas finais de Counterparts, "Everyday Glory" é uma ótima e passional canção rock, revestida por melodias suaves e refrões ardentes que soam como o triunfo de um verdadeiro hino. Robusta e determinada, a peça parte de um riff glorioso como seu título, seguindo por linhas de baixo vastas e urgentes, percussão emocional e vocais grandiosos. Experimentamos também elementos acústicos envoltos por guitarras primorosas, cujo ápice é refletido em um solo que transborda comoção e que prepara o terreno para um dos trechos líricos mais sinceros de toda a carreira da banda.

Podemos sintetizar com "Everyday Glory" a personalidade de Counterparts: um álbum que transborda vida e vitalidade na exaltação das pessoas comuns. Uma peça de grande acessibilidade e de características que, se olhadas sem cuidado, podem ser consideradas até mesmo próximas ao mais comercial. Porém, sua incrível profundidade e abrangência afastam rapidamente essa primária definição.

Segundo Geddy Lee, as gravações de "Everyday Glory", ao contrário da maioria das canções modernas da banda, foram feitas analogicamente:

"'Everyday Glory' acabou recebendo sua mixagem a partir de fitas analógicas", explica o baixista. "Nos últimos anos, temos trabalhado apenas com digitais, pois percebemos que são as melhores para gravar. Porém, certas canções trazem as frequências médias muito pesadas, e o playback de um gravador analógico suaviza um pouco isso, o que torna o som mais agradável. Não é tão eficiente em termos de sonoridade, mas fica mais prazeroso de se ouvir".

Como na quarta faixa "Nobody's Hero", Peart exalta em "Everyday Glory" a importância das pessoas comuns que integram a vida real. Novamente, o letrista demonstra um tipo de dualismo: o equilíbrio dinâmico entre nossas fragilidades nas relações familiares e sociais, por vezes sufocadas pelo fluxo doentio do cotidiano, e o poder da esperança e reconhecimento, elementos que nos levam a enxergar e assumir erros, renovando nossa responsabilidade por dias melhores.

"Acho que o ponto positivo desse disco é a necessidade de se combater a atitude social que geralmente afirma que ninguém tem culpa de nada", diz Peart. "Por exemplo, se você é um criminoso, é porque sua mãe lhe batia muito. A auto-suficiência é um tema constante em nossa música. 'Nobody's Hero' e 'Everyday Glory' são duas canções companheiras sobre esse assunto, falando sobre pessoas comuns que podem ser heroicas. Alguns são prejudicados por sua infância, e outros, que também trazem infâncias ruins, conseguem sair bem dela. Dessa forma, tentei dizer, 'Bem, você pode ter experimentado uma infância horrível, mas transcenda-a'".

Em "Everyday Glory", Peart expõe dois dramas com seu olhar perspicaz: um de caráter familiar e outro ligado à difícil vida em sociedade nas cidades. Na primeira situação, exemplificando todos os milhares de desajustes que ocorrem em grande parte das famílias contemporâneas, experimentamos imagens que constroem a cena de um momento crucial de instabilidade: personagens corroídos pelo desânimo e pelas demandas diárias, acumulando mágoas e afastamento ao serem consumidos por constantes desacordos e desentendimentos. Observamos uma criança entre um casal problemático - inocente e assustada - sofrendo pela falta de sintonia dos pais. Esta, possivelmente, será o pivô de uma dolorosa disputa judicial após um inevitável divórcio. O que o futuro lhe reserva, quando seus exemplos mais importantes de vida e orientação se mostram perdidos?

No segundo cenário, o baterista descreve a dura e insensível realidade nas cidades, o drama urbano moderno que a cada dia manifesta mais frieza, desmotivação, pessimismo, afastamento e desinteresse pelo semelhante. Pessoas isoladas, corrompidas e invadidas por grande desalento, dividindo o espaço com outros que simplesmente não se importam. Em muitos casos, vidas tragadas pela desesperança.

Porém, em meio a esses dois cenários obscuros e de angústia, Peart expõe a crença de que grande parte das pessoas ainda carrega a força do otimismo, este que nos faz seguir adiante em sentidos variados. "Everyday Glory" evoca alguns dos nossos inúmeros erros, mas também exalta nossa capacidade de iniciativa, compaixão e amor, defendendo que os indivíduos que manifestam tais ações, mesmo que pouco exaltados e lembrados, ainda são a maioria no mundo. Trata-se de um confronto entre dramas e esperança, principalmente evocado quando ouvimos Geddy repetir insistentemente entre os versos a frase "no matter what they say" ("não importa o que eles digam") - uma exortação sobre ouvir, primordialmente, a voz da consciência. Mesmo que nossos atos sejam pequenos em comparação ao oceano revolto de problemas, no qual muitos nos oferecem apenas palavras e atitudes desanimadoras, o letrista sugere que não devemos nos preocupar com a fantástica e utópica pretensão de mudar o mundo, mas sim com o compromisso de trabalhar para melhorarmos o que pudermos. Um olhar atento ao redor ainda nos reserva pessoas encantadoras e essencialmente boas, feitas de carne e osso e anônimas no cotidiano, que em pequenos atos revelam preocupações com o outro materializando bons exemplos a serem seguidos.

"Os modelos de comportamento que realmente precisamos encontrar estão ao nosso redor, em nossos bairros", explica Peart. "Não um modelo remoto de perfeição que existe apenas como uma fantasia, mas pessoas comuns que nos mostram uma forma de comportamento que nos parece boa, e que às vezes acaba nos revelando o que é excelente. Tenho visto, em todas as partes do mundo, que os heróis ainda superam os vilões".

"Esse é o contraponto que eu estava tentando levantar sobre o que, geralmente, se entende por heroísmo. Tudo o que precisamos é de bons exemplos das pessoas. 'Everyday Glory' mantém esse pensamento. Uma centelha de luz ao dar um bom exemplo é realmente a melhor coisa que podemos fazer. Sendo eu mesmo pai, essa é a minha lei de paternidade: número um, não deforme os filhos; número dois, dê bom exemplo a eles".


Uma das inspirações para "Everyday Glory" vem de Nessun Dorma, famosa ária do último ato da ópera Turandot, concebida em 1926 pelo compositor italiano Giacomo Puccini (1858 - 1924). Peart explica que a citação veio de "uma peça que sempre amei, sobre a qual uma garota italiana me disse que a tradução significa 'nobody sleeps' ('ninguém dorme'). Achei uma bela frase". Já o trecho, "Rise from the ashes and blaze" ("Surge das cinzas e resplandece") refere-se ao mito da morte e renascimento da Fênix, na mitologia grega.

"Everyday Glory" é marcante por acreditar que nós mesmos podemos tornar nossos dias melhores, influenciando e direcionando as novas gerações para fazer do amanhã um tempo melhor. Além de exaltar novamente a força do ser humano, Counterparts é repleto de olhares sobre relacionamentos: dentro de si, com adversários, com oportunidades, com entes queridos, com a realidade, com os diferentes, com o parceiro e com nossos medos - e "Everyday Glory" confronta nossos erros e acertos. Trata-se da busca pelo equilíbrio em atitudes, onde os catalisadores mais importantes serão sempre a esperança e a razão otimista. Possuímos uma glória cotidiana a ser perseguida - somos de fato pessoas cotidianas, marcados por vergonhas cotidianas, mas que podem resplandecer também o poder da persistência para superar a escuridão que insiste em cobrir nossos dias, nós mesmos e os outros.

© 2016 Rush Fã-Clube Brasil

HAMILTON, P. ""The Whole Is Greater Than The Sum Of Its Parts" - An Interview with Neil Peart". Canadian Musician Magazine. February 1994.
CORYAT, K. "Geddy Lee: Still Going!". Bass Player. December 1993.