BENEATH, BETWEEN AND BEHIND



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BEST I CAN  BENEATH, BETWEEN AND BEHIND  BY-TOR AND THE SNOWDOG


BENEATH, BETWEEN AND BEHIND

Ten score years ago, defeat the kingly foe
A wondrous dream came into being
Tame the trackless waste
No virgin land left chaste
All shining eyes, but never seeing

Beneath the noble birth
Between the proudest words
Behind the beauty, cracks appear
Once, with heads held high
They sang out to the sky
Why do their shadows bow in fear?


Watch the cities rise
Another ship arrives
Earth's melting pot and ever growing
Fantastic dreams come true
Inventing something new
The greatest minds, and never knowing...

The guns replace the plow
Facades are tarnished now
The principles have been betrayed
The dreams's gone stale, but still
Let hope prevail
History's debt won't be repaid
DEBAIXO, NO MEIO E ATRÁS

Duzentos anos atrás, derrotar o inimigo régio
Um sonho maravilhoso veio a ser
Domem o deserto sem caminhos
Nenhuma terra virgem deixada pura
Todos os olhos brilhando, mas nunca enxergando

Debaixo do berço nobre
No meio das palavras mais orgulhosas
Atrás da beleza, rachaduras aparecem
Uma vez, de cabeças erguidas
Eles cantaram aos céus
Porque as sombras deles se curvam de medo?


Vejam as cidades nascerem
Outro navio chega
O melting pot da terra sempre crescente
Sonhos fantásticos se tornam realidade
Inventando algo novo
As maiores mentes, e nunca sabendo...

As armas substituem o arado
Fachadas estão manchadas agora
Os princípios foram traídos
Os sonhos mofaram, mas ainda
Permitem a esperança prevalecer
A dívida histórica não será paga


Música por Alex Lifeson / Letra por Neil Peart


Os Estados Unidos negam sua promessa inicial

"Beneath, Between and Behind", a terceira faixa de Fly by Night é, definitivamente, outra mostra estupenda das intrigantes, enigmáticas e admiráveis letras trabalhadas por Neil Peart. Sua capacidade exímia com as palavras e com as baquetas enriquecem por completo o obra do ainda jovem Rush, elevando a banda a um nível muito mais notável e original. Dessa vez, o tema lírico retrata os desdobramentos da Independência dos Estados Unidos da América, expondo algumas características do nascimento e do crescimento da imponente nação. Observando o rápido desenvolvimento, imigração e guerras presentes na história da maior potência mundial, "Beneath, Between and Behind" foi o primeiro de todos os conteúdos escritos por Peart para o grupo, com o instrumental assinado somente pelo guitarrista Alex Lifeson. Mantendo a energia e a robustez das duas faixas anteriores, a banda oferece uma peça bastante movimentada de ciclos similares, que trazem um sólido trabalho de guitarra de muitos acordes, aliados a linhas de baixo dinâmicas e percussão sempre forte e inspirada.

Partindo de um título um tanto controverso (que parece sugerir conotações sexuais, mas que, figuradamente, podem refletir o tema explorado), Peart consegue traçar em "Beneath, Between and Behind" algumas peculiaridades da consolidação do Tio Sam, descrevendo as motivações dos seus primeiros cidadãos e empreendedores, a ampliação do território, a formação das cidades e a conquista de notáveis invenções, ao mesmo tempo evocando a gradativa perda dos princípios de liberdade e humanidade empunhados em seu começo. Na passagem do século XVIII para o XIX, o país recém independente ainda era formado por um pequeno território que se estendia verticalmente entre o Maine e a Flórida, e horizontalmente entre a costa do Atlântico e o Mississippi. O primeiro momento do processo de independência havia se iniciado efetivamente com a mobilização das treze colônias, frente ao fortalecimento fiscal estabelecido pela metrópole britânica com o término da Guerra dos Sete Anos em 1763. Após o episódio do Boston Tea Party, a Inglaterra recrudesceu ainda mais sua relação com as colônias através das Leis Intoleráveis, o que provocou uma maior mobilização dos colonos através da convocação do Primeiro e Segundo Congresso da Filadélfia. Esse último, contando com a participação de Benjamim Franklin e Thomas Jefferson, elaborou e proclamou a Declaração de Independência dos Estados Unidos em 4 de julho de 1776, exercendo forte influência nos demais movimentos de emancipação política do continente, no contexto da crise do Antigo Sistema Colonial.

Historicamente, a ânsia pela expansão para o oeste trouxe uma longa série de guerras e genocídio de indígenas na nação recém independente. A compra da Louisiana, território francês a sul, sob a presidência de Thomas Jefferson em 1803, quase duplicou o tamanho dos EUA. Uma série de incursões militares na Flórida levaram a Espanha a ceder esse e outros locais na Costa do Golfo do México em 1819. A Trilha das Lágrimas, em 1830, exemplificou a política de remoção dos índios, que expulsava esses povos de suas terras nativas. Com a anexação a República do Texas em 1845, o conceito de Destino Manifesto, pensamento que expressa a crença de que o povo dos Estados Unidos é eleito por Deus para civilizar a América, foi definitivamente popularizado. O Tratado de Oregon, assinado com a Grã-Bretanha em 1846, levou ao controle norte-americano do atual Noroeste do país, e a vitória americana na Guerra Mexicano-Americana resultou na cessão da Califórnia e de grande parte do atual Sudoeste do território em 1848, e corrida do ouro estimulou a migração ocidental. As ferrovias construídas, no entanto, tornaram a deslocalização mais fácil para os colonos e provocaram o aumento dos conflitos com os nativos americanos. Depois de meio século, até 40 milhões de bisões foram abatidos para peles e carne e para facilitar a disseminação do transporte ferroviário. A perda do bisão, um recurso fundamental para os Índios das Planícies, constituiu rude golpe para a subsistência de muitas culturas nativas.

Dessa forma, "Beneath, Between and Behind" trata sobre a promessa histórica falha dos Estados Unidos. O país foi construído sobre os ideais racionais humanistas característicos do Iluminismo, que chegaram nas colônias por importação da metrópole, mas que tenderam a ser redesenhados pelos contornos religiosos e políticos mais radicais. Tais ideais exerceram uma enorme influência sobre o pensamento e prática política dos chamados Founding Fathers (Pais Fundadores dos Estados Unidos), entre eles John Adams, Samuel Adams, Benjamin Franklin, Thomas Jefferson, Alexander Hamilton e James Madison. Com o avanço da religião fundamentalista e de outros movimentos, a nação deixava de viver sua promessa inicial.

Quando Peart escreve sobre momentos cruciais na história, ele utiliza mais frequentemente um tom de cautela do que de afirmativa, e "Beneath, Between, and Behind" reconta dessa forma o crescimento dos Estados Unidos. Ao longo dos primeiros anos com o Rush, ele elaborou um conjunto de três letras que explicitamente citam algumas revoluções humanistas do Iluminismo, sendo talvez a única banda na história do rock a ter uma espécie de trilogia de canções dedicadas aos movimentos políticos do décimo oitavo século. "Beneath, Between e Behind" narra, portanto, a chamada Revolução Americana, em que "o inimigo régio", a metrópole Grã-Bretanha, é vencida e o "sonho maravilhoso" nasce na forma de uma nova república. A canção consegue pintar um quadro dessa construção, que cresce e que inova de forma desinibida, uma vez que seus antigos laços coloniais são cortados. O novo povo se apossa dos valores triunfantes do Iluminismo, e os ideais de direitos, liberdade e empreendedorismo começam a atrair imigrantes de várias partes do mundo. Porém, nessa canção, Peart reconhece como ingênuo o imaginário em torno dessa expansão, trazendo uma visão mais crítica da América contemporânea onde "as armas substituem o arado", onde o medo motiva as pessoas mais do que convicções morais e onde "os princípios são traídos". A canção descreve as rachaduras que surgem não somente sob os símbolos nobres da nação, mas também entre as marcantes palavras de sua constituição e por trás da beleza de suas mitologias e autorretratos nacionais. O jovem músico canadense contrasta o que observava nos Estados Unidos em meados dos anos de 1970 com o antigo desejo de seus fundadores, percebendo o afastamento cada vez maior do país de sua promessa primordial humanista.

Teoricamente, os famosos ideais do sonho americano podem ser definidos como a igualdade de oportunidades e de liberdade que permite que todos os cidadãos atinjam seus objetivos na vida a partir somente de seu próprio esforço e determinação. A ideia, expressa pela primeira vez em 1931 por James Truslow Adams, afirma que a prosperidade depende de habilidades e do trabalho, e não de uma rígida hierarquia social - embora o significado da frase tenha mudado ao longo dos anos. Para os imigrantes, é a oportunidade de se conseguir mais riqueza do que poderiam ter nos seus países de origem, e a chance para que seus filhos cresçam com uma boa educação e grandes oportunidades, sem restrições baseadas em raça, classe, religião, etc. Embora o termo seja associado frequentemente com a imigração, os americanos nativos também descrevem como "à procura do sonho americano" ou a possibilidade de "viver o sonho americano".

A expressão "Ten score years ago" utilizada na primeira frase traz como referência a abertura do famoso discurso de Abraham Lincoln no Cemitério Nacional de Gettysburg, que começava com "Four score and seven years ago...", significando na verdade "Oitenta e sete anos atrás" (referindo-se à Declaração de Independência escrita no início da Revolução Americana em 1776). Foi proferido na tarde do dia 19 de Novembro de 1863, quatro meses depois da vitória na batalha de Gettysburg, decisiva para o resultado da Guerra de Secessão. A escolha das palavras na fala de Lincoln trouxe fortes conotações da versão autorizada da Bíblia do Rei Jaime, de 1611, que foi lida no mesmo dia. Em apenas 269 palavras, ditas em menos de dois minutos, Lincoln invocou os princípios de igualitarismo da Declaração de Independência e definiu o final da Guerra Civil como um novo nascimento da Liberdade que iria trazer a igualdade entre todos os cidadãos, criando uma nação unificada em que os poderes dos estados não se sobrepusessem ao "Governo do Povo, Pelo Povo, para o Povo".

O trecho "Earth's melting pot and ever growing" ("O melting pot da terra sempre crescente") refere-se ao termo melting pot, teoria de origem norte-americana segundo a qual as diferenças étnicas existentes num território, que resultam da diversidade de indivíduos em termos biológicos e étnicos, tendem a se atenuar com o tempo, dando origem por fusão entre os membros que compõem a população a uma nova sociedade. A diversidade existente seria um fator de criação de novos padrões de comportamento.

A canção ainda traz a frase "Tame the trackless waste" ("Domem o deserto sem caminho"), esta que se encontra no Salmo 107 versículo 40: "Deus derrama desprezo sobre os nobres e os faz vagar num deserto sem caminhos". Todo o capítulo traz passagens que lembram o próprio nascimento dos Estados Unidos, como livramento de um adversário, reunião de terras, migração árdua pelo deserto, negócios, busca por mananciais, fundação de cidades, pobres se livrando da miséria, o desprezo de Deus pelos nobres e seu apoio aos justos.

© 2014 Rush Fã-Clube Brasil

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