02 DE MARÇO DE 2016 | POR VAGNER CRUZ
A última edição da revista britânica Prog (número 63) traz uma matéria de capa comemorando o 40º aniversário do álbum 2112 do Rush, lançado no começo de abril de 1976. O texto, intitulado We Have Assumed Control (Nós Assumimos o Controle) inclui uma nova entrevista com Geddy Lee, na qual ele fala sobre 2112 e seu significado para a história do Rush. O artigo também apresenta trechos de entrevistas passadas de Alex Lifeson, Neil Peart e o artista gráfico Hugh Syme. Acompanhe esse ótimo material, traduzido exclusivamente para o Rush Fã-Clube Brasil.
NÓS ASSUMIMOS O CONTROLE
Geddy Lee, Alex Lifeson e Neil Peart falam sobre a criação de 2112, o álbum transformou o Rush numa estrela do prog - mas que poderia ter destruído a banda
Prog Magazine - Fevereiro de 2016
Por Philip Wilding, Dave Everley e Geddy Lee | Fotos: Hugh Syme e Richard Sibbald | Tradução: Vagner Cruz
NÓS ASSUMIMOS O CONTROLE
Lee, Lifeson e Peart falam sobre 2112, o álbum clássico que comemora quarenta anos
"Acho que é justo dizer que não nos sentimos desafiados quando o fizemos, apenas achávamos que seria o nosso suspiro final - a última vez que o Rush faria um álbum". Geddy Lee está sentado no Milestone Hotel com vista para o elegante Kensington Court na Zona Oeste de Londres. Ele está aqui para falar sobre o mais recente (e possivelmente último) DVD ao vivo do Rush: R40 Live, em meio a rumores sobre o fim da banda no dia em que o baterista Neil Peart parece ter lançado uma bomba num ensaio para a revista Drumhead, sugerindo que estava finalmente aposentado.
Lee seguiu rebatendo e afastando os rumores a tarde inteira, quando a Prog se sentou com ele para falar do momento do Rush em que não são os fãs ou a mídia que acham que estão encerrando as atividades, mas a própria banda - embora não por escolha.
Entre março de 1974 e abril de 1976 o Rush lançou quatro álbuns de estúdio, tendo sua carreira saindo de uma banda de bar blueseira para headliners em casas de shows - pelo menos em algumas partes do Canadá e Estados Unidos. Gene Simmons e o Kiss haviam colocado o trio sob sua proteção, eles que perderam um baterista para ganhar outro que, como Geddy lembra, "Sabia várias palavras complicadas". E com Fly By Night de 1975, não foram somente vencedores do Juno e ganhadores de um disco de platina, mas também encontravam-se na elevada posição de banda canadense mais promissora.
Porém o Rush, mais especificamente Lee e o guitarrista Alex Lifeson, se sentiam limitados - alguns podem dizer inibidos - pelas composições mais diretas que povoaram o álbum de estreia, desejando forçar a barra criativa através da batalha atmosférica do submundo conhecida como "By-Tor & The Snow Dog". Em retrospecto, esse foi o ponto de inflexão criativa do Rush. Em pouco mais de um ano, eles partiram da composição de um hino de colarinho-azul como "Working Man" para a elaboração de um conto alucinógeno do Hades que fecharia o lado um do seu segundo disco.
Dado que Lee e Lifeson foram adolescentes que acamparam durante a madrugada para ver o Yes tocar ao vivo no Massey Hall em Toronto alguns anos antes, ninguém seria surpreendido quando começaram a imitar alguns dos seus heróis do progressivo.
Caress of Steel, gravado em duas ou três semanas - Lee e Lifeson não conseguem concordar nisso - foi lançado em setembro de 1975. Fly By Night havia aparecido nas lojas em fevereiro do mesmo ano - enquanto Caress, que era uma extensão do trabalho que haviam começado no antecessor, se deparou com uma resposta crítica semelhante aos camponeses irritados com o monstro de Frankenstein numa colina próxima - ao invés de observações que considerassem sua música. O disco foi ouro no Canadá, em comparação com o status platina de Fly By Night, tendo afastado não somente o público, mas também a gravadora. O lado um finalizava com a ornamentada canção de doze minutos "The Necromancer", enquanto o lado dois era entregue com a conceitual "The Fountain of Lamneth".
"Vimos a lista de estimativas e previsões financeiras da gravadora para o ano seguinte", diz Lee, "e nós não estávamos nela". A banda se encontrava tão quebrada que não podia nem mesmo pagar sua equipe. Os públicos eram muito pequenos, e o Rush apelidou suas datas subsequentes como a Down the Tubes Tour (Turnê Por Água Abaixo). A gravadora os repreendia de forma mal-humorada, querendo materiais mais adequados às rádios semelhantes a algumas canções que gravaram para Fly By Night. "Se estávamos caindo em chamas", diz Lee, "eles seriam as chamas".
Retrospectivamente, agora é fácil ver como a experimentação se destacava no segundo e no terceiro álbum da banda, ajudando a criar a definição do que é o Rush (bem, a definição até a chegada de Moving Pictures).
"Nunca teríamos feito 2112 sem o Caress of Steel", disse Neil Peart à revista Prog durante um almoço em Laurel Canyon, enquanto a banda mixava seu último álbum de estúdio (que abraçou sua inclinação conceitual com alegria): Clockwork Angels, de 2012. "Você só precisa ouvir Caress e logo após 2112 para ver o que estávamos tentando fazer. Parece bem óbvio para mim".
Menos para a gravadora, que não se encontrava encantada com o fato da banda ter optado por outra peça conceitual tomando todo um lado do disco, inspirada pela autora Ayn Rand (que também havia sido a faísca para a canção "Anthem", que abre Fly By Night). A obra seguiu as dores de um jovem herói à deriva numa cidade distópica futurista governada por uma hierarquia de sacerdotes. A música havia sido banida, mas ele encontrou um violão perdido que acabaria por conduzir a emancipação da civilização, além da sua própria morte. Imagine lançar essa ideia para uma gravadora que esperava por uma "Making Memories" parte dois.
Ouvindo o bombástico 2112 agora, é fácil esquecer que ele teve sua maior parte escrita em dois violões, geralmente em quartos de hotel ou na estrada entre os shows.
"Sim, foi mais ou menos assim que nós o compomos", diz Lee. "O violão é acessível - você não precisa de um amplificador. Poderíamos fazer no nosso quarto no Holiday Inn e na parte de trás da perua na qual viajávamos por aí. Tocando pesado no violão, ele soa pesado. Assim, se você escreve uma parte nele, consegue imaginar como vai soar nas guitarras e amplificadores. Não é tão complicado compor dessa forma. Voltamos no tempo e compomos Snakes & Arrows (2007) assim também".
"A coisa mais estranha com 2112 é que ele simplesmente fluiu. Uma canção foi saindo da outra. Lembro-me que Alex e eu tínhamos ideias muito bem definidas sobre o tipo de música que queríamos compor, mesmo antes de olharmos para as letras, para a introdução exagerada, para o andamento e movimentos que estavam envolvidos. Em seguida, Neil escreveu as letras e as mesmas funcionaram de forma quase mágica. Não alteramos nada - apenas nos inspiramos a encaixar a música ainda mais. Ela apenas foi acontecendo".
As cartas foram bondosas com o Rush em 2112. O diretor de arte de longa data Hugh Syme criou o agora famoso logo Starman, a partir de instruções bem simples de Neil Peart (contribuiu também com partes nos teclados e mellotron no disco).
"A evolução da estrela e do homem foi minha primeira colaboração real com Neil", diz Syme agora. "Ele simplesmente descreveu a Estrela Vermelha da Federação Solar como tudo o que é contrário ao pensamento livre e a criatividade - e o homem como o nosso herói. Simplesmente combinei os dois. Nunca foi a nossa intenção que essa arte fosse o logo ou a marca da banda, assim como essa forte e duradoura associação com todas as outras coisas relacionadas ao Rush".
Alguns anos depois, Alex Lifeson compartilhou seus pensamentos sobre porquê do logo Starman ter resistido tão bem, e sobre qual deve ter sido o segredo para sua longevidade e associação com o Rush. "O bumbum nu e o punho, eu acho", disse ele sem pestanejar. "É isso, o bumbum e o punho".
Enquanto a capa e as artes internas traziam simbolismos pesados, o verso foi dedicado a uma foto dos integrantes com rostos sérios, vestidos naquilo que só poderia ser descrito como quimonos.
"Ah, os quimonos... é isso que eram", diz Lee com uma risada. "Você acha que eram afeminados?".
"Sabe, as pessoas da nossa gestão ficavam nos dizendo, 'Vocês precisam de uma nova imagem'. E é verdade - não éramos muito orientados pela imagem. Dessa forma, lembro-me que estávamos em São Francisco e ficamos no Miyako Hotel, localizado numa parte japonesa da cidade. Dissemos, 'Ok, vamos comprar algumas roupas para o palco e fazer a imagem acontecer'. Caminhamos por lá e encontramos esses robes coloridos, dizendo, 'Ok, Vamos tentar esses'. Foi isso o que fizemos. Algumas pessoas gostaram...".
Ele fala calmamente para a Prog por cima dos óculos redondos, "Mas esse chapéu de palha que Al está usando na parte interna da capa... ninguém disse a ele para trazer esse chapéu. Foi tudo ideia dele".
E ri novamente.
A banda entrou no Toronto Sound Studios com o produtor Terry Brown em fevereiro de 1976, para a temporada mais longa gasta num álbum até então - quatro semanas notavelmente escassas. Lee diz, "Tivemos quase quatro semanas pelo que me lembro, mas que foram bem caras para nós - considerando a forma como trabalhávamos até aquele ponto".
Mesmo tendo capturado a grandiosidade do lado um com uma história épica, eles também tiveram tempo para criar um punhado de canções que foram salpicadas no lado dois do disco - algumas que ficariam no set ao vivo nos próximos anos, como "Something For Nothing" e "A Passage To Bangkok". E, para uma banda que passava a vida trabalhando na estrada, um bônus foi que conseguiram ir para casa todas as noites.
"Sei que pode soar porque estou olhando agora, mas não foi um disco muito difícil de fazer", diz Lee. "Ele apenas aconteceu - não me lembro de termos lutado muito. Na verdade, lembro-me de ter sido sempre uma experiência positiva, como em Permanent Waves - um tipo de disco que acabou acontecendo, fluindo. Às vezes, álbuns apenas fluem da sua psique. É incrível, você nunca sabe".
"A melhor coisa sobre o sucesso de 2112", diz Neil Peart, "é que a gravadora era muito contra quando ele decolou. Nunca mais poderiam nos dizer o que fazer novamente".
"É verdade", diz Lee, "e acho que também é justo dizer que o disco salvou nossas carreiras. Mas não tínhamos qualquer senso instintivo de que iríamos fazer algo melhor do que Caress of Steel. Gostamos do Caress of Steel! Claro, todos os discos que fazemos achamos que são melhores que o anteriores, mas estaremos facilmente nos enganando por não conseguirmos ser imparciais. Porém, acho que tínhamos a sensação de que era um bom disco, e ficamos orgulhosos. Se esse seria o nosso adeus, então deveria ser uma boa maneira de terminarmos. Não tínhamos ideia de que ele se conectaria com as pessoas da forma que aconteceu".
E, como o contato do taco numa bola bem lançada, a conexão aconteceu. As vendas começaram devagar, mas conseguiram alcançar o status de multi-platina no Canadá e nos Estados Unidos.
"Sim, o disco vendeu bem, mas ainda tínhamos muitas dívidas", diz Lee com um sorriso. "Porém, estávamos pagando e 2112 nos ajudou a quitá-las. Demorou um pouco - não houve muitos comentários quando o disco saiu. Não vendeu bem de imediato, mas foi constante e seguiu aumentando. Quando saímos em turnê, as vendas continuaram aumentando e, ao longo dos três anos seguintes, nunca se abrandaram".
O disco também abriu caminho para algo que se tornaria outro grande êxito do Rush: o álbum duplo ao vivo. All The World's A Stage (somente o Rush, ou talvez Peart, que surrupiaria o título do disco de As You Like It de Shakespeare) foi lançado em setembro daquele ano, a fim de capitalizar sobre o sucesso recém-descoberto da banda - não que fazer um disco ao vivo tenha ocorrido para os músicos.
"Realmente não havíamos pensado nisso", diz Lee. "A única coisa é que a nossa gestão e a gravadora queriam explorar o sucesso de 2112 e mantê-lo. Os álbuns ao vivo estavam na moda naquele período, sabe? O Humble Pie havia lançado um disco ao vivo que vendeu muito bem, e o Kiss também estava fazendo um desse tipo".
"Todos começaram a lançar álbuns gravados ao vivo, então eles disseram, 'Vocês têm que fazer um também'. De fato, não havíamos pensado nisso até esse ponto e, após tocarmos três noites no Massey Hall, devido ao sucesso de 2112, eles pensaram, 'Ok, faz sentido - vamos gravar nosso disco em casa', por assim dizer".
2112 era uma plataforma improvável para decolar uma carreira - eles nem sequer tocaram o lado um completo até a turnê Test For Echo, vinte anos após o lançamento do disco (Lee anunciaria no All The World's A Stage, "Gostaríamos de tocar para vocês o lado um do nosso último álbum", mas a banda omitira "Discovery" e "Oracle: The Dream").
Contudo, o disco deu-lhes o tipo de latitude artística que a maioria dos artistas só poderiam sonhar, mesmo que o Rush tenha se afastado de peças mais progressivas e extensas para abordagens mais moderadas (menos Moog e pedais de baixo e mais singles). Isso até chegarem à algo que se aproxima de um ciclo completo conceitual no álbum Clockwork Angels.
Os fãs ainda querem ouvir a história dos Sacerdotes dos Templos de Syrinx, e ainda continuam a colocar 2112 no topo das votações dos fãs e críticos. Será que Lee sabia o efeito que o álbum poderia ter quando foi lançado para o mundo?
"Não", ele diz sacudindo a cabeça de forma enfática. "É difícil saber de fato, pois você não consegue estar nos dois lados da coisa. Várias pessoas, alguns músicos realizados, vieram a mim desde então me dizendo, 'Esse disco realmente me atingiu. Há algo de muito diferente nele'".
"Porém, a minha sensação é que houve muita paixão ali, muita ferocidade - um som que era de fato muito diferente de qualquer outra coisa que estava acontecendo naquele momento. Acho que foi um corte - sabe, um corte no equilíbrio de toda música que estava lá fora, atingindo as pessoas".
E, cerca de 40 anos depois, continua atingindo.
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OS ÁLBUNS FAVORITOS DE GEDDY LEE
A VIDA DE GEDDY LEE ALÉM DO RUSH
GEDDY SE MOSTRA PREOCUPADO COM O FUTURO DO RUSH
GEDDY FALA SOBRE O PASSADO, O PRESENTE E O FUTURO DO RUSH
PERGUNTAS INCOMUNS PARA GEDDY LEE
GEDDY QUASE PRODUZIU MASTER OF PUPPETS, DO METALLICA
NEIL PEART ANUNCIA SUA APOSENTADORIA DAS GRANDES TURNÊS
GEDDY LEE E SUA PAIXÃO POR OBRAS DE ARTE
GEDDY CONSIDERA GRAVAR UM NOVO ÁLBUM SOLO
Você é livre para utilizar nossos materiais, mas lembre-se sempre dos créditos (até mesmo em adaptações). Várias das nossas publicações levam horas de dedicação, e uma menção ao nosso site pelo trabalho árduo é sinal de ética e consideração - pilares da própria obra do Rush.
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Geddy Lee, Alex Lifeson e Neil Peart falam sobre a criação de 2112, o álbum transformou o Rush numa estrela do prog - mas que poderia ter destruído a banda
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Por Philip Wilding, Dave Everley e Geddy Lee | Fotos: Hugh Syme e Richard Sibbald | Tradução: Vagner Cruz
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Lee, Lifeson e Peart falam sobre 2112, o álbum clássico que comemora quarenta anos
"Acho que é justo dizer que não nos sentimos desafiados quando o fizemos, apenas achávamos que seria o nosso suspiro final - a última vez que o Rush faria um álbum". Geddy Lee está sentado no Milestone Hotel com vista para o elegante Kensington Court na Zona Oeste de Londres. Ele está aqui para falar sobre o mais recente (e possivelmente último) DVD ao vivo do Rush: R40 Live, em meio a rumores sobre o fim da banda no dia em que o baterista Neil Peart parece ter lançado uma bomba num ensaio para a revista Drumhead, sugerindo que estava finalmente aposentado.
Lee seguiu rebatendo e afastando os rumores a tarde inteira, quando a Prog se sentou com ele para falar do momento do Rush em que não são os fãs ou a mídia que acham que estão encerrando as atividades, mas a própria banda - embora não por escolha.
Entre março de 1974 e abril de 1976 o Rush lançou quatro álbuns de estúdio, tendo sua carreira saindo de uma banda de bar blueseira para headliners em casas de shows - pelo menos em algumas partes do Canadá e Estados Unidos. Gene Simmons e o Kiss haviam colocado o trio sob sua proteção, eles que perderam um baterista para ganhar outro que, como Geddy lembra, "Sabia várias palavras complicadas". E com Fly By Night de 1975, não foram somente vencedores do Juno e ganhadores de um disco de platina, mas também encontravam-se na elevada posição de banda canadense mais promissora.
Porém o Rush, mais especificamente Lee e o guitarrista Alex Lifeson, se sentiam limitados - alguns podem dizer inibidos - pelas composições mais diretas que povoaram o álbum de estreia, desejando forçar a barra criativa através da batalha atmosférica do submundo conhecida como "By-Tor & The Snow Dog". Em retrospecto, esse foi o ponto de inflexão criativa do Rush. Em pouco mais de um ano, eles partiram da composição de um hino de colarinho-azul como "Working Man" para a elaboração de um conto alucinógeno do Hades que fecharia o lado um do seu segundo disco.
Dado que Lee e Lifeson foram adolescentes que acamparam durante a madrugada para ver o Yes tocar ao vivo no Massey Hall em Toronto alguns anos antes, ninguém seria surpreendido quando começaram a imitar alguns dos seus heróis do progressivo.
Caress of Steel, gravado em duas ou três semanas - Lee e Lifeson não conseguem concordar nisso - foi lançado em setembro de 1975. Fly By Night havia aparecido nas lojas em fevereiro do mesmo ano - enquanto Caress, que era uma extensão do trabalho que haviam começado no antecessor, se deparou com uma resposta crítica semelhante aos camponeses irritados com o monstro de Frankenstein numa colina próxima - ao invés de observações que considerassem sua música. O disco foi ouro no Canadá, em comparação com o status platina de Fly By Night, tendo afastado não somente o público, mas também a gravadora. O lado um finalizava com a ornamentada canção de doze minutos "The Necromancer", enquanto o lado dois era entregue com a conceitual "The Fountain of Lamneth".
"Vimos a lista de estimativas e previsões financeiras da gravadora para o ano seguinte", diz Lee, "e nós não estávamos nela". A banda se encontrava tão quebrada que não podia nem mesmo pagar sua equipe. Os públicos eram muito pequenos, e o Rush apelidou suas datas subsequentes como a Down the Tubes Tour (Turnê Por Água Abaixo). A gravadora os repreendia de forma mal-humorada, querendo materiais mais adequados às rádios semelhantes a algumas canções que gravaram para Fly By Night. "Se estávamos caindo em chamas", diz Lee, "eles seriam as chamas".
Retrospectivamente, agora é fácil ver como a experimentação se destacava no segundo e no terceiro álbum da banda, ajudando a criar a definição do que é o Rush (bem, a definição até a chegada de Moving Pictures).
"Nunca teríamos feito 2112 sem o Caress of Steel", disse Neil Peart à revista Prog durante um almoço em Laurel Canyon, enquanto a banda mixava seu último álbum de estúdio (que abraçou sua inclinação conceitual com alegria): Clockwork Angels, de 2012. "Você só precisa ouvir Caress e logo após 2112 para ver o que estávamos tentando fazer. Parece bem óbvio para mim".
Menos para a gravadora, que não se encontrava encantada com o fato da banda ter optado por outra peça conceitual tomando todo um lado do disco, inspirada pela autora Ayn Rand (que também havia sido a faísca para a canção "Anthem", que abre Fly By Night). A obra seguiu as dores de um jovem herói à deriva numa cidade distópica futurista governada por uma hierarquia de sacerdotes. A música havia sido banida, mas ele encontrou um violão perdido que acabaria por conduzir a emancipação da civilização, além da sua própria morte. Imagine lançar essa ideia para uma gravadora que esperava por uma "Making Memories" parte dois.
Ouvindo o bombástico 2112 agora, é fácil esquecer que ele teve sua maior parte escrita em dois violões, geralmente em quartos de hotel ou na estrada entre os shows.
"Sim, foi mais ou menos assim que nós o compomos", diz Lee. "O violão é acessível - você não precisa de um amplificador. Poderíamos fazer no nosso quarto no Holiday Inn e na parte de trás da perua na qual viajávamos por aí. Tocando pesado no violão, ele soa pesado. Assim, se você escreve uma parte nele, consegue imaginar como vai soar nas guitarras e amplificadores. Não é tão complicado compor dessa forma. Voltamos no tempo e compomos Snakes & Arrows (2007) assim também".
"A coisa mais estranha com 2112 é que ele simplesmente fluiu. Uma canção foi saindo da outra. Lembro-me que Alex e eu tínhamos ideias muito bem definidas sobre o tipo de música que queríamos compor, mesmo antes de olharmos para as letras, para a introdução exagerada, para o andamento e movimentos que estavam envolvidos. Em seguida, Neil escreveu as letras e as mesmas funcionaram de forma quase mágica. Não alteramos nada - apenas nos inspiramos a encaixar a música ainda mais. Ela apenas foi acontecendo".
As cartas foram bondosas com o Rush em 2112. O diretor de arte de longa data Hugh Syme criou o agora famoso logo Starman, a partir de instruções bem simples de Neil Peart (contribuiu também com partes nos teclados e mellotron no disco).
"A evolução da estrela e do homem foi minha primeira colaboração real com Neil", diz Syme agora. "Ele simplesmente descreveu a Estrela Vermelha da Federação Solar como tudo o que é contrário ao pensamento livre e a criatividade - e o homem como o nosso herói. Simplesmente combinei os dois. Nunca foi a nossa intenção que essa arte fosse o logo ou a marca da banda, assim como essa forte e duradoura associação com todas as outras coisas relacionadas ao Rush".
Alguns anos depois, Alex Lifeson compartilhou seus pensamentos sobre porquê do logo Starman ter resistido tão bem, e sobre qual deve ter sido o segredo para sua longevidade e associação com o Rush. "O bumbum nu e o punho, eu acho", disse ele sem pestanejar. "É isso, o bumbum e o punho".
Enquanto a capa e as artes internas traziam simbolismos pesados, o verso foi dedicado a uma foto dos integrantes com rostos sérios, vestidos naquilo que só poderia ser descrito como quimonos.
"Ah, os quimonos... é isso que eram", diz Lee com uma risada. "Você acha que eram afeminados?".
"Sabe, as pessoas da nossa gestão ficavam nos dizendo, 'Vocês precisam de uma nova imagem'. E é verdade - não éramos muito orientados pela imagem. Dessa forma, lembro-me que estávamos em São Francisco e ficamos no Miyako Hotel, localizado numa parte japonesa da cidade. Dissemos, 'Ok, vamos comprar algumas roupas para o palco e fazer a imagem acontecer'. Caminhamos por lá e encontramos esses robes coloridos, dizendo, 'Ok, Vamos tentar esses'. Foi isso o que fizemos. Algumas pessoas gostaram...".
Ele fala calmamente para a Prog por cima dos óculos redondos, "Mas esse chapéu de palha que Al está usando na parte interna da capa... ninguém disse a ele para trazer esse chapéu. Foi tudo ideia dele".
E ri novamente.
A banda entrou no Toronto Sound Studios com o produtor Terry Brown em fevereiro de 1976, para a temporada mais longa gasta num álbum até então - quatro semanas notavelmente escassas. Lee diz, "Tivemos quase quatro semanas pelo que me lembro, mas que foram bem caras para nós - considerando a forma como trabalhávamos até aquele ponto".
Mesmo tendo capturado a grandiosidade do lado um com uma história épica, eles também tiveram tempo para criar um punhado de canções que foram salpicadas no lado dois do disco - algumas que ficariam no set ao vivo nos próximos anos, como "Something For Nothing" e "A Passage To Bangkok". E, para uma banda que passava a vida trabalhando na estrada, um bônus foi que conseguiram ir para casa todas as noites.
"Sei que pode soar porque estou olhando agora, mas não foi um disco muito difícil de fazer", diz Lee. "Ele apenas aconteceu - não me lembro de termos lutado muito. Na verdade, lembro-me de ter sido sempre uma experiência positiva, como em Permanent Waves - um tipo de disco que acabou acontecendo, fluindo. Às vezes, álbuns apenas fluem da sua psique. É incrível, você nunca sabe".
"A melhor coisa sobre o sucesso de 2112", diz Neil Peart, "é que a gravadora era muito contra quando ele decolou. Nunca mais poderiam nos dizer o que fazer novamente".
"É verdade", diz Lee, "e acho que também é justo dizer que o disco salvou nossas carreiras. Mas não tínhamos qualquer senso instintivo de que iríamos fazer algo melhor do que Caress of Steel. Gostamos do Caress of Steel! Claro, todos os discos que fazemos achamos que são melhores que o anteriores, mas estaremos facilmente nos enganando por não conseguirmos ser imparciais. Porém, acho que tínhamos a sensação de que era um bom disco, e ficamos orgulhosos. Se esse seria o nosso adeus, então deveria ser uma boa maneira de terminarmos. Não tínhamos ideia de que ele se conectaria com as pessoas da forma que aconteceu".
E, como o contato do taco numa bola bem lançada, a conexão aconteceu. As vendas começaram devagar, mas conseguiram alcançar o status de multi-platina no Canadá e nos Estados Unidos.
"Sim, o disco vendeu bem, mas ainda tínhamos muitas dívidas", diz Lee com um sorriso. "Porém, estávamos pagando e 2112 nos ajudou a quitá-las. Demorou um pouco - não houve muitos comentários quando o disco saiu. Não vendeu bem de imediato, mas foi constante e seguiu aumentando. Quando saímos em turnê, as vendas continuaram aumentando e, ao longo dos três anos seguintes, nunca se abrandaram".
O disco também abriu caminho para algo que se tornaria outro grande êxito do Rush: o álbum duplo ao vivo. All The World's A Stage (somente o Rush, ou talvez Peart, que surrupiaria o título do disco de As You Like It de Shakespeare) foi lançado em setembro daquele ano, a fim de capitalizar sobre o sucesso recém-descoberto da banda - não que fazer um disco ao vivo tenha ocorrido para os músicos.
"Realmente não havíamos pensado nisso", diz Lee. "A única coisa é que a nossa gestão e a gravadora queriam explorar o sucesso de 2112 e mantê-lo. Os álbuns ao vivo estavam na moda naquele período, sabe? O Humble Pie havia lançado um disco ao vivo que vendeu muito bem, e o Kiss também estava fazendo um desse tipo".
"Todos começaram a lançar álbuns gravados ao vivo, então eles disseram, 'Vocês têm que fazer um também'. De fato, não havíamos pensado nisso até esse ponto e, após tocarmos três noites no Massey Hall, devido ao sucesso de 2112, eles pensaram, 'Ok, faz sentido - vamos gravar nosso disco em casa', por assim dizer".
2112 era uma plataforma improvável para decolar uma carreira - eles nem sequer tocaram o lado um completo até a turnê Test For Echo, vinte anos após o lançamento do disco (Lee anunciaria no All The World's A Stage, "Gostaríamos de tocar para vocês o lado um do nosso último álbum", mas a banda omitira "Discovery" e "Oracle: The Dream").
Contudo, o disco deu-lhes o tipo de latitude artística que a maioria dos artistas só poderiam sonhar, mesmo que o Rush tenha se afastado de peças mais progressivas e extensas para abordagens mais moderadas (menos Moog e pedais de baixo e mais singles). Isso até chegarem à algo que se aproxima de um ciclo completo conceitual no álbum Clockwork Angels.
Os fãs ainda querem ouvir a história dos Sacerdotes dos Templos de Syrinx, e ainda continuam a colocar 2112 no topo das votações dos fãs e críticos. Será que Lee sabia o efeito que o álbum poderia ter quando foi lançado para o mundo?
"Não", ele diz sacudindo a cabeça de forma enfática. "É difícil saber de fato, pois você não consegue estar nos dois lados da coisa. Várias pessoas, alguns músicos realizados, vieram a mim desde então me dizendo, 'Esse disco realmente me atingiu. Há algo de muito diferente nele'".
"Porém, a minha sensação é que houve muita paixão ali, muita ferocidade - um som que era de fato muito diferente de qualquer outra coisa que estava acontecendo naquele momento. Acho que foi um corte - sabe, um corte no equilíbrio de toda música que estava lá fora, atingindo as pessoas".
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