A HISTÓRIA COMPLETA DA SAGA CYGNUS X-1



29 DE ABRIL DE 2017 | POR VAGNER CRUZ

Em comemoração ao aniversário do sexto álbum de estúdio do Rush, A Farewell to Kings (que completará 40 anos de lançamento no dia 1º de setembro de 2017), o trio lançou recentemente o single Cygnus X-1, numa edição especial limitada com 5000 unidades, na versão vinil 12".

Essa foi a primeira vez que as faixas "Cygnus X-1 Book I: The Voyage" e "Cygnus X-1 Book II: Hemispheres" (essa última lançada no álbum seguinte, Hemispheres, de 1978) são unidas num único disco.

O novo material foi lançado no Record Store Day (ou Dia Mundial das Lojas de Discos). Celebrada em 22 de abril, a data foi criada em dedicação do vinil e às lojas de discos, estas que todos os anos contam com uma série de lançamentos raros de bandas e artistas. Cygnus X-1 traz uma nova arte gráfica, criada pelo diretor de arte de longa data da banda, Hugh Syme.

Para marcar o lançamento, trazemos para vocês fatos, curiosidades, inspirações, informações e declarações de Geddy Lee, Alex Lifeson e Neil Peart sobre essas duas grandes joias do rock progressivo. Boa viagem!

CYGNUS X-1

"Book One - The Voyage"

Prologue (5:01)


In the constellation of Cygnus
There lurks a mysterious, invisible force
The Black Hole
Of Cygnus X-1

Six Stars of the Northern Cross
In mourning for their sister's loss
In a final flash of glory
Nevermore to grace the night...

1 (0:45)

Invisible
To telescopic eye
Infinity
The star that would not die

All who dare
To cross her course
Are swallowed by
A fearsome force

Through the void
To be destroyed
Or is there something more?
Atomized - at the core
Or through the Astral Door -
To soar...

2 (1:34)

I set a course just east of Lyra
And northwest of Pegasus
Flew into the light of Deneb
Sailed across the Milky Way

On my ship, the 'Rocinante'
Wheeling through the galaxies,
Headed for the heart of Cygnus
Headlong into mystery

The x-ray is her siren song
My ship cannot resist her long
Nearer to my deadly goal
Until the Black Hole -
Gains control...

3 (3:05)

Spinning, whirling,
Still descending
Like a spiral sea,
Unending

Sound and fury
Drowns my heart
Every nerve
Is torn apart....

To be continued
CYGNUS X-1

"Livro Um - A Viagem"

Prólogo


Na constelação de Cygnus
Há uma misteriosa força invisível à espreita
O Buraco Negro
De Cygnus X-1

Seis estrelas do Cruzeiro do Norte
Em luto pela perda de sua irmã
Em um lampejo final de glória
Para nunca mais agraciar a noite...

1

Invisível
Para o olho telescópio
Infinita
A estrela que não morreria

Todos que se atrevem
A cruzar seu curso
São engolidos por
Uma força assustadora

Através do vácuo
Serão destruídos
Ou há algo mais?
Pulverizados - no núcleo
Ou através do Portal Astral -
A planar...

2

Tracei o curso à leste de Lyra
E à noroeste de Pegasus
Voei na luz de Deneb
Atravessei a Via Láctea

Na minha nave, a 'Rocinante'
Rodando através das galáxias,
Rumei para o coração de Cygnus
Impetuosamente para o mistério

O raio-x é seu canto da sereia
Minha nave não pode resisti-lo por muito tempo
Mais próximo do meu objetivo mortal
Até o Buraco Negro -
Tomar o controle...

3

Girando, rodopiando
Ainda descendo
Como um mar em espiral,
Interminável

Som e fúria
Afogam meu coração
Cada nervo
É dilacerado....

Continua


Música por Geddy Lee, Alex Lifeson e Neil Peart / Letra por Neil Peart


O primeiro livro de uma aventura que perpassa dimensões

A sexta e última faixa de A Farewell To Kings é "Cygnus X-1 Book I: The Voyage". Enquanto as cinco primeiras canções lidavam de certa forma com cenários e elementos de dias passados, o último empreendimento desse trabalho leva o ouvinte ao futuro em um piscar de olhos, retratando uma intensa aventura sci-fi.

Afastados o ambiente urbano, o Rush concebe seu quinto álbum com marcante roupagem geral pastoril, mas, ao mesmo tempo, soando bastante poderoso. De forma surpreendente, eles ainda conseguiriam espaço para mais uma de suas faixas épicas tradicionais, contando a história de um piloto que se atreve a ingressar em uma viagem apavorante com sua nave espacial para o buraco negro Cygnus X-1. Com pouco mais de 10 minutos, a construção, que também traz Peart não somente como compositor da letra, mas também da música (ao lado de Geddy e Alex), se debruça na astronomia, inspirada por um artigo da revista norte-americana Time que tratava sobre buracos negros e suas origens, que levou o letrista a pesquisar mais sobre o assunto. Conforme descobria novas informações, o conceito para uma composição tomou forma. A criação seria a primeira parte de um épico que a banda já pretendia continuar em seu próximo disco de estúdio, representando, portanto, uma fantástica odisseia espacial. "A canção é dolorosa, obscura e pesada. É muito variada", diz Neil.

"Li um artigo da revista Time tratando do mesmo tema, mas com outro ponto de vista", ele continua. "Buracos Negros são como glóbulos formados por poeira, gás e partículas que por fim podem se tornar uma estrela. Há teorias variantes sobre Cygnus X-1. Minha favorita é que se trata de uma rachadura em nossa dimensão, em nosso universo, em nosso plano, e que nos leva a algo diferente".

"O álbum é muito variado, e ainda estamos na ficção científica"
, reconhece Geddy. "Há um épico do gênero chamado 'Cygnus X-1', e sua raiz veio da Time. Neil estava lendo uma edição que falava sobre buracos negros e sua origem aproximada, decidindo construir uma música em torno disso".

"Acho que a ficção científica, no seu melhor, é uma abertura para a imaginação. Não há limites"
, conclui o baterista.

"Cygnus X-1" se desenvolve ao longo de três seguimentos. A marcante introdução define o tema e o ritmo, lentamente revelando a história e construindo o objetivo lírico e musical. O seguimento dois, bastante atraente e interessante, documenta elementos significativos da viagem para o temível e misterioso buraco negro, além dos primeiros impactos do poder devastador que se aproxima. O terceiro e último seguimento mergulha, portanto, em todo o inferno dessa insana experiência, deixando no ar um incrível e instigante questionamento. Novamente, o Rush se apresenta em uma forma artística estupenda e, maravilhosamente, ainda crescente.

Prologue (0:00 - 5:01 / Total: 5:01)

O trecho inicial é o mais longo da canção, marcando pouco mais de cinco minutos. O título, pelo latim prologos - "aquilo que se diz antes", é um termo originalmente utilizado na tragédia grega que se refere à parte anterior à entrada do coro e da orquestra, na qual se enuncia o tema da peça. Narrada introdutoriamente pelo produtor Terry Brown, "Prologue" apresenta o tema proposto de forma perturbadoramente intrigante. Com um show de sintetizadores característicos do space rock, a paisagem sonora eletrônica e dissonante relata uma misteriosa força existente na constelação de Cygnus, e toque fantástico se inicia indicando a existência de estrelas em luto pela perda de uma de suas irmãs, que se apagara.

"As vozes em 'The Necromancer' e 'Grand Finale' foram feitas por nós, enquanto Terry Brown fez as de 'Cygnus'", explica Neil. "Os efeitos foram criados utilizando delays digitais, flanging e, quem sabe, tudo isso junto!"

"Para obter o som único que eles queriam para esse épico futurista, dedicamos um dia inteiro no Rockfield Studios, País de Gales, buscando esses efeitos especiais, coisa que não poderíamos apenas tirar do chapéu"
, explica o produtor Terry Brown. "Estávamos numa grande confusão. Alex teve que ligar sua guitarra em vários pedais, e esses estavam conectados a um monte de unidades digitais na sala de controle. Acabamos desenvolvendo nossas ideias com tape loops e um monte de sons diferentes".

Um marcante riff de baixo fortemente sincopado surge gradativamente, com a banda logo se unindo aos efeitos sonoros iniciais. Tempos alternados e complexos, densidade, ataques instrumentais desafiadores – o ouvinte, à essa altura, já está inteiramente inserido no cenário obscuro e amedrontador da composição.

Em "Prologue", temos a apresentação de Cygnus X-1, um buraco negro de massa estelar, classe que nasce a partir do colapso de uma estrela massiva. Essa estrutura localiza-se na constelação de Cygnus (Cisne em grego), uma das mais destacadas do céu setentrional, ou seja, no hemisfério norte celeste. Ao observar a obra Uranographia (1690) do astrônomo polonês Johannes Hevelius (1611 - 1687), o conjunto de estrelas brilhantes em Cygnus sugere o contorno de um cisne, tradicionalmente representado voando para o Sul, descendo a Via Láctea. Segundo mitos, estes que apresentam algumas variações, o cisne foi um disfarce adotado pelo deus grego Zeus para uma de suas seduções ilícitas. As principais estrelas dessa constelação também delineiam uma grande cruz, sendo também usualmente conhecida por Cruzeiro ou Cruz do Norte.

Simplificadamente, um buraco negro é um corpo celeste extremamente denso, ou seja, de massa muito grande para o espaço que ocupa, resultando em um campo gravitacional tão forte do qual nem a luz pode escapar. O buraco negro ocorre, por exemplo, quando uma estrela não possui mais pressão suficiente para produzir uma força para fora que contrabalance com o peso de suas camadas externas. Essas, portanto, caem sobre as camadas interiores, produzindo uma implosão que dá origem ao fenômeno. Sendo praticamente invisíveis, estes podem ser detectados a partir da análise de sua interação com a matéria vizinha, exercendo sua força gravitacional sobre os corpos ao redor, movimentando-os.

O prólogo falado e distorcido está imerso em texturas de sons eletrônicos que ressoam ruídos similares a sinos, estes que representam na canção algumas das atividades do próprio buraco negro - os mesmos elementos retornarão após a nave do protagonista alcançar seu objetivo. Outros fatos interessantes a serem ressaltados são as escalas incomuns que incitam os cenários espaciais e de suspense, deflagradas aos 3:30, 6:34 e 7:03. Conhecidas como double harmonic major ou Ahava Rabba, são utilizadas principalmente na música de várias culturas orientais, trazendo medidas anormalmente amplas (com segundos aumentados).

1 (5:02 - 5:47 / Total: 0:45)

O breve trecho "1" lança a inquietante questão: Haveria algo além de Cygnus X-1? Seria possível, de alguma forma, triunfar sobre o seu gigantesco poder? Nesse momento, já fica nítido o que os canadenses buscavam descrever e provocar com sua fantástica peça: sensações de muito mistério, suspense e aventura. Pontualmente, temos a acertada afirmação da dificuldade de detecção e comprovação dos buracos negros, além da exposição de teorias sobre o que aconteceria se um corpo conseguisse mergulhar em seu interior.

Existem muitas controvérsias na comunidade científica em torno da origem e estrutura desses corpos monstruosos e misteriosos, que refletem pontos de infinita intensidade de difícil compreensão para a mente humana. Sendo sua gravidade tão devastadora, certamente nada poderia resistir nele. Dessa forma, sua nomenclatura é, de fato, a única a descrevê-lo satisfatoriamente.

O questionamento final desse trecho é baseado na ideia de que, mesmo estranha, a presença de buracos negros no núcleo das galáxias seja talvez uma definitiva característica das mesmas. Estudos revelam que muitas das galáxias estudadas, das milhares existentes, trazem um buraco negro em seus núcleos. Dessa forma, estes podem estar diretamente ligados aos surgimentos das próprias galáxias.

Os buracos negros influenciam profundamente o que está ao seu redor. Eles expelem enormes jatos que se movem quase que na velocidade da luz, impondo ondas de choque no ambiente próximo e mudando tudo o que os cerca, inclusive sendo os responsáveis pela própria expansão das galáxias. Em galáxias menores, a violência de suas zonas de propulsão espalham elementos pesados gerados nos núcleos, preparando o cenário para a formação de novos sistemas solares. Os buracos negros, portanto, também são atores no palco galáctico, e um deles pode ter ajudado a criar o próprio sistema solar em que vivemos.

Os buracos negros representam uma sombra secreta por trás da dança das galáxias. Distorcem nuvens de gás e lançam estrelas através do espaço, gerando campos de energia que acabariam com qualquer forma de vida em suas proximidades. Tratam-se de presenças sombrias que há muito tempo explodiram, dando forma ao universo que conhecemos.

2 (5:48 - 8:09 / Total: 2:21)

O trecho "2" tem início de maneira cativante, com uma momentaneamente acessível melodia hard rock que documenta o início da jornada ao temível buraco negro. A bordo da nave Rocinante, o trajeto do herói pela Via Láctea é descrito por Peart de forma impecável, onde viajamos através do espaço entre as estrelas até o mergulho em Cygnus X-1. Com uma excelente descrição de localização, a constelação de Cygnus está situada exatamente a leste da constelação de Lyra, e a noroeste de Pegasus. Cygnus é formada por várias estrelas brilhantes e muitos objetos celestes, e Alpha Cygni, mais conhecida como Deneb (árabe para cauda), localizada no chamado 'topo' da cruz ou na 'cauda' do cisne, é a estrela mais brilhante da constelação, apesar de estar cerca de trinta vezes mais longe da Terra do que as demais.

O cenário musical é rapidamente mergulhado em movimentos de grande dramaticidade, que seguem acompanhando perfeitamente o desenrolar dos eventos. Buracos negros são circundados por nuvens de gás extremamente quentes, havendo raios-x, raios ultravioleta, estrelas se chocando umas com as outras, enfim, um ambiente extremamente hostil.

Nesse trecho algumas pequenas influências literárias são utilizadas. Rocinante, o nome da nave do protagonista, era o nome do cavalo de Dom Quixote (1605), famosa obra de Miguel de Cervantes (1547-1616). Este termo também foi utilizado pelo escritor norte-americano John Steinbeck (1902-1968), em seu livro Travels With Charley: In Search of America, de 1962.

"Rocinante era o nome do cavalo de Dom Quixote, e também o nome do caminhão em Travels With Charley. Apenas gostei, e isso é tudo", explica o letrista. "Nunca havia sido um nerd sci-fi - não assistia Star Trek ou lia ficção científica - mas quando morava na Inglaterra, estava bem duro e não tinha dinheiro para comprar livros. Então, ao vasculhar o armário onde morava, encontrei um monte de títulos sci-fi. Isso me reintroduziu ao gênero e me fez perceber que nem tudo eram apenas números e circuitos integrados, atualizando minha ideia do que o estilo era e me levando para a fantasia. Eu tinha um lote inteiro dessas leituras naquele momento, me tornando um jovem interessado em fantasia, ficção científica e universos alternativos. Isso era tudo em minhas leituras, e naturalmente refletiram em minhas letras".

Assim como no trecho "No One at the Bridge", da faixa "The Fountain of Lamneth" (álbum Caress of Steel, de 1975), a frase "The x-ray is her siren song" (O raio-x é seu canto da sereia) foi inspirada no poema épico A Odisséia, de Homero, (~900 A.C.). Na obra, o herói Odisseu, para evitar aproximação com as sereias sedutoras, utilizou cera nos ouvidos de seus marinheiros e amarrou-se no mastro de seu navio a fim de poder ouvi-las sem conseguir se aproximar. Porém, aqui é o raio-x emanado de Cygnus X-1 atrai a Rocinante para si. À medida que o piloto se aproxima, torna-se cada vez mais difícil controlar a nave, e ela acaba sendo puxada pela terrível força de sua gravidade.

Por fim, o protagonista mergulha descontroladamente com sua nave no buraco negro. Essa seção contém um solo incrivelmente perturbador com wah-wah de Lifeson que, ao lado de um instrumental agora terrivelmente intenso, ajuda a traduzir todo furor e terror do momento. As escalas incomuns, que ressurgem aos 6:34, sugerem a representação da sucção da nave pelo imenso campo gravitacional, e os vocais de Geddy expressam com maestria essa gigantesca queda.

3 (8:10 - 10:26 / Total: 2:16)

A parte "3" finaliza a canção, retratando de forma precisa a intensidade imposta à nave que acabara de ser sugada pela estrondosa força do buraco negro. Toda tensão e adrenalina imagináveis são inacreditavelmente representadas por um instrumental pesadíssimo, idealizado pela magnífica genialidade dos três músicos. Os vocais de Geddy estão definitivamente atordoantes, nunca antes mostrados com tamanho poder.

A ação do buraco negro é fortemente transmitida, com a percussão e os demais instrumentos trabalhando o suficiente para expressar uma atmosfera terrivelmente amedrontadora. O viajante, portanto, mergulha com sua nave em direção ao coração da estrela morta.

Sendo um corpo que devora tudo ao seu alcance e que também expele energia, o buraco negro, ao receber matéria, faz com que a mesma caia em uma espiral ao redor de um disco, como água em um ralo, e a velocidade que a mesma pode atingir em seu interior aproxima-se da velocidade da luz. Dessa forma, um redemoinho de matéria em alta velocidade envolve o buraco negro, criando um poderoso campo magnético que arremessa enormes volumes de gases para fora, produzindo um fluxo de materiais centenas de milhões de vezes maiores que o poder do Sol, expelido para fora da galáxia.

Sua ação sobre a nave seria como um caiaque contra a correnteza de um rio - tudo é arrastado para seu centro. A gravidade se torna um turbilhão, e quanto mais perto dele mais forte é a corrente. Finalmente atinge-se o chamado horizonte de eventos, popularmente conhecido com o ponto de não-retorno, uma fronteira teórica ao redor da estrutura, um ponto sem volta. Nesse campo ocorre um paradoxo no qual as leis da física não podem ser diretamente aplicadas, uma vez que resultam em absurdos matemáticos. A matéria é sugada e destruída no centro, em uma região de infinita distorção do tempo e espaço, desintegrando-se. Considerando um corpo humano entrando em um buraco negro, a sensação seria de que algo estivesse rasgando-o. A força atrativa é cada vez mais forte, à medida que excede as forças moleculares que mantém o corpo, com todos os átomos por fim sendo separados.

O mergulho em um buraco negro, segundo equações do físico Albert Einstein (1879 - 1955), mostra em seu núcleo um horizonte emaranhado de luz e energia. Esse traz um flash de luz brilhante e infinita que está presa e que não consegue sair, que facilmente transformaria um corpo em vapor. Todavia esse não seria, de fato, o fim da jornada. As previsões de Einstein dão conta de uma passagem se abre, um túnel no espaço e no tempo chamado Wormhole (Buraco de Minhoca) – que levaria a uma porta conhecida como buraco branco, com a lógica da gravidade extrema indo em sentido oposto. Ao invés de ser sugado, o corpo aqui seria catapultado. Na ficção cientifica, os buracos de minhoca oferecem ótimas rotas de escape para outros universos. Porém, o interior de um buraco negro é muito caótico e violento para que um buraco de minhoca chegue a se formar.

Outro símbolo da alteridade em "Cygnus X-1" é a série de acordes estranhamente independentes (de 3:20 a 4:54) que representam o interior do buraco, tornando-se claro o retorno dessa visão na parte "3 (em 8:33), da mesma forma que ocorre com os vocais de Geddy, cantados em uma faixa de afinação verdadeiramente desumana para descrever a descida e a dissolução do protagonista. A seção clímax do "Livro Um" descreve a Rocinante girando fora de controle, com o corpo do piloto sendo totalmente pulverizado. Porém, em sua busca pelo desconhecido momentaneamente encerrada, ele ainda faria valer a pena o esforço insano.

Por fim, a linha "sound and fury" ("som e fúria") é inspirada no famoso solilóquio de Macbeth, tragédia do poeta e dramaturgo inglês William Shakespeare (1564 - 1616), utilizada também pelo escritor norte-americano William Faulkner (1897 - 1962) como título de seu romance mais famoso. O trecho da obra de Shakespeare parece indicar os desdobramentos que estariam por vir nessa grande produção do Rush:

"Amanhã, e amanhã, e ainda outro amanhã
Arrastam-se nessa passada trivial do dia para a noite, da noite para o dia,
Até a última sílaba do registro dos tempos.
E todos os nossos ontens não fizeram mais que iluminar para os tolos
o caminho que leva ao pó da morte. Apaga-te, apaga-te, chama breve!
A vida não passa de uma sombra que caminha, um pobre ator
Que se pavoneia e se aflige sobre o palco –
Faz isso por uma hora e, depois, não se escuta mais sua voz.
É uma história contada por um idiota, cheia de som e fúria
E vazia de significado".


"Cygnus X-1 - Book One: The Voyage" não é somente uma canção – é, certamente, uma forte experiência. Com o cessar de todo o caos, que de forma sutil dá lugar a diminutos acordes repetidos e a quase imperceptíveis batimentos cardíacos, nos perguntamos: o herói sobrevivera? Conseguiríamos conhecer o improvável além de Cygnus X-1? A pequena indicação 'To be continued' revelaria que ainda há vida, e que o desafio, de certa forma, foi surpreendentemente vencido.

CYGNUS X-1 BOOK II: HEMISPHERES

I. Prelude (4:28)

When our weary world was young
The struggle of the Ancients first began
The Gods of Love and Reason
Sought alone to rule the fate of Man

They battled through the ages
But still neither force would yield
The people were divided
Every soul a battlefield...

II. Apollo Bringer of Wisdom (2:35)

'I bring Truth and Understanding
I bring Wit and Wisdom fair
Precious gifts beyond compare
We can build a world of wonder
I can make you all aware'

'I will find you food and shelter
Show you fire to keep you warm
Through the endless winter storm
You can live in grace and comfort
In the world that you transform.'

The people were delighted
Coming forth to claim their prize
They ran to build their cities
And converse among the wise


But one day the streets fell silent
Yet they knew not what was wrong
The urge to build these fine things
Seemed not to be so strong

The wise men were consulted
And the Bridge of Death was crossed
In quest of Dionysus
To find out what they had lost...

III. Dionysus Bringer of Love (2:05)

'I bring Love to give you solace
In the darkness of the night
In the Heart's eternal light
You need only trust your feelings;
Only Love can steer you right'

'I bring Laughter, I bring Music
I bring Joy and I bring Tears
I will soothe your primal fears
Throw off those chains of Reason
And your prison disappears'

The cities were abandoned
And the forests echoed song
They danced and lived as brothers;
They knew Love could not be wrong


Food and wine they had aplenty
And they slept beneath the stars
The people were contented
And the Gods watched from afar

But the winter fell upon them
And it caught them unprepared
Bringing wolves and cold starvation
And the hearts of men despaired...

IV. Armageddon The Battle of Heart and Mind (3:06)

The Universe divided
As the Heart and Mind collided
With the people left unguided
For so many troubled years
In a cloud of doubts and fears
Their world was torn asunder
Into hollow hemispheres

Some fought themselves, some fought each other
Most just followed one another
Lost and aimless like their brothers
For their Hearts were so unclear
And the Truth could not appear
Their spirits were divided
Into blinded hemispheres

Some who did not fight
Brought tales of old to light
My 'Rocinante' sailed by night
On her final flight


To the heart of Cygnus' fearsome force
We set our course
Spiralled through that timeless space
To this immortal place

V. Cygnus Bringer of Balance (4:05)

I have memory and awareness
But I have no shape or form
As a disembodied spirit
I am dead and yet unborn


I have passed into Olympus
As was told in tales of old
To the city of Immortals
Marble white and purest gold

I see the Gods in battle rage on high
Thunderbolts across the sky
I cannot move, I cannot hide
I feel a silent scream begin inside

Then all at once the Chaos ceased
A stillness fell, a sudden peace
The Warriors felt my silent cry
And stayed their struggle, mystified

Apollo was astonished
Dionysus thought me mad
But they heard my story further
And they wondered, and were sad

Looking down from Olympus
On a world of doubt and fear
Its surface splintered
Into sorry hemispheres

They sat a while in silence
Then they turned at last to me
'We will call you Cygnus,
The god of Balance you shall be'

VI. The Sphere A Kind of Dream (1:05)

We can walk our road together
If our goals are all the same
We can run alone and free
If we pursue a different aim

Let the truth of love be lighted
Let the love of truth shine clear
Sensibility
Armed with sense and liberty
With the Heart and Mind united
In a single perfect sphere
CYGNUS X-1 LIVRO II: HEMISFÉRIOS

I. Prelúdio

Quando nosso mundo esgotado era jovem
A luta dos Antigos começou
Os Deuses do Amor e da Razão
Procuraram governar sozinhos o destino do Homem

Eles lutaram através dos tempos
Mas ainda assim nenhuma força se renderia
As pessoas estavam divididas
Cada alma um campo de batalha...

II. Apolo Portador da Sabedoria

'Eu trago a Verdade e a Compreensão,
Trago Inteligência e justa Sabedoria
Dons preciosos incomparáveis
Podemos construir um mundo de maravilhas
Posso fazer todos vocês conscientes'

'Encontrarei para vocês alimento e abrigo
Mostrarei a chama para mantê-los aquecidos
Em meio a interminável tempestade de inverno
Vocês podem viver em graça e conforto
No mundo que transformam'.

As pessoas ficaram encantadas
Vindo à frente reivindicar seu prêmio
Elas correram para construir suas cidades
E conversar em meio aos sábios


Mas um dia as ruas ficaram em silêncio
No entanto eles não sabiam o que havia de errado
O desejo de construir essas belas coisas
Não parecia ser tão forte

Os sábios foram consultados
E a Ponte da Morte havia foi cruzada
Em busca de Dionísio
Para descobrir o que haviam perdido...

III. Dionísio Portador do Amor

'Eu trago amor para lhes dar conforto
Na escuridão da noite
Na luz eterna do Coração
Vocês precisam apenas confiar em seus sentimentos;
Apenas o amor pode guiá-los corretamente'

'Eu trago Risos, trago Música
Trago Alegria e trago Lágrimas
Irei acalmar seus medos primitivos
Livrem-se dessas correntes da Razão
E a prisão de vocês desaparece'

As cidades foram abandonadas
E as florestas ecoaram canção
Eles dançaram e viveram como irmãos;
Sabiam que o amor não poderia estar errado


Eles tinham comida e vinho à vontade
E dormiam sob as estrelas
As pessoas estavam contentes
E os Deuses observavam de longe

Mas o inverno caiu sobre eles
E os pegou desprevenidos
Trazendo lobos e fria penúria
E os corações dos homens se desesperaram...

IV. Armageddon A Batalha do Coração e da Mente

O Universo dividido
Assim como o Coração e a Mente colididos
Com as pessoas deixadas sem orientação
Por tantos anos conturbados
Em uma nuvem de dúvidas e medos
Seu mundo foi despedaçado
Em vazios hemisférios

Alguns lutaram consigo mesmos, alguns entre si
A maioria apenas seguiu o outro
Perdidos e sem rumo como seus irmãos
Por seus Corações estarem tão obscuros
E a Verdade não poderia aparecer
Seus espíritos foram divididos
Em cegos hemisférios

Alguns que não lutaram
Trouxeram contos dos antigos à luz
Minha 'Rocinante' navegou pela noite
Em seu voo final


Para o coração da força temível de Cygnus
Ajustamos nosso curso
Giramos por aquele espaço atemporal
Para esse lugar imortal

V. Cygnus Portador do Equilíbrio

Eu tenho memória e consciência
Mas não tenho aspecto ou forma
Como um espírito desencarnado
Estou morto e ainda por nascer

Eu passei para o Olimpo
Como mencionado em contos dos antigos
Para a cidade dos Imortais
Mármore branco e o mais puro ouro

Eu vejo os Deuses enfurecidos em batalha
Raios através do céu
Não posso me mover, não posso me esconder
Sinto um grito silencioso começar internamente

Então de uma vez o caos cessou
Uma silêncio surgiu, uma paz repentina
Os Guerreiros sentiram meu grito silencioso
E protelaram sua luta, mistificados

Apolo estava atônito
Dionísio achou que eu era louco
Mas eles ouviram minha história ainda mais
E se questionaram, e estavam tristes

Olhando para baixo do Olimpo
Em um mundo de dúvida e medo
Sua superfície se estilhaçou
Em pesarosos hemisférios.

Eles sentaram-se em silêncio por algum tempo
E finalmente se voltaram a mim
'Vamos chamá-lo Cygnus,
O deus do Equilíbrio você deverá ser'.

VI. A Esfera Uma Espécie de Sonho

Podemos caminhar nossa estrada juntos
Se nossos objetivos são todos os mesmos
Podemos correr sozinhos e livres
Se perseguimos um objetivo diferente

Deixe a verdade do amor ser iluminada
Deixe o amor da verdade brilhar claramente
Sensibilidade
Armada com razão e liberdade
Com o Coração e a Mente unidos
Em uma única esfera perfeita


Música por Geddy Lee e Alex Lifeson / Letra por Neil Peart


A batalha entre o coração e a mente

O sexto álbum de estúdio da carreira do Rush, Hemispheres, significa o fim de um ciclo. Seu início propõe o tema épico central, "Cygnus X-1 Book II: Hemispheres", uma peça extensa com pouco mais de 18 minutos que continua a fantástica jornada pela constelação de Cygnus, proposta na faixa "Cygnus X-1 Book I: The Voyage", conclusão do anterior A Farewell To Kings, de 1977. Após ser literalmente sugado pelo buraco negro Cygnus X-1, o herói-piloto da canção se depara com o inimaginável, encarando uma nova e surpreendente dimensão onde reinam dois deuses que representam forças a princípio opostas: Apolo, defensor da razão e da racionalidade e Dionísio, que luta pelas emoções e pela intuição.

Desde a chegada de Neil Peart em 1974, o Rush perseguiu níveis cada vez mais rigorosos de complexidade musical e lírica em suas criações. Mesmo mantendo a atmosfera bucólica de A Farewell to Kings (ambos foram gravados no Rockfield Studios, localizado no interior do País de Gales), a sofisticação das quatro composições (duas curtas mais acessíveis, porém não menos exuberantes, e outras duas de alta potência, sendo "Hemispheres" uma delas), ao lado da precisão extrema de suas execuções, são sempre permeadas por excelentes e tocantes melodias. A harmonia entre o estímulo intelectual e sensível faz do álbum não somente um dos picos de prestígio em toda a discografia da banda, mas também do gênero rock progressivo como um todo.

Extremamente criativa, poética e simbólica, "Cygnus X-1 Book II: Hemispheres" encerra uma era – o Rush finalizaria portanto sua fase de grandes jornadas fantásticas. Pela terceira e última vez, a banda oferecia uma canção a abranger por completo um dos lados do antigo vinil, com a temática totalmente envolvida por elementos da literatura sci-fi e fantasia. Sua incrível e intrincada musicalidade é montada em uma estrutura extremamente coesa, sólida e unificada, ao longo de seis partes encantadoras e de características progressivas bastante proeminentes e inovadoras. A letra oferece uma história maravilhosa, um conto para a vida que passeia por paisagens sonoras deslumbrantes - Lee adapta sua voz a essas variadas passagens, transmitindo toda a emoção exigida pelos diálogos e cenários, o que o leva para novos territórios vocais e que lhe rendem resultados bastante positivos. "Hemispheres" traz inúmeros cuidados complexos, sendo sempre fluída, majestosa e aplicada. A canção e todo o decorrer do álbum encarnam tudo de melhor em seu gênero constituinte, colocando o Rush como uma das bandas que, definitivamente, estão no topo do obelisco e funcionando como resultado da constante dedicação perseguida em seus trabalhos anteriores. A conquista é um equilíbrio perfeito entre um épico multifacetado de composições concisas e igualmente majestosas.

O terreno explorado em "Hemispheres" mostra o quão incalculáveis eram, a essa altura, as inspirações, perícia e capacidades dos três canadenses, buscando conduzir seu imaginativo e engenhosidade para onde nenhuma outra banda jamais havia ido. Com esse trabalho, o Rush consegue afirmar em definitivo uma de suas maiores características: a incrível habilidade de utilizar músicas maravilhosas para narrar incríveis histórias, sendo incomparável a combinação de seus contos épicos envolventes a um perfeito acompanhamento instrumental.

Hemispheres, por sua vez, não deve ser definido como um álbum conceitual, mas sim temático. Todas as suas canções lidam com a luta pelo encontro do equilíbrio em dicotomias aparentemente irreconciliáveis: emoção e razão, mudança e estabilidade e individualismo e igualitarismo. Tais temas alimentam algumas das letras mais criativas, imaginativas e estilisticamente diversificadas do grupo no período, sendo, portanto, um ápice de ousadia, técnica e excelência musical.

O conto que visita primeiramente elementos futuristas e espaciais no "Livro I" deságua agora em um contexto intrigante e quimérico. Mergulhado em suspense, o que teria acontecido com o herói, após desaparecer no buraco negro?

O conceito de "Hemispheres" é imediatamente revelado na capa do disco: a figura de um cérebro, com um homem nu e irreverente do lado direito representando Dionísio, e outro austero vestindo terno do lado esquerdo ilustrando Apolo. A canção consegue combinar perfeitamente a estrutura e temas de uma tragédia grega a pequenos elementos sci-fi, com Peart seguindo cuidadosamente o modelo ao oferecer um prelúdio, capítulos que se orientam por um tema central (com monólogos e coros) e um epílogo.

Em linhas gerais, Apolo e Dionísio representam convenções modernas sobre as funções dos hemisférios direito e esquerdo do cérebro, esquematizando um argumento clássico onde a lógica e as emoções são confrontadas. A guerra entre o coração e a mente proposta por Peart utiliza elementos líricos da filosofia contemporânea, ficção cientifica clássica e mitologia grega, fundindo-os em um grande poema complexo e profundo. Trata-se, nesse momento, do esforço lírico e musical mais ousado da banda, uma cativante representação que entrelaça elementos eruditos de maneira genial.

O tema central da canção foi originalmente inspirado no livro Powers of Mind (Poderes da Mente), escrito em 1975 pelo economista norte-americano George Goodman (1930 - 2014), conhecido também pelo pseudônimo Adam Smith (reverenciando o economista escocês do século XVIII de mesmo nome). Peart utiliza como base o capítulo em que Smith propõe a divisão do cérebro em dois hemisférios – sendo Apolo o representante do lado esquerdo e Dionísio do lado direito.

"A ideia básica veio de um livro que eu estava lendo chamado "Powers of Mind". Foi apenas incidental, mas era algo sobre o qual já havia lido antes. Dessa forma, amarrei essas ideias a um monte de outras coisas, sendo básico o conflito constante entre pensamentos e emoções, entre sentimentos e ideias racionais. Apolo e Dionísio têm sido utilizados em muitos livros para caracterizar esses dois elementos, o lado racional e o lado instintivo. Sempre me interessei nas formas com que esses dois temas se transmitem em pessoas na vida política ou social. Todos esses conflitos – instinto e racionalidade – estão sempre acontecendo entre nós, e esse é o tema básico de 'Hemispheres'".

O teor figurativo de "Hemispheres" se aproxima da filosofia nietzschiana e fisicalista. Seu enredo é semelhante à obra O Nascimento da Tragédia, escrita por Friedrich Nietzsche (1844 – 1900) em 1872, quando tinha apenas 28 anos. Nela manifestam-se questionamentos fundamentais sobre os quais o filósofo procurará responder: Porque um povo que valoriza tanto a razão, a ordem e o controle das paixões teve necessidade de criar uma arte como a tragédia, onde se expressa o irracional e o misterioso? Como deve o individuo encarar o sofrimento, a crueldade, a dor e o horror que caracteriza a história da humanidade? É possível dar algum sentido a esta história? O sofrimento e o horror são inerentes à própria condição humana?

Nietzsche utiliza os dois personagens gregos, Apolo e Dionísio, criando uma analogia representativa do conflito que se passa no interior da mente, entre o princípio da racionalidade e ordenação e o princípio dos desejos, paixões e impulsos. "Ambos os impulsos, tão diversos, caminham lado a lado, na maioria das vezes em discórdia aberta…".

Para responder essas questões, Nietzsche estuda a tragédia, pondo em evidência sua origem ligada ao culto do deus Dionísio (ou Baco, para os romanos), o último a entrar no Olimpo. É popularmente conhecido como o deus do vinho, ligado também aos cultos primaveris. Seus rituais ocorriam nas montanhas e florestas, praticando-se as festividades, a embriaguez, a natureza, o excesso e o irracional, e as festas em sua honra eram inseparáveis da música e da dança. Porém, a este Nietzsche contrapõe Apolo, estabelecendo uma dualidade ao trazê-lo como símbolo da ordem, medida, proporção e forma.

É possível afirmar que o primeiro exprime as forças misteriosas e irracionais, e o segundo a ordem e moderação. Nietzsche reinterpretou a história do teatro grego à luz dessa dualidade, e o apogeu da tragédia corresponde a um perfeito equilíbrio entre o espírito dionisíaco e o apolíneo. Enquanto durou essa fase da tragédia grega, a questão de um sentido da existência humana não se colocava para os gregos. Estes pareciam aceitar a falta de sentido do mundo e da sua própria existência, fazendo da força no enfrentamento dessa realidade sua principal virtude.

Na apresentação apolínea, encontramos a racionalidade e a ilusão num jogo perigoso orientado para os valores da verdade, do belo e do justo. Já na dionisíaca, não há uma simples oposição a tais tendências civilizacionais. O dionisíaco é o outro impulso fundamental no qual está sempre em jogo o limite dos indivíduos - o instinto de força e de luta, de desequilíbrio. A vida, portanto, implica um confronto primevo entre esses limites individuais, não estando regulado a qualquer vontade boa ou justa, racional ou misericordiosa.

No homem dionisíaco está viva a consciência do apolíneo como convencional, como uma ilusão da perspectiva do indivíduo. Para o homem dionisíaco, as criações apolíneas não passam de acontecimentos de superfície. O artista apolíneo almeja a bela aparência, a boa ilusão que se encobre o ser, representando figuras bem delimitadas na sua individualidade, puras em sua beleza, caracterizadas pelo equilíbrio e pela harmonia. O artista apolíneo representa todos os valores tradicionalmente reconhecidos aos gregos, e o dionisíaco exacerba a dissolução do indivíduo, a desmesura, o exagero.

São dois impulsos opostos, contraditórios, porém complementares da criação estética e universal. O dionisíaco deve poder manifestar-se no apolínico. A tragédia, bem como certo tipo de música, é para Nietzsche a possibilidade realizada de apresentar e desenvolver a representação e exibição apolínea dionisíaca.

Outro ponto a salientar a partir de "Hemispheres" é a chamada Filosofia da mente, uma disciplina acadêmica em que um dos problemas centrais é a diferente natureza da mente e do corpo. Somos seres físicos e, na verdade, muitos de nossos processos mentais podem ser reduzidos a estados físicos passíveis de medição. Utilizando vários tipos de varreduras, é possível verificar as mudanças que ocorrem no cérebro em tempo real, com base no que é experimentado. Mas há ainda uma parte central da experiência consciente – os sentimentos – que não são possíveis de serem reduzidos a uma ação física mensurável. Alguns filósofos da mente, conhecidos como fisicalistas, afirmam que será possível condensar, futuramente, estados subjetivos para ações físicas mensuráveis. Porém, existem outras escolas que acreditam no desenvolvimento de ferramentas finas o suficiente para medir esses estados, simplesmente porque eles não são de natureza passível de medição.

O álbum e sua canção-tema ressaltam os hemisférios cerebrais separados que, no caso da banda, já coincidem a inteligência e a proficiência técnica com o ingrediente que iria desempenhar um papel cada vez mais vital nos trabalhos subsequentes: a alma.

"Cygnus X-1 Book II: Hemispheres" é um rompante no qual explodem literalmente os talentos dos três canadenses, desumanos em sua perfeição. Com mudanças de tempos constantes, sempre guiadas pelas guitarras geniais de Lifeson, pelas as linhas de baixo firmes de Lee e pela percussão exuberante de Peart, temos os desdobramentos da saga sci-fi iniciada no disco anterior A Farewell to Kings, representando uma expansão da história do herói-piloto que foi sugado pelo buraco negro Cygnus X-1. Inesperadamente (e como não podia deixar de ser – afinal os batimentos cardíacos do protagonista afirmam sua sobrevivência ao poder devastador), ele surge no Monte Olimpo com seu corpo destruído, onde testemunha uma luta entre deuses gregos olímpicos Apolo (deus do Sol, da sabedoria e da luz) e Dionísio (deus do vinho e do teatro), buscam controlar a vida da humanidade baseados no que representam. O primeiro promete abrigar as pessoas mostrando-lhes como construir cidades maravilhosas, enquanto o segundo apela para que esses abracem a natureza e se entreguem às emoções. O fracasso de ambos os direcionamentos individualizados leva os deuses a pelejarem, caracterizando a divisão dos hemisférios, e clamor do protagonista encerra a longa contenda, sendo consagrado Cygnus, o deus do equilíbrio, ao unir as duas partes.

Peart utiliza esses dois deuses da mitologia para retratar uma dualidade: os seguidores de Apolo acreditam que a razão poderá guiá-los enquanto os de Dionísio acreditam que o amor faria isso. Após experiências mal sucedidas, uma guerra civil se instaura até que o aventureiro chega a este mundo. Após a viagem, o herói tem seu corpo destruído, mas, de alguma forma, ainda conseguia enxergar e pensar, ficando profundamente perturbado com os conflitos, lamentando-se com os deuses e com os seres humanos.

Segundo o letrista, a banda não tinha ideia de como fecharia a história quando começaram a gravá-la, o que acabou "atormentando seu cérebro". Por fim, indo além de apenas transportá-lo para outra dimensão, a construção se mostrou bem mais impressionante.

A engenhosidade musical do Rush desenha a história ao ouvinte. Mesmo interligadas, as referências musicais e temáticas dos livros "1" e "2" são apenas ocasionais e tangenciais. Inúmeros temas são espalhados por "Hemispheres", inclusive alguns recordados da composição anterior, que são emprestados para retratar lembranças apresentando o novo deus. Outras progressões são adotadas para acentuar a dimensão especifica das cenas, com Lee fazendo usos de várias entonações durante toda a canção - ele apresenta Apolo e Dionísio de forma fria e distante, enquanto Cygnus com uma paixão sincera. Tanto os vocais quanto a música se completam em todas as mudanças da história, e o entrelaçamento dos diversos sentimentos e temas refletem de forma brilhante a harmonia e o equilíbrio das virtudes da composição.

As ideias interpretativas utilizadas em "2112", que expõem diálogos, cenários e humores variados, são aqui revisitadas e aprimoradas. Cada seção provoca no ouvinte uma reação distinta, tal como o pressentimento no início do conto. Quando o cenário se torna violento, a composição é mais explosiva e, quando calmo e introspectivo, ela se torna mais branda. Os trechos que retratam as ações de Apolo e Dionísio utilizam o mesmo riff principal, evocando um sentimento de guerra mental. Já na seção final, são empregados violões e vocais suaves para significar a conciliação após o caos, este que antes era desenhado pelas guitarras agressivas de Lifeson ao lado de vocais mais impetuosos.

Tão longa quanto a própria "2112" e "The Fountain of Lamneth", de Caress of Steel (1975), "Cygnus X-1 Book II: Hemispheres" é composta por seis capítulos, "Prelude", "Apollo Bringer of Wisdom", "Dionysus Bringer of Love", "Armageddon The Battle of Heart and Mind", "Cygnus Bringer of Balance" e "The Sphere: A Kind of Dream", porém sempre soando integrada. A canção consegue alcançar uma unidade diferente das peças mais longas anteriores, estas que traziam um ciclo de movimentos costurados. As evidencias da unidade temática de "Hemispheres" podem ser encontradas até mesmo nos efeitos especiais utilizados.

"2112 era composta por um grupo de canções. Portanto, havia variedade, ritmo e dinâmica", explica Lifeson. "Havia uma história global, claro, mas musicalmente as canções eram quebradas em trechos individuais. Já a chave em 'Cygnus X-1 Book II: Hemispheres' era fazê-la e modo que houvesse muitas coisas acontecendo em toda extensão, com o mérito de ouvirmos, ao mesmo tempo, essas peças como seus próprios componentes individuais".

I – Prelude (0:00 – 4:29 / Total: 4:29)

Uma incrível e ameaçadora marcha dá início à obra. Alguns dos contagiantes temas musicais aqui explorados serão reprisados ao longo da canção, assim como a letra, que definirá o cenário a ser testemunhado.

Como se trata de um seguimento para "Cygnus X-1 Book One", o prelúdio de "Hemispheres" apresenta um mundo pretérito dominado por dois novos personagens: Apolo, definido como o deus ou o portador da Razão (representando o discernimento racional) e Dionísio, que é estabelecido como o deus ou portador do Amor (simbolizando as ações instintivas). Ambos estão em contraste, antagônicos, e lutam incessantemente ao longo dos tempos pelo poder sobre os homens. Estes, por sua vez, estão profundamente divididos pelas influências e afinidades com cada uma dessas forças. Tais alegorias que ilustram uma mente tomada por uma guerra íntima.

II – Apollo Bringer of Wisdom / III – Dionysus Bringer of Love (4:30 – 9:06 / Total: 4:36)

As seções com Apolo e Dionísio constituem duas metades de um todo, não somente em termos conceituais, mas também musicalmente. Ambas utilizam o mesmo riff principal e uma estrutura instrumental bastante similar, caracterizando de fato apenas diferenças na letra, que apresenta os diferentes pontos de vista. Os tempos incomuns combinados aos vocais hipnotizantes puxam o ouvinte para dentro do debate, fazendo com que este também sinta a familiaridade e universalidade do tema.

O segundo ato de "Hemispheres" é "Apollo Bringer of Wisdom". Com uma postura vocal firme e fria, Geddy Lee representa as declarações desse deus, que anuncia e oferece aos homens seus dons e poder. Correspondendo à razão, ele garante o cuidado com necessidades como alimentação, moradia e vestuário, além de incentivar o desenvolvimento com a construção de cidades cada vez mais belas, o que maravilha as pessoas. A inteligência e a capacidade criativa humana são exaltadas.

Porém, a vida essencialmente intelectual torna as pessoas emocionalmente insatisfeitas e vazias. A monotonia e a falta de propósito atingem as vidas e as mentes em cheio. É o momento de questionamentos e de grande preocupação, o que leva os homens a decidirem por cruzar a chamada 'Ponte da Morte' em busca de Dionísio (ilustrada pelo primeiro de três solos de guitarra oferecidos por Lifeson na canção). A cena propõe o desejo impulsivo de abraçar por completo as emoções e os instintos esquecidos, abandonando tudo aquilo que construíram através da racionalidade.

"Apollo vem e oferece às pessoas uma chance de progresso, trazendo todos esses benefícios, e elas dizem, 'Claro que gostaríamos de fogo para nos aquecer no inverno'", explica Peart. "Todos o seguem construindo cidades incríveis, envolvendo-se com a ciência e erguendo coisas belas apenas por fazer. Mas, por fim, acabam ficando entediados por não terem uma ligação emocional com o que estão fazendo, perdendo o dom e o interesse em prosseguir. Um grande tédio recai sobre todos, e eles partem, entediados".

O terceiro movimento funciona como um espelho em relação a "Apollo". Em "Dionysus Bringer of Love", os homens desolados se aproximam do deus que aqui caracteriza a valorização do amor, das emoções e dos instintos. Dionísio seduz a humanidade com seu discurso, afastando-os da razão convencendo-os a retomar uma vida mais despreocupada, marcada por fartura e consumo. Dessa forma, as pessoas abandonam as cidades se deleitando na alegria e no prazer, dançando e cantando na floresta, vivendo livres e como irmãos. A felicidade retorna à alma dos homens através do amor.

Porém, a falta de planejamento e cuidado que caracteriza uma vida completamente isenta de seriedade e responsabilidades são os causadores da própria ruína. Com a chegada do inverno rigoroso, fica claro que somente a dança e as festividades na floresta não seriam capazes de manter os homens aquecidos durante as noites e devidamente supridos. Esses, portanto, se desesperam, expostos a um ambiente implacável e hostil e estando totalmente desolados e desprotegidos.

"Os homens seguem Dionísio, que lhes mostra o que pode oferecer sendo, obviamente, o lado instintivo e artístico das coisas – a música, a dança e o amor", diz Peart. "Eles dizem, 'Sim, isso soa muito bem depois do que tivemos'. Todos experimentam uma época maravilhosa, deixando as cidades e sendo apenas elogios. Mas, quando chega o inverno, eles acabam perdendo as habilidades que iriam mantê-los aquecidos, e todo o lado racional não funciona como antes. Dessa forma, os lobos e o frio chegam até eles e, nesse ponto, entram em estado de total anarquia e caos".

IV – Armageddon The Battle of Heart and Mind (9:07 - 12:02 / Total: 2:55)

Um riff pesado e galopante acompanhado do segundo solo de guitarra preparam a transição para a seção "Armageddon", um dos momentos mais poderosos de toda a canção e também do álbum.

A etimologia da palavra tem origem na expressão hebraica har megiddo, que significa "Monte Megido", local situado a aproximadamente 30 km a sul da cidade de Nazaré, onde aconteceram várias batalhas relevantes para o povo hebraico. A Bíblia cristã sugere que neste lugar acontecerá o conflito final entre Deus e os espíritos malignos e, muitas vezes, a palavra está relacionada ao fim dos tempos, através de uma última batalha de destruição total. Também costuma ser utilizada para descrever um grande e importante conflito.

Nesse momento, a humanidade encontra-se dividida e perdida, figurando a própria mente conflituosa e desorientada. As ações individuais de Apolo e Dionísio, que lutavam pelo destino dos mortais, acabam mergulhando o mundo em um grande caos, marcado pela falta de equilíbrio entre as emoções (coração) e o intelecto (mente).

Com a insatisfação dos humanos decorrente dos desdobramentos de ambas as orientações, o povo se divide entre racionalistas e românticos, mergulhando em uma batalha pela supremacia. Com o cenário de medo e incerteza, o objetivo do conto começa a se desenhar: o desequilíbrio e o conflito entre as duas percepções / inclinações tornam as vidas vazias, suscetíveis a atitudes cada vez mais extremistas e cegas.

Uma das técnicas de estúdio mais interessantes de toda a canção é o fato de que a voz de Geddy em "Armageddon" ecoa e passeia pelos canais direito e esquerdo, representando a contenda entre os dois lados do cérebro. Tal característica é intensificada, principalmente, quando a palavra "Hemispheres" é cantada.

Em meio à total desordem, a conclusão do quarto movimento retoma surpreendentemente o herói-piloto do primeiro livro, "The Voyage", com recordações de sua intrépida missão ao buraco negro Cygnus X-1 em sua nave Rocinante. Corroborando as teorias científicas que afirmam tais estruturas como regiões de infinita distorção do tempo e espaço, o viajante, o qual se supõe vir do futuro, é mencionado na canção a partir de contos antigos lidos pelos poucos que decidiram não lutar. Lembranças começam a surgir, e ele próprio conclui que "girar por aquele espaço atemporal" o levou para esse "lugar imortal".

Por fim, elementos musicais cruciais do primeiro livro também são retomados de forma perspicaz, projetando as experiências vividas pelo piloto em sua jornada a partir de um mergulho interior e o consequente despertar de um novo ser, envolvido por uma nova natureza.

"O mundo que ele [o viajante do espaço] deixa está sendo governado por dois deuses que representam forces opostas - Apolo e Dionísio", explica Peart. "Apollo defende a força da razão e da lógica e Dionísio a força do instinto e da intuição. Estou tomando de volta a configuração do alvorecer da criação, quando havia apenas o homem sem saber quem ele é e por que está lá".

"'Armageddon' é realmente o foco de tudo. É o clímax desse conflito que nosso herói Cygnus vem e encerra. Um dos pontos principais que quis trazer é que essa guerra está dentro de cada um de nós. Não é algo abstrato, não é uma batalha cósmica"
, conclui o baterista.

V – Cygnus Bringer of Balance (12:03 - 17:05 / Total: 5:02)

A quinta e última parte de "Hemipheres" é "Cygnus Bringer of Balance". Em uma deslumbrante reviravolta, o protagonista de "Cygnus X-1: Book One", capitão da nave Rocinante que, por sua curiosidade ardente, imerge no buraco negro a fim de tentar vislumbrar o desconhecido, acaba se tornando o provedor do equilíbrio para o mundo disputado pelas ações apolíneas e dionisíacas. Aparentemente, ao atravessar essa poderosa estrutura, ele alcança um universo alternativo ou paralelo.

A construção musical configura, inicialmente, um ambiente de fortíssima introspecção, levando o ouvinte para uma atmosfera onírica e enigmática. Confuso, o protagonista tenta nesse momento compreender e definir sua situação corpórea, através de outra belíssima interpretação vocal de Geddy Lee. Ele entende avistar, maravilhado, o Olimpo - a belíssima morada dos deuses gregos.

Sua angústia aumenta gradativamente ao perceber os estragos provocados pela longa batalha travada por Apolo e Dionísio pelo domínio do homem. Ele indigna-se e, por fim, clama pelo equilíbrio entre as forças.

Seu grito questionador explode com a música, tomando a atenção dos oponentes que cessam sua disputa, mistificados. A passagem musical, agora triunfante, menciona talentosamente as reações contrastantes dos dois deuses: Apolo, circunspecto, mostra surpresa, e Dionísio, impulsivo, se questiona se o herói não foi tomado pela loucura. Após o apoteótico terceiro e último solo, os deuses reconhecem suas responsabilidades sobre o mundo e suas relações caóticas, se entristecendo. A realidade abaixo do Olimpo, antes dividida por hemisférios incompatíveis e conflitantes, inicia sua reconciliação.

Apolo e Dionísio se mostram tão impressionados com a natureza do apelo feito que decidem oferecer ao protgonista um lugar no Olimpo, tornando-o Cygnus, o portador do equilíbrio. Nesse momento crucial a voz de Geddy é duplicada, representando o acordo e a declaração simultânea dos dois personagens. Uma nova melodia é oferecida, exprimindo toda a significância do novo e importante cenário – a conclusão da história.

"Finalmente, todo o problema é resolvido com a chegada de Cygnus", diz Peart. "Ele ressalta o caos causado pela luta entre Apolo e Dionísio, sendo nomeado por todos como um novo deus – o portador do equilíbrio".

VI – The Sphere A Kind of Dream (17:06 - 18:12 / Total: 1:06)

Uma pequena e tocante peça acústica é escolhida para concluir a canção que inicia o álbum Hemispheres. "The Sphere A Kind of Dream" representa o sonho da unidade, da complementaridade, do amadurecimento através da busca pelo equilíbrio.

O disco anterior, A Farewell to Kings, é marcante por trazer em todas as suas canções construções e elementos de tempos pretéritos, exceto em "Cygnus X-1 Book I", que é montada sob um apelo futurista. Porém, sua conclusão em "Book II: Hemispheres" retoma o olhar para o passado, com o confronto dos deuses mitológicos.

A consagração de Cygnus como um novo deus pode ser baseada na função de equilíbrio dos chamados buracos negros supermassivos para as galáxias. Quando o gás de suas cercanias é sugado pela gravidade projetando-se em sua direção, a influência do seu campo magnético torna-se tão intensa que é gerada uma espécie de equilíbrio com a gravidade, o chamado equilíbrio magneto-gravitacional.

A bela mitologia baseia a canção, através da eterna batalha entre a razão e a emoção – uma batalha que está em todos nós, em nossos hemisférios, em nossas mentes belas e complexas. A figura do herói, observando externamente a guerra, representa as várias lutas que travamos contra nós mesmos. Os deuses ouvem seus argumentos e decidem pelo mundo, unindo as duas forças em uma, com os dois hemisférios constituindo, enfim, uma esfera completa – a harmonia entre a emoção e a razão é levada para a humanidade. A composição, acima de tudo, refere-se a um mergulho no desconhecido e em regiões inexploradas dentro do próprio ser, que aparentemente podem destruir nossa essência, mas também nos renascer como pessoas melhores.

Com essa notável criação mediadora, Peart explica que a humanidade só foi capaz de resistir através dos tempos devido a um cuidadoso equilíbrio entre suas extremidades, e essa conquista deve ser sempre relembrada e retrabalhada. Nem sempre podemos confiar em nossa mente tomada pela lógica e pela razão, e também numa vivência totalmente apoiada na intuição e no coração. Quantas atitudes desprezíveis somos capazes de tomar por interferências totais das emoções ou da frieza? A verdade, defendida pela banda nessa investida, é que nenhuma das duas naturezas deve ter o controle completo sobre nós. O interessante é buscar / encontrar o meio-termo, fugindo dos extremos.

"Cygnus X-1 Book II: Hemispheres" mostra o equilíbrio perfeito entre a precisão e a paixão. Cada nota, cada palavra tem um propósito e cada músico busca alcançar o seu limite. No entanto a luta não se resume a um simples alcance austero, mas sim no objetivo de criar uma obra de arte emotiva, visceral e convincente. A precisão intelectual leva à clareza emocional e vice-versa. O número 3, que marca a formação da banda, traz uma grande importância simbólica de união e equilíbrio.

"Espero que quem comprar o álbum se sinta movido a mergulhar abaixo do enredo básico, para encontrar a verdade real. Acho que é algo que valerá a pena trazer à atenção das pessoas", afirma Peart.


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