LIFESON: "2112" FOI O NOSSO ÁLBUM DE PROTESTO



29 DE MARÇO DE 2016 | POR VAGNER CRUZ

A revista Rolling Stone acaba de lançar em seu site uma ótima matéria com Alex Lifeson, abordando o lendário álbum 2112 - este que completa quarenta anos de lançamento em 2016 (em algum momento no final de março ou começo de abril - não se sabe ao certo). Acompanhe o material, traduzido exclusivamente para o Rush Fã-Clube Brasil.

ALEX LIFESON DO RUSH, SOBRE OS 30 ANOS DE '2112': "FOI O NOSSO ÁLBUM DE PROTESTO"
O guitarrista reflete sobre o LP no qual o trio encontrou seu som característico


Rolling Stone - 29 de março de 2016
Por Kory Grow | Tradução: Vagner Cruz

Completando quarenta anos nessa semana, os profetas vestidos em túnicas brancas do Rush pressagiaram uma guerra intergalática na sua obra-prima do prog-rock, 2112. Eles previram que, em menos de meio século (no ano de 2062 para sermos precisos), o Universo finalmente encontrará a paz - e a opressão. A Federação Solar unificará planetas em guerra e instaurará como chefes supremos os Sacerdotes dos Templos de Syrinx, estes que odeiam a música. No entanto, tudo irá mudar em 2112, quando um pensador livre, anônimo e otimista encontra um estranho dispositivo (um violão), martirizando-se na tentativa de trazer a melodia para as estrelas. E essa é apenas a metade da história.

No sublime seguimento para álbum Caress of Steel, este que havia sido um fracasso comercial, os músicos finalmente chegaram ao momento crucial em que se tornaram o Rush com R maiúsculo - os sonhadores do hard rock maior que a vida que sempre souberam que poderiam se tornar, desde que o vocalista e baixista Geddy Lee e o guitarrista Alex Lifeson formaram a banda como um grupo de estudantes do colegial na Toronto dos anos sessenta. Os integrantes, que naquele momento já incluía o baterista e letrista Neil Peart, estavam no limiar dos seus vinte anos - deixando a imaginação correr solta em 2112.

Para desgosto da gravadora, uma metade do LP continha a suíte de vinte minutos com oito movimentos "2112", inspirada em Ayn Rand e na ficção científica como um ode ao individualismo, enquanto a outra metade trazia o trio cantando sobre um tour da maconha ("A Passage to Bangkok"), a série de TV The Twilight Zone (N. do T.: No Brasil, Além da Imaginação) (na canção "The Twilight Zone") e mais individualismo ("Something for Nothing"), entre outros assuntos. Essa mistura estranha auferiu à banda o disco de platina triplo da RIAA, mudando a vida dos integrantes para sempre.

Alex Lifeson, agora com 62 anos, falou com a Rolling Stone na sua casa em Toronto no início de março, refletindo sobre como o álbum colocou em movimento quatro décadas desafiando expectativas.

Onde as mentes de vocês estavam no período de 2112?

Ainda éramos bem jovens, com 22 anos, quando fizemos o disco. Ficávamos tanto tempo na estrada que compomos a maior parte dele em camarins, nos carros e nas vans. Foi feito em pedaços. O grande ponto é que tínhamos a oportunidade de ensaiar durante as passagens de som, de modo que estávamos muito bem preparados no momento em que entramos no estúdio.

Quanto tempo demorou para ser gravado?

Levou cerca de duas semanas para ser gravado e mixado. Lembro-me de ter sido bem divertido e bastante positivo para nós. Estávamos trabalhando com Terry Brown na época, no Toronto Sound - um estúdio bem pequeno de 16 canais. Lembro que havia uma névoa na sala [risos]. Enquanto trabalhávamos em "Discovery", acho que havia óleo de haxixe por lá - uma inspiração maravilhosa. Recordo de trabalhar até tarde nas noites, até seis ou sete da manhã, com nossos pés em cima do console. De repente, todos nós acordávamos com o barulho das fitas girando e girando. Sentíamos que estávamos num lugar maravilhoso.

Caress of Steel não foi um disco de sucesso. Vocês estavam preocupados com a gravação seguinte?

A gravadora estava preocupada. Passamos a chamar a turnê Caress of Steel de "Down The Tubes" ["Por Água Abaixo"]. Tivemos que passar por ela - essa experiência nos deu a coragem de enfrentar o que todos estavam exigindo de nós. Lembro-me claramente de dizer, "Ok, dane-se. Podemos cair em chamas, mas pelo menos faremos do nosso jeito". Não havia como fazermos novamente o nosso primeiro disco [Rush, de 1974], só porque era o que a gravadora queria por estarem preocupados com as vendas. Dessa forma, mergulhamos em 2112, havendo um pouco mais de angústia do que na suíte de Caress of Steel, "The Fountain of Lamneth" - que era do mesmo tipo estruturalmente.


"Nosso empresário mentiu, dizendo que estávamos fazendo um
ótimo disco que seria um verdadeiro sucesso comercial".


A gravadora de vocês pediu explicitamente para que não fizessem outra suíte como "The Fountain of Lamneth". Como vocês apresentaram 2112 a eles?

[Risos] Bem, Ray [Danniels], nosso empresário, chegou mentindo para eles, dizendo basicamente, "Sim, a banda está trabalhando num ótimo disco. Vai ser um verdadeiro sucesso comercial. As músicas são bem simples". Daí, entregamos o disco. Nossa sorte é que tínhamos um contrato de produção. Dessa forma, tínhamos o controle total sobre o conteúdo - incluindo os trabalhos gráficos. Uma vez que entregávamos à gravadora, era com aquele material que eles iriam trabalhar. Tivemos muita sorte.

Demorou aproximadamente um ano para se tornar disco de ouro. Foi uma evolução lenta, mas progressiva. Começou a decolar quando chegou nesse ponto - havia o boca a boca e um maior interesse na banda. Todas essas coisas surgiram juntas e fizeram o movimento. De fato, foi isso que comprou a nossa independência da gravadora.

Por que você acha que esse álbum ressoou melhor entre os ouvintes do que Caress of Steel?

Acho que Caress of Steel foi mais exploratório. Não tínhamos certeza do que estávamos fazendo - não sabíamos como unir as peças e trabalhá-las de forma forte e dinâmica. Há muitos altos e baixos nesse disco. Ele não foi um erro, mas um trampolim para algo que queríamos fazer no mesmo sentido.

"2112" é uma suíte com uma abertura, semelhante à uma ópera rock. Vocês eram grandes fãs do Who?

Oh, com certeza, Tommy, Quadrophenia... sim, definitivamente.

Posso ouvir também um pouco de Pete Townshend em "Discovery", em alguns dos seus acordes na guitarra.

Sim, ele foi uma enorme influência para mim. Sempre achei que a guitarra base é uma parte muito importante numa banda. Encontrar sua forma de fazer acordes - seu dedilhar particularmente - e sua forma de raciocínio ao reunir de arranjos foi algo muito inspirador.

De onde vem o riff arrepiante de "Temples of Syrinx"?

Compomos o mesmo na turnê canadense, numa pequena arena em Sault Ste. Marie, ao Norte de Ontário. Consigo nos visualizar naquela sala pequena e congelante, com um amplificador Pignose trabalhando nos andamentos, pausas e acordes para essa canção - e também com as letras. Nos divertimos bastante quando entramos no estúdio.

Em que ponto Neil foi designado como o letrista da banda?

Acho que foi mais ou menos duas semanas depois de ingressar na banda [risos]. Eu não tinha interesse em escrever letras. No período do primeiro disco, John Rutsey, nosso baterista original, era o letrista. Porém, por algum motivo estranho, ele não quis usar suas letras em todas aquelas canções que traziam as mesmas quando fomos para o estúdio. Foi muito esquisito - ele era um cara muito, muito esquisito às vezes. Dessa forma, eu e Geddy compomos as letras, mas era algo longe daquilo sobre o qual queríamos nos concentrar: a música.

Neil era, obviamente, um cara muito letrado e articulado. Assim, lhe oferecemos esse papel. Acho que ele relutou um pouco no começo, mas ascendeu nisso e curtiu muito. Foi uma divisão bem legal da banda - todos faziam algo, contribuindo com coisas que eram igualmente importantes. Mantivemos um bom equilíbrio entre as contribuições de todos.

Você se lembra da sua reação à letra de "2112" de Neil?

Achei que era bem séria. Ele estava lendo Ayn Rand na época. Eu não era um grande fã dela; li Anthem - acho que foi o único livro dela que li. Neil e Geddy leram The Fountainhead e Atlas Shrugged, o que se tornou uma inspiração. O que nos agradou é que ela escrevia sobre o indivíduo e a liberdade de trabalhar da maneira que você quer - não a fria perspectiva libertária. Para nós, significava o se esforçar para ser um indivíduo mais forte do que qualquer coisa, e foi assim que a história surgiu.

Não me lembro exatamente das conversas que tivemos, mas estou certo que Neil destacou que era uma história semelhante às histórias dela, tratando de encontrar algo belo desenvolvendo-o, aprendendo a partilhar, elaborar para, em seguida, se desligar do "Homem". Foi o nosso álbum de protesto.

Ayn Rand sempre foi controversa, e o Rush recebeu repercussões ao chamá-la de genial no encarte de 2112. Foi decepcionante para vocês?

Oh, sim - tenho que admitir. Sou um cara muito liberal, sempre fui. Lembro-me que, durante a nossa segunda turnê na Inglaterra, concedemos uma entrevista para um jornalista que era um socialista bem de esquerda, da New Musical Express [em 1978]. Ayn Rand não era tão controversa quanto é hoje. Ele apresentou seu ponto de vista e, em seguida, Neil teve uma opinião oposta - mais como um exercício do que qualquer coisa. E venderam aquilo como uma grande denúncia [risos]. Ele disse que éramos nazistas e que adoraríamos deixar nossas avós passando de fome na rua, pois éramos muito egoístas e indiferentes.

Ged é filho de sobreviventes do Holocausto. Foi algo muito estúpido - é dessa forma que a imprensa funciona às vezes. Superamos isso, mas eles nos perseguiram por muito tempo. Éramos percebidos como uma espécie de banda de rock da ala da ultra-direita, quando, para ser honesto, não tínhamos nenhum interesse político naquele momento. Acho que isso é verdade para nós três.

Como vocês atravessaram isso?

Tínhamos uma forte base de fãs que estava sendo construída, esta que sabia algo diferente e bem cuidado sobre a nossa música e sobre quem éramos. Na verdade, não precisávamos ter a imprensa. Mas, como eu disse, é nocivo. Você aprende a deixar rolar, mas, ao mesmo tempo, te faz mal.

Vamos falar do Lado Dois, que era separado da suíte. Quais são suas músicas favoritas lá?

Eu gosto de verdade de "Twilight Zone". É uma canção peculiar, com várias mudanças de andamento. Tem uma atmosfera muito legal. Foi difícil montá-la e conseguir sua sensação. Todas as partes trazem trechos de guitarra bem difíceis - por isso foi um verdadeiro teste.

A série The Twilight Zone já estava fora do ar há mais de uma década. Por que vocês escreveram uma canção sobre ela?

Acho que estavam exibindo reprises. Enquanto crescíamos, The Twilight Zone era provavelmente o nosso programa de TV favorito. Rod Serling era muito legal - ele escreveu muitos daqueles episódios. Era o nosso grande herói.

Quais são os seus episódios favoritos?

Aquele em que a mulher estava no hospital tendo o rosto operado [intitulado "The Eye of the Beholder"]. Quando os médicos retiram as ataduras do seu rosto, ela é linda - e todos os outros muito grotescos. Todos se viram para ela, e não podem sequer olhá-la pois parece muito feia para eles. Gosto muito desse. E também [em "Time Enough at Last"], quando Burgess Meredith fez um funcionário de banco muito solitário que segue para dentro do cofre, pois gosta de ler seu livro em paz. Há um holocausto nuclear e ele acaba sendo o único sobrevivente. Ele começa dizendo, "Sim! Finalmente estou sozinho com meus livros!". E, quando vai até a biblioteca, seus óculos caem do rosto quebrando no chão [risos]. Os episódios eram brilhantes.

"Lessons" é uma canção interessante, pois você que escreveu a letra. Como isso aconteceu?

Achamos que seria legal se eu e Ged escrevêssemos a letra de pelo menos uma canção. Ele escreveu "Tears". Esse foi o motivo. Não posso dizer que me sinto confortável compondo letras. Mesmo mais tarde, no meu disco solo Victor, foi a parte mais difícil. Isso não flui em mim da forma que eu gostaria, e não tenho certeza que seria diferente se eu fizesse mais vezes. Sabe, "Tears" de Ged é o tipo de coisa que ele gosta de escrever e fazer ainda hoje. Ele gosta das peças mais baladas, emocionais e doces. Eu sou o sujo - o cara da pesada [risos].

Falando de peso, "A Passage of Bangkok" era quase que um guia dos lugares nos quais era cultivada a melhor maconha na época. Vocês fumavam muito naquele tempo?

Provavelmente não tanto quanto agora [risos]. Estávamos na média, talvez um pouco acima da média dos fumantes. Geddy menos; ele nunca fumou muito. Mas Neil, eu e alguns dos caras da equipe sim. Apenas achamos que a ideia de viajar pelo mundo para encontrar a melhor maconha que pudéssemos seria algo bem divertido de se fazer. Foi uma viagem de fantasia para todos nós. Mas, como foi Neil quem compôs, a letra ficou ótima - ela trazia um pouco da sensação exótica do Oriente. Agora você não precisa ir tão longe.

Por último, o disco termina com "Something for Nothing".

Sim, é também uma das minhas favoritas. Adorava tocar essa música naquele período. Ela amarra todo o conceito de "2112".

Uma espécie de coda.

Sim, exatamente.

O verso da capa de 2112 traz uma foto de vocês em trajes brancos medievais. O que você pensa quando olha para a moda de vocês daquela época?

[Risos] Tiramos essa foto com um fotógrafo de moda. Na verdade, não sabíamos o que estávamos fazendo - e aqueles eram os dias onde ainda usávamos robes, cachecóis, sapatos de plataforma e tudo aquilo. Acho que foi o fotógrafo quem sugeriu que nos vestíssemos de branco com uma máquina de vento, aproveitando essa pose. Lembro que foi algo muito estranho.

Estou usando um chapéu-panamá na minha foto dentro do encarte. Penso, "Que diabos estou usando? É um estúdio de gravação [risos]. Estou usando um chapéu-panamá estúpido". Foi uma sessão de fotos muito, muito esquisita. Acho que a minha calça não poderia ser mais apertada.


"Não sei se alguma vez já nos consideramos uma banda de rock progressivo".


Você ficou surpreso com o caminho que a arte do "Starman" (que mostra um homem nu de frente para um pentagrama) tomou?

Não, pois eu achei que era realmente poderoso quando Hugh [Syme] mostrou para nós. Pareceu-me tão icônico que sabia que iria durar por um longo tempo. Lembro de algumas entrevistas nas quais as pessoas achavam que era algum tipo de associação oculta com o pentagrama - e nós dizíamos, "Quê?!".

Sim, o Rush é totalmente satanista.

[Risos] Sim! É como, "OK. Onde está mesmo o óleo de haxixe?" [Risos].

Será que a turnê 2112 se destacou para vocês como especial?

Foi, definitivamente, um momento decisivo. Foi nessa época que sentimos que havíamos chegado a um som do Rush - um som que soava como nós.

Vocês disseram que o disco ao vivo que fizeram naquela tour, All the World's a Stage, foi o fim do primeiro capítulo do Rush.

Sim, fazíamos muito isso no passado. Finalizávamos cada período com um disco ao vivo, como um divisor de livros para aquele capítulo em particular.

Muitas pessoas consideram 2112 um marco do rock progressivo. Você também considera?

Bem, não sei se alguma vez já nos consideramos uma banda de rock progressivo, no sentido do King Crimson ou do início do Genesis - embora achamos essas bandas muito influentes. Sempre nos consideramos uma banda de hard rock. Nos forçamos a fazer coisas difíceis, sendo difícil de tocá-las e nos mantendo num certo padrão. Dessa forma, no sentido literal da palavra "prog" sim - acho que fomos bastante progressivos, e gostamos de pensar em nós assim. Mas, em termos de gênero, não sei se alguma vez já pensamos em nós mesmos como uma banda de rock progressivo.

Onde você coloca 2112 no legado do Rush?

Acho que é uma das peças mais importantes do trabalho que fizemos. A influência que teve sobre tantos ouvintes, apenas julgando pelos comentários que li e até mesmo pelos comentários de outras bandas que foram influenciadas por nós, dizendo que esse é um disco realmente marcante para eles, é algo maravilhoso. Se você deixará um legado, ter algo que é tão influente em outras pessoas e que melhorou suas vidas (ou que faz de alguém mais entendido em alguma coisa) é o máximo.

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