GEDDY LEE E TERRY BROWN COMENTAM 2112



03 DE MARÇO DE 2016 | POR VAGNER CRUZ

O álbum 2112 do Rush celebrará em abril de 2016 seu 40º aniversário de lançamento. A revista Mojo publicou uma matéria de três páginas dedicada ao disco (na edição de março de 2016), na qual Geddy Lee e o produtor Terry Brown trazem histórias por trás da criação e do enorme e surpreendente sucesso alcançado. Acompanhe a publicação traduzida exclusivamente para o Rush Fã-Clube Brasil.

RUSH LANÇA 2112 EM 1976
Em 1976, o trio power-prog de Toronto gravou 2112, o álbum que achavam que seria a sua despedida, mas que na verdade significou o renascimento. Porém, conforme o relato dessa testemunha ocular atesta, eles logo tiveram que lidar com acusações de fascismo


Mojo Magazine - Março de 2016
Por Paul Elliott | Tradução: Vagner Cruz


Os progers de Toronto achavam que estavam definitivamente arruinados após o LP Caress of Steel, de 1975. Assim, decidiram morrer com dignidade lançando um álbum que trazia um lado inteiro dedicado à uma peça de conceito distópico baseado no romance Anthem, de Ayn Rand. De fato, eles não esperavam pelo que veio a seguir...

PARTE 1: "FOI UMA VINGANÇA"
Geddy Lee (a voz do Rush) em crise de identidade, o totalitarismo cósmico e a tristeza com uma publicação semanal da música britânica

Nossa gravadora Mercury nos disse, em termos bem claros, que fomos uma enorme decepção. Eles haviam assinado conosco com base no nosso primeiro disco [Rush, de 1974], que trazia um hard rock bem direto. Mas adorávamos todas aquelas bandas inglesas de rock progressivo - Yes e Genesis - e no nosso terceiro álbum, Caress of Steel, tínhamos uma canção de vinte minutos, "The Fountain of Lamneth". A Mercury nos disse, "Que porra é essa? Quem são vocês?". E nós mesmos pensávamos, "Quem somos?".

Caress of Steel havia sido uma bomba. Os shows eram sempre vazios. Apelidamos a turnê de Down The Tubes ["Por Água Abaixo"]. Brincávamos com Neil dizendo-lhe para que voltasse a trabalhar com os equipamentos agrícolas, e que Alex e eu voltaríamos a pintar salas de cinema. Foi quando iniciamos 2112. Achávamos que esse seria, provavelmente, o último disco que faríamos. Pensávamos, "Foda-se, Mercury. Se vamos sair, sairemos nas nossas loucuras. Não seremos os fracassados que vocês querem que sejamos".

Neil escreveu a história da canção "2112" baseada em Anthem, de Ayn Rand. O conto se situa num Estado totalitário futurista, controlado pelos sacerdotes dos Templos de Syrinx. Um dia, nosso herói encontra um instrumento. Ele não tem certeza do que é - mas o mesmo tem cordas, percebendo que poderia fazer música ali. Ele o apresenta aos sacerdotes, que o interrompem - pois querem ter o controle sobre todas as coisas. Ele tenciona acabar com a própria vida, pois não queria viver num mundo onde não pudesse abraçar algo que encontrou...

Neil nos mostrou trechos da letra e, em seguida, fomos trabalhar com ela. A coisa toda veio bem rápido - outra canção de vinte minutos, porém muito mais poderosa e focada que "The Fountain Of Lamneth". Era bem novo para nós, como se tivéssemos descoberto algo. Esse foi o lado um - era pesado. Já para o lado dois queríamos mostrar diversidade - uma versão alternativa da banda. Tínhamos "Tears", um lado bonito do Rush, e "A Passage To Bangkok", nossa canção de maconheiros. Gravamos o álbum inteiro em quatro semanas, no Toronto Sound Studios, que pertencia ao nosso produtor Terry Brown. Foi divertido - não houve desespero por lá. Estávamos muito orgulhosos do que tínhamos feito.

Não tínhamos ideia do tipo de feedback que receberíamos da gravadora, e estávamos com medo disso. Nosso empresário não havia entendido o disco de fato, e quando tocou para a Mercury todos ficaram confusos - exceto Cliff Burnstein, que se tornaria empresário do Def Leppard e do Metallica. Cliff achou o álbum incrível, algo que foi muito animador para nós.

As vendas foram lentas no começo, e depois tivemos aquela coisa terrível com a NME na Inglaterra. "2112" falava contra o totalitarismo, mas a NME nos chamou de fascistas. Não fazia sentido algum. Ayn Rand tinha uma imagem muito controversa como uma capitalista de direita e anti-socialista ao extremo, mas esse era um lado do seu trabalho que não nos interessava.

Meu pai Morris e minha mãe Mary estiveram presos em Auschwitz durante algum tempo, e por isso fiquei profundamente magoado com essa história da NME. Naquele tempo na Grã-Bretanha, a imprensa caçava qualquer coisa que cheirasse a fascismo (não posso culpá-los por isso), mas eles tinham os caras errados para nós. Não sou do tipo violento, mas queria dar um soco na cara de quem escreveu aquilo. Definitivamente, teria ajudado a educá-lo.

Por fim, o que a NME disse não importava. A princípio, 2112 vendeu lentamente, mas quando voltamos para a estrada conseguimos públicos melhores, mesmo sendo headliners em alguns shows. Foi um disco de definição. A arte do álbum, feita por nosso amigo Hugh Syme, se tornou uma marca que transcendeu o disco - tornando-se muito representativa para nós como banda. O álbum foi uma vingança. A partir desse ponto, estávamos livres para cometer nossos próprios erros.

PARTE 2: "UM GRANDE SALTO À FRENTE"
O produtor Terry Brown fala das risadas no estúdio, das conjecturas comerciais e da fixação sci-fi

Sou inglês mas, em meados dos anos setenta, já vivia em Toronto há algum tempo, e vinha produzindo os álbuns do Rush desde o debut. Ficamos todos desapontados com o fato de Caress of Steel não ter se saído bem, mas isso era algo que eu nunca havia discutido com a banda. As coisas se moviam num ritmo muito rápido naquela época, e quando chegamos no momento de fazer 2112, estávamos focados apenas no processo criativo. Sei que a gravadora queria algo comercial e banda queria sucesso - mas sem comprometer o que faziam.

Eles tinham a visão de onde queriam que 2112 chegasse, e acho que conseguimos isso. No momento em que entramos no estúdio, eles já tinham o material escrito e a estrutura básica para o álbum - o lado conceitual e, depois, as faixas separadas no lado dois. A obra de vinte minutos em si tinha muita substância e dinâmica e, além disso, não era tão obscura quanto "The Fountain of Lamneth". Era muito mais edificante, e acho que foi isso que fez a diferença. O enredo de ficção científica capturou a imaginação de todos e, musicalmente, a peça trazia momentos notáveis, especialmente em "Overture", que surge na mente de forma indelével.

Também estava confiante de que algumas canções do lado dois tinham potencial para as rádios. "The Twilight Zone" e "Something For Nothing" eram ótimas faixas. Adorei a introdução para "A Passage To Bangkok". Não parece tão politicamente correta agora, mas achei um ótimo tema.

Tínhamos quatro semanas para completarmos o álbum, e trabalhamos duro. Fumávamos um pouco de maconha quando terminávamos uma faixa, ouvindo-a novamente - mas você não quer ficar paranoico e paralisado enquanto está tocando. Não tínhamos quantidades enormes de tempo para gastar e para apertar um fumo - isso é certo.

Eles são caras muito divertidos, especialmente Alex - que é hilário. Mas são muito sérios fazendo discos, e músicos bem firmes. Os vocais de Geddy estavam impressionantes em 2112. Alex trouxe uma abordagem muito legal para os seus solos. E claro, Neil foi uma potência como baterista. Para mim, como produtor, foi realmente a questão de conseguir as melhores performances deles, e o máximo de energia.

Quando terminamos, senti que este foi um enorme salto à frente para a banda. Era um álbum que você poderia ouvir mais e mais, pois havia muitos detalhes. Para mim, eles acertaram em cheio - totalmente. Dito isso, você nunca sabe o que vai fazer sucesso. Mas esses caras estavam sempre na estrada em turnê, e "2112" era uma canção muito dinâmica de se tocar ao vivo. Ela sempre deixava o público querendo mais.

Eu tinha uma ótima relação de trabalho com a banda, produzindo todos os discos deles até Signals (1982). Mas o que 2112 fez, naquele momento, foi definir a banda. Ouvi recentemente e apreciei imensamente. É um grande disco.

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