ENTREVISTA COM A TRADUTORA DE GHOST RIDER



23 DE OUTUBRO DE 2013 | POR VAGNER CRUZ

Ghost Rider será lançado no Brasil em março de 2014
Em agosto informamos no Rush Fã-Clube Brasil a notícia de que a editora gaúcha Belas Letras confirmava a publicação do livro Ghost Rider: Travels on the Healing Road (aclamada obra de Neil Peart lançada originalmente em julho de 2002 pela ECW Press) no Brasil e em português. Em Ghost Rider, o baterista do Rush descreve as memórias de suas viagens de moto pelo Canadá, Estados Unidos e América Central realizadas no fim dos anos de 1990, momento em que sofreu as perdas devastadoras de sua filha Selena, morta em um acidente automobilístico em 1997, e de sua esposa Jackie, que faleceu em decorrência do câncer no ano seguinte.

Comemorado por muitos fãs por ser o primeiro livro de Neil Peart com lançamento confirmado no Brasil, conseguimos com exclusividade uma entrevista com tradutora Candice Soldatelli, onde ela conta sobre o processo de tradução, sua paixão pela banda e o que os fãs poderão esperar dessa maravilhosa obra.

Candice, gostaria que você falasse um pouco sobre sua trajetória profissional, seu trabalho como tradutora e seus projetos de destaque.

Comecei a traduzir em 2005, quando entrei em contato com uma editora justamente para reclamar da tradução de um livro. O editor gostou dos meus comentários e me convidou para fazer um teste, já que eu demonstrava ter conhecimento sobre tradução literária. Ao ser aprovada, comecei a trabalhar como estagiária. Entre os projetos de destaque, fiz parte da equipe que traduziu o livro 1001 Discos Para Ouvir Antes de Morrer, como assistente do tradutor Carlos Irineu da Costa, e traduzi uma obra importantíssima no universo cyberpunk, o livro Mona Lisa Overdrive, de William Gibson. Também trabalhei com obras de literatura infantojuvenil como tradutora e revisora. Hoje trabalho como tradutora pública e intérprete comercial de língua inglesa (tradutora juramentada) e como tradutora literária.

Você poderia descrever o funcionamento do processo de tradução de um livro?

Geralmente, os tradutores recebem um teste da editora para um determinado livro, para ver se o perfil do tradutor se encaixa com o perfil da obra a ser traduzida. Após a aprovação do teste, a editora determina o prazo de entrega do livro, que depois passa ainda por várias etapas de revisão. É comum também que um tradutor indique às editoras obras publicadas no exterior que deveriam ser lançadas aqui no Brasil. Geralmente, o tradutor que faz a indicação acaba traduzindo o livro que indicou.

Há muito tempo os fãs do Rush aguardam no Brasil o lançamento das obras do baterista Neil Peart traduzidas para o português. Como surgiu a ideia e como foram as negociações para conseguir os direitos para a tradução de Ghost Rider? A editora Belas Letras já vinha batalhando por esse projeto?

No ano passado, assisti ao belíssimo documentário Beyond the Lighted Stage e fiquei impressionada com a abordagem da dupla tragédia sofrida por Neil Peart. Naquela noite, comprei o Ghost Rider em inglês pela Amazon e li nas férias de verão. Ainda na praia, pensei em recomendar a leitura a vários amigos e fiquei surpresa com o fato deste livro nunca ter sido publicado no Brasil. Mandei então um email para a Editora Belas Letras, cujo catálogo inclui obras sobre rock, e sugeri a aquisição dos direitos autorais. Em menos de um mês a negociação foi feita, eu fiz o teste para traduzir o livro e fui aprovada pelo editor.

Dentre o conjunto de livros do baterista, porque traduzir Ghost Rider?

Porque é um livro que certamente vai atrair não somente os fãs do Rush, mas um público bem mais amplo: qualquer um vai se comover com a história de Peart e de como ele conseguiu retomar a vida após perder a filha e a mulher em menos de um ano. Também há o fator de Ghost Rider ser um "road book": a viagem de moto que ele fez é impressionante, sua narrativa é tão perfeita e tão intensa que parece que estamos na garupa da BMW R1200GS rodando pela América.

Como você se sentiu quando soube que iria realizar esse trabalho?

Nem sei explicar. Fiquei muito feliz, mas bateu uma ansiedade pelo que a obra significa para mim, fã do Rush, e pela qualidade indiscutível do texto de Neil Peart. Minha primeira reação foi: "Como fazer uma tradução que faça justiça à beleza do texto de Peart?"

O projeto é realizado somente por você ou por uma equipe de colaboradores?

Eu trabalho sozinha, mas o texto ainda vai passar por um preparador de originais e por um revisor. Nada pode dar errado.

O que você poderia comentar sobre Peart como escritor?

Neil Peart é um homem muito culto, já leu todas as grandes obras literárias. Os fãs de Rush acompanham o trabalho dele como letrista da banda e sabem que nada é gratuito: os temas são complexos, a escolha de palavras é criteriosa. Em seus livros, tal cuidado permanece, o texto é impecável. Além disso, há trechos bem divertidos e espirituosos, além de muitas sacadas geniais sobre cultura, a condição humana e a natureza. Neil Peart é um observador atento do mundo ao seu redor, seja andando de bicicleta na África (como se pode ler na obra The Masked Rider), seja cruzando o Alasca com sua moto BMW GS.

Quais foram impressões gerais em Ghost Rider? O que mais lhe chamou a atenção?

Depois que assisti a Beyond The Lighted Stage, eu fiquei pensando: como alguém sobrevive a uma tragédia dessas? O que mais chama atenção no livro é realmente a redenção do escritor, como ele encontrou um meio de manter-se vivo após perder tudo o que mais importava em sua vida. O primeiro impulso dele foi se reconectar à essência, à natureza, manter-se em movimento. É uma jornada impressionante em toda sua extensão.

Como você mesmo comentou, Ghost Rider é um livro muito intenso, onde o baterista descreve as memórias de suas viagens de motocicleta através do Canadá, Estados Unidos e América Central no fim dos anos de 1990, momento em que sofreu as perdas dolorosas. Você se emocionou em alguns momentos?

Já no primeiro capítulo, a dor beira o insuportável. Eu tenho um filha de 5 anos e, a cada memória relatada por Peart sobre os momentos vividos com Selena (desde uma noite de Natal até uma viagem de moto com a menina e o amigo Brutus), eu me colocava no lugar dele, pensava na dor terrível de perder a filha. O livro traz ainda trechos do diário que Peart manteve durante a viagem. Não tem como não se conectar com aquele homem, uma pessoa de caráter reservado e temperamento introspectivo, sozinho na estrada por tanto tempo, tentando apenas encontrar um motivo para continuar vivo. Além disso, são comoventes os relatos da rede de solidariedade que se formou ao redor dele, o apoio incondicional de Geddy Lee e Alex Lifeson e de seus familiares naquele momento em que ele decidiu pegar a estrada e dar um tempo na banda.

Houve algum aspecto particularmente difícil ou problemático na tarefa de traduzir esse livro?

Já tive que recorrer à ajuda de biólogos e geólogos para procurar soluções para certos termos relacionados à paisagem, descrita com detalhes pelo autor. Neil Peart é um "birdwatcher": observar pássaros e identificá-los é um de seus hobbies. Por isso, tive que contar com a ajuda de um ornitólogo para não errar na hora de traduzir as várias espécies que aparecem no livro. Também consultei mecânicos e motociclistas – até visitei o dono de uma BMW GS para aprender sobre cada detalhe da moto. Recentemente, na Feira Literária de Frankfurt, conheci o editor de Neil Peart no Canadá, que se colocou a disposição caso eu precise tirar alguma dúvida com o autor.

Você é fã do Rush? Como conheceu a banda?

Eu tinha 15 anos quando fui à casa da minha amiga Gabriela Costa e ela me mostrou o vinil de Presto. Na época, eu estava começando a estudar inglês e me lembro de como a letra de The Pass me marcou. Até hoje The Pass é uma das minhas canções favoritas de todos os tempos. Minha turma de colégio em 1991 era conhecida como "os nerds", então você pode imaginar que havia muitos fãs de Rush entre eles. Nós tínhamos orgulho de disso (risos). Então foi fácil ter acesso a outros álbuns da banda, gravar várias fitas cassete e ouvir Permanent Waves e Moving Pictures no meu velho Walkman no trajeto de ônibus para a escola.

Você acredita que ser fã da banda ajuda nesse tipo de trabalho ou o mesmo pode ser encarado como uma tradução literária qualquer?

Impossível considerar este trabalho como outro qualquer, porque mais do que ninguém eu quero que a tradução fique perfeita. Ser fã da banda, conhecer o trabalho de Neil Peart como letrista, principalmente, talvez ajude a compreender melhor o que o autor quis dizer em determinada passagem do livro, sem ter a necessidade de pesquisar a todo momento questões sobre a história do Rush, sobre a biografia de Neil Peart, suas influências musicais, sua filosofia de vida, entre outros.

O fato de você ser fã do Rush foi um fator positivo ou complicador (ficando intimidada, de algum modo, diante da 'responsabilidade')?

Sem dúvida é um fator positivo, porque foi como fã do Rush que acabei sugerindo à editora que finalmente publicasse o livro no Brasil. Só assim pude ser contratada para traduzir Ghost Rider, o que é certamente uma imensa responsabilidade.

Após ler o livro, você conseguiria definir no que mais ele te marcou?

Ghost Rider é uma obra-prima, sem dúvida. Tenho certeza de que os fãs do Rush, que certamente já conheciam a trajetória de Neil Peart, vão ficar ainda mais impressionados com o relato dessa viagem e com as memórias desse grande músico e intelectual. É um relato universal sobre perda, dor, desespero, mas também sobre esperança, sobre seguir em frente.


A previsão de lançamento de Ghost Rider no Brasil está para março de 2014.

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