ALEX LIFESON COMENTA TODAS AS CANÇÕES DE CLOCKWORK ANGELS



01 DE JUNHO DE 2012 | POR VAGNER CRUZ

Alex Lifeson comentou todas as doze faixas de Clockwork Angels numa matéria especial para o site Music Radar, trazendo detalhes, informações e curiosidades muito interessantes sobre cada composição do novo álbum do Rush.

Acompanhem a tradução completa desse material, exclusiva para o Rush Fã-Clube Brasil.

ALEX LIFESON COMENTA AS FAIXAS DE CLOCKWORK ANGELS
O guitar hero fala sobre o novo álbum

MusicRadar - 25 de maio de 2012
Por Joe Bosso | Tradução: Vagner Cruz

"Queríamos algo que fosse ousado e despojado", diz o guitarrista Alex Lifeson sobre o novo álbum do Rush, Clockwork Angels. "O objetivo era fazer algo nitidamente verdadeiro e soando bastante como uma banda de três integrantes - um disco hard rock num sentido clássico. Estou feliz em dizer que ele realmente saiu da maneira que esperávamos".

Antes de gravar a maior parte do disco, Lifeson e seus companheiros no Rush - o baixista e vocalista Geddy Lee e o baterista e letrista Neil Peart - juntaram-se ao produtor Nick Raskulinecz (com quem trabalharam em Snakes & Arrows, de 2007) em Nashville, tomando os teasers esmagadores "Caravan" e "BU2B" e fazendo uma remixagem completa (a última com uma introdução inédita).

Após o grupo se envolver com a turnê Time Machine no outono passado, eles se sentaram com o produtor Raskulinecz em Toronto para observarem várias demos e jams que Lifeson e Lee haviam acumulado. Após várias semanas nessas sessões, surgiu um enredo de Peart baseado num mundo distópico steampunk, fundido por fontes como Joseph Conrad, Voltaire e Daphne Du Maurier.

"É um disco conceitual", diz Lifeson. "Não fazemos algo assim há algum tempo. Todos os nossos álbuns são temáticos, mas esse é um pouco mais direto. Acho que as músicas seguem por conta própria - posso ouvi-las separadas, independentemente da história. Porém, quando as ouço em ordem (do começo ao fim), elas de fato fazem mais sentido para mim. Assim, funciona em muitos níveis".

Apesar do seu núcleo conceitual, Clockwork Angels jamais soa sobrecarregado devido ao seu enredo. As músicas são dinâmicas, embalando pancadas musicais ajudadas por uma mistura pesada e surpreendentemente arejada.

Sobre a gravação das faixas, Lifeson diz que manteve o processo mais simples: "Tentei me conter, resistindo à tentação de mergulhar em tantas guitarras e coisas meio que inconsequentes. Foi tudo sobre manter o aspecto mais básico do rock nas canções, e por isso tivemos tantos double-trackings para reforçar as coisas. Não tivemos seis faixas de guitarras, ou músicas sem guitarra base e solos. Essas mudanças pequenas e simples tornaram o som mais impactante".

Lifeson atribui notas altas aos seus companheiros de banda, observando que o processo de casar músicas e palavras nem sempre é fácil: "Muitas vezes, Ged olhava para algo dizendo à Neil, 'Adorei essa linha, essa frase. Podemos usá-la como ponto de partida, meio que reconstruindo o que está em torno dela?'. Isso é algo fantástico. E, como sempre, Neil aceitava. Ele nunca se queixa".

Embora o Rush seja reverenciado por suas cotas instrumentais extremas, Lifeson diz que está mais feliz com a melodia geral de Clockwork Angels. "Vamos encarar isso: o retorno proporcionado por qualquer música é o refrão", ele diz, "e essas canções têm refrões muito fortes. Se você for capaz de criar algo que seja memorável em termos de melodia e 'cantabilidade', então acertou em cheio. Acho que fizemos isso aqui - e muito".

Clockwork Angels do Rush será lançado no dia 12 de junho. A seguir, Alex Lifeson passeia por todas as faixas do disco.

CARAVAN

Gosto muito dessa canção por ter um grande riff, além de algumas coisas peculiares no teclado. Foi bom rever a faixa e remixá-la para o álbum com os ouvidos descansados. Conversamos sobre uma regravação, mas não fazia sentido - ficamos felizes com as performances e com o som. Achamos que poderíamos remixá-la para que ela pudesse se ligar mais ao álbum. A perspectiva mudou um pouco. As pessoas dizem para mim, "É divertido. Ouço partes novas na canção. Vocês regravaram?". Isso é criado pela mudança da ênfase nos instrumentos.

BU2B

Eu adoro o peso de "BU2B". É forte no estilo do Zeppelin antigo, trazendo um grande riff de blues. O refrão é muito forte e o sentimento das letras anuncia o que está por vir. Sobre as guitarras, usei uma Les Paul 1959 e uma Telecaster. Essa é uma das canções onde criei camadas de guitarra. Provavelmente, temos ali umas seis. Gravei uma nova abertura que não estava na versão que lançamos anteriormente. Para as pessoas que não sabem, a mixagem pode ser terrivelmente tediosa - com muita pressa e espera. O ideal é que você esteja fora da sala, entrando somente quando ela estiver pronta, para ser bem objetivo sobre ela.

Comecei a brincar e compor alguma coisa no meu quarto de hotel. Eu tinha algumas guitarras: um dos meus modelos Axcess e uma Martin emprestada da Guitar Center, além de um microfone. Havíamos conversado sobre fazermos algo ali. Dessa forma, deixei o microfone preso na sacada, que capturou alguns sons de fundo: a manhã de Los Angeles, os carros passando... coisas assim. Com as portas da sacada abertas, toquei um pouco de violão, e depois Geddy realizou os vocais. Brincamos com alguns efeitos e criamos a peça. Foi tudo feito de forma espontânea, e em apenas alguns minutos no meu quarto.

CLOCKWORK ANGELS

Eu só estava brincando em casa e aquilo acabou se transformando numa peça bem longa. A maior parte dela é o que "Clockwork Angels" acabou se tornando. Geddy e eu gostamos de trabalhar num único dia. Geralmente não trazemos mais nada para o momento, nem nos referimos às jams das passagens de som. Ficamos apenas animados por começarmos algo novo.

Eu tinha aquilo que fiz flutuando, então dei uma cópia para ele - Geddy gostou muito e viu um grande potencial. Fizemos novos arranjos e desenvolvemos algumas partes nos versos um pouco mais. A partir dali, a música veio. Amo o dedilhar nos versos - eles são muito ativos! E as pontes são tão sonhadoras que nos levam para outro lugar. Há também uma seção blues na parte mediana que vem do nada, e que dá bastante ênfase à letra, simplesmente caindo naquele lindo e crescente arpejo. Essa parte me dá arrepios todas as vezes.

Perto do fim, existe uma harmonia vocal realizada por Geddy que soa quase como uma oração. Ele cantou isso numa das outras partes, e aquilo fica flutuando por ali. Acho que Nick é o responsável por isso. Ele disse, "Ei, veja isso". Nós ouvimos e pensamos, "Oh, temos que ter isso aqui". É bem bacana, especialmente porque você não sabe de onde vem.

THE ANARCHIST

Acho que "The Anarchist" foi uma das primeiras canções que escrevemos para o disco, há poucos anos. Até agora a resposta tem sido bem forte, algo que eu realmente não esperava. É uma canção que vem na sua cara, uma parte poderosa de toda a suíte. Se você ouvir a demo e a versão final, verá que estão muito próximas - embora com algumas diferenças.

Nick nos levou a pensar sobre uma linha melódica instrumental que daria a identidade da música. O resto é praticamente o mesmo da demo. Tem uma influência oriental, algo que já visitamos antes, algo que sentimos e gostamos muito.

A maneira com que Nick e Neil se aproximaram sobre os arranjos de bateria foi ótima. Normalmente, depois de escrevermos tudo, fazemos cópias das músicas para Neil com baterias programadas ou metrônomos, de modo que ele consiga alguns pontos de referência que ele pode querer usar ou desenvolver. Assim, ele passa as músicas metodicamente, trabalhando em seus arranjos de bateria e memorizando o que vai tocar.

É preciso passar por aquilo mais ou menos durante um mês, e depois partimos para a gravação. Dessa vez Nick disse, "Quero gravar no primeiro dia. Vamos colocar a musica para tocar e você irá aprender enquanto estiver tocando. Faremos um monte de takes e veremos onde vai". Acho que foi uma forma de trabalho incrivelmente desafiadora para Neil, pois ele é o tipo de pessoa que necessita constantemente de novos desafios na vida. Ele realmente toca como um louco no disco - está livre, muito livre. É claro - ele tem seu trabalho 'facilitado' por ter que aprender a tocar tudo ao vivo.

CARNIES

Amo o riff de abertura e os harmônicos. Tem um pouco de Hendrix e Robin Trower. Os refrões são fortes. O clima festivo e os sons são bem diferentes dos versos e da ponte. A subida para a ponte me faz lembrar alguma música, não sei qual... Vários momentos do álbum soam assim: eles me fazem lembrar outras músicas, mas não consigo dizer quais ou de quando.

No entanto, isso é algo muito legal - pessoas gravitando em torno das canções. Pegue Bryan Adams, por exemplo. Várias de suas composições trazem essa qualidade. Ele utiliza melodias de outras canções e é sempre muito bem sucedido. Você pode ouvir sua música e se sentir confortável com a familiaridade... familiarizado com ele. Acontece o mesmo com essa canção. Ela me leva de volta aos Beatles, mas não pegamos um disco deles e dissemos, "Vamos fazer assim". Porém, há algo nos refrões que lembram os anos 60.

HALLO EFFECT

Acho que fomos numa direção diferente com "Halo Effect". Lembro que estávamos no nosso estúdio menor - tínhamos três ambientes diferentes onde coisas aconteciam ao mesmo tempo - quando peguei o violão e comecei a tocar. No momento em que Geddy iniciou pronunciando a letra tivemos o estalo: ele começou a tocar também, e fomos desenvolvendo a música a partir dali.

A canção é realmente sobre as decisões emocionais que tomamos e que não funcionam. Muitas vezes, num relacionamento, você acha que vê algo a mais que, na verdade, não está lá. Portanto, a canção deveria ser doce e pesada ao mesmo tempo - precisávamos desses dois contrastes. Acho que acertamos em cheio!

Há uma grande roupagem acústica nela, e a seção do solo é algo bem diferente para nós. É do tipo frívola e brilhante, como se você estivesse com borboletas voando dentro do seu estômago - da mesma forma como se sente quando está apaixonado por quem não deveria.

SEVEN CITIES OF GOLD

Então entramos nessa. Tudo começou na fase de composições antes do estúdio, exatamente quando estávamos recuperando o atraso revendo as coisas na casa de Geddy em setembro. Tínhamos algumas músicas, mas queríamos conseguir escrever mais algumas coisas antes de entrar novamente no estúdio em outubro.

Passamos a primeira semana apenas bebendo café e achando que talvez não estivéssemos prontos para gravar. Eu me lembro de descer as escadas e não fazer nada durante alguns dias - somente bebendo café e conversando. Então tivemos o que chamamos de 'os bons seis minutos'. Isso é tudo o que você precisa, de uns bons seis minutos por dia. Dali, a música decolou. Começamos a comentar a coisa toda, o que é muito legal.

A canção é muito cinematográfica. Você pode ouvir o perigo da cidade grande e a chegada do nosso viajante. Quando Neil vem e quebramos o riff, você está lá na cidade com toda a emoção, oportunidades e problemas. A canção tem uma grande arrogância mesmo. Eu a descobri exatamente da maneira que imaginava. Adoro o final, com a guitarra gritando e cuspindo enquanto deixamos a cidade.

THE WRECKERS

Eu e Geddy trocamos os instrumentos durante a composição, mas, quando fomos gravar, voltamos para eles. Estávamos influenciados pelas composições um do outro, o que para mim é um grande testemunho sobre como trabalhamos.

Foi uma experiência muito agradável e produtiva - uma luta para que os versos encaixassem. A parte acústica era muito doce, mas não se saía bem. Havia um contraste que não parecia amplo o suficiente. Então, depois de muito trabalho, chegamos com uma levada rápida e colocamos os harmônicos, o que criou um belo momento.

Essa canção contrasta como o som de um sinal de perigo: não aceitar tudo ao pé da letra. Tenha cuidado. Coisas que parecem tão boas podem vir a ser exatamente o oposto. Há uma sessão mediana, onde todo o estrago está feito (estou tentando explicar sem entrar na história), que veio de uma de nossas jams de passagens de som. Uma vez que temos as cordas e os pedais de baixo, esse momento da canção se torna muito visual.

"The Wreckers" traz uma sensação pop. Não é pesada, mas está emocionalmente ligada à uma presença forte do rock. Os versos são um dos meus momentos favoritos de toda a carreira do Rush.

HEADLONG FLIGHT

Começamos com alguns riffs que se tornaram uma longa e ótima jam. Deve ter levado horas. Havia um milhão de partes voando, todas na mesma tecla. Depois a dividimos em pedaços, tirando coisas que gostamos e transferindo para outro lugar. Quando ouvimos, pensamos, "Oh meu Deus, temos algo muito legal acontecendo aqui! Devemos torná-la instrumental?". Por fim, decidimos que neste disco, pela primeira vez em muito, muito tempo, não teríamos uma instrumental.

Acho que a musica casa muito bem com a letra. Há trechos que são extremamente dinâmicos. Acima de tudo, tivemos que tocar como loucos. Queríamos uma canção onde pudéssemos esticar ao vivo, como fazemos com "Working Man". Diminuímos um pouco o trecho mediano. Originalmente, havia mais coisas acontecendo, mas pensamos que estávamos exagerando - assim, reduzimos. Mas há mais do que o suficiente lá.

BU2B2

Esse momento é parte integrante da história de Neil, ele realmente queria ter esse trecho lá dentro. O problema foi não sabermos como abordá-lo musicalmente. Geddy havia feito os vocais com algumas outras coisas que havíamos escrito, mas ele não estava feliz com aquilo - e nem eu.

Decidi ficar até tarde da noite, retirando toda a música e ficando apenas com o vocal. Escutei um monte de vezes e então criei algo mais rítmico - era menos musical, mas que acrescentava muita tensão. No momento de desenvolvê-la, os violões que eu havia feito originalmente foram substituídos por cordas. Colocamos alguns pedais de baixo e coisas do tipo, mas mantivemos tudo muito simples no final. É como um pequeno capitulo.

WISH THEM WELL

Sempre adoramos a letra, mas essa foi uma canção difícil de desvendar. A primeira versão que tínhamos era bem diferente da original. Ela era um pouco mais etérea, com delays a la The Edge - até demais.

Nós a descartamos e começamos a trabalhar em outra coisa completamente diferente, que também foi descartada - simplesmente não funcionava. Isso acontece às vezes - você sabe quando está forçando a barra. Após as duas primeiras versões, buscamos uma abordagem totalmente nova, com as quatro diretas e tradicionais progressões de acordes.

Esse formato se mostrava bem adequado às letras. Foi desafiador e uma forte afirmação, além de ter bastante empenho - o que a tornava interessante. No entanto, ainda é muito básica na entrega, o que acho que foi bom devido à toda complexidade do disco. Adoro a maneira como a guitarra soa. É vasta e clássica... um som terrível vindo de um Marshall. Rick Chycki é um engenheiro fantástico.

THE GARDEN

"The Garden" foi uma das primeiras músicas que surgiram para Clockwork Angels. Na verdade, Geddy compôs a maior parte. Ele trabalhou um pouco nela à noite e, no dia seguinte, eu ouvi sua abertura de baixo e o verso.

A ideia era a mantermos simples e sincera. O sentimento foi muito sobre estarmos no fim, sendo uma retrospectiva, então deveria haver uma doçura ali. No entanto, Nick se mostrou um pouco cauteloso sobre a canção ficar muito doce.

A demo era bem acústica. Havia trechos de piano, assim como cordas, e tudo era bem leve. Nick queria endurecê-la um pouco. Caminhamos mais entre as pontes e refrão - ela não tem os dedilhados tranquilos dos versos - e desenvolvemos todo o trecho mediano.

O solo é um dos meus favoritos, sendo muito adequado para todo o restante da canção. Quando o ouvi, meus olhos se encheram de lágrimas. Há algo nele que me arrebata - a maneira com que se encaixa com todo o resto. O refrão de fechamento se mantém crescendo, crescendo e crescendo, até chegar no instante final. Foi uma ótima maneira de se terminar um disco.