ENTREVISTA COM LIFESON PARA JORNAL DE NEW ORLEANS



24 DE ABRIL DE 2008 | POR VAGNER CRUZ

Rush | Foto por Andrew MacNaughtan
O repórter Keith Spera, do jornal norte-americano New Orleans Times-Picayune, publicou uma excelente matéria baseada numa conversa que teve por telefone com Alex Lifeson. O artigo traz o guitarrista falando amplamente sobre vários assuntos, dentre eles o DVD "Rush in Rio", temas das letras da banda e também sobre o mais recente álbum de estúdio, Snakes & Arrows. Ele ainda pondera sobre o futuro do grupo, definitivamente a parte mais interessante do material.

Entrevista com Alex Lifeson do Rush
Por Keith Spera


Desde que o Rush tocou pela última vez em Nova Orleans, em 6 de dezembro de 1996, o guitarrista Alex Lifeson, o baixista e vocalista Geddy Lee e o baterista Neil Peart sofreram bastante, assim como a cidade.

A banda passou por um hiato de quatro anos após a morte da única filha de Peart em 1997, vítima de um acidente automobilístico aos 19 anos; menos de um ano depois, sua esposa faleceria de câncer.

Logo após Neil se casar novamente, o trio voltou ao trabalho. Eles descobriram o quão grande ainda era sua popularidade através de uma apresentação ao vivo, algo que de lá pra cá só aumentou. A única passagem da banda pelo Brasil incluiu um show para 40 mil fãs no estádio do Rio de Janeiro, documentado no muito bem sucedido DVD Rush in Rio.

Um fato que estragou esse período foi o episódio da noite de ano novo de Lifeson em 2003, com os seguranças do Ritz-Carlton em Naples, Flórida. O guitarrista e seu filho foram agredidos e o caso foi parar nos tribunais. Mais tarde eles processaram o hotel e os seguranças envolvidos por agressão, prisão ilegal e no momento estão apelando da decisão da corte que absolveu os envolvidos.

A banda lançou recentemente a segunda etapa da turnê que promove o álbum Snakes & Arrows. Lifeson falou conosco por telefone durante o período de ensaios da turnê em Toronto, no começo de abril.

Enquanto publicamos essa entrevista, a banda está sendo forçada a adiar o show que estava definido para o New Orleans Arena no dia 20 de abril, para não atrapalhar o playoff dos Hornets na noite anterior. O manager do Rush, Ray Danniels, também anunciou que a banda doará 100 mil dólares para projetos em prol das vítimas do furacão Katrina.

Spera: Então vocês estão ligando a máquina novamente.

Alex: Sempre estamos vindo de uma longa parada quando começamos uma turnê. Levamos uns dois meses ensaiando de forma individual e, como banda, umas três ou quatro semanas. A produção dos ensaios leva cerca de dez ou doze dias. Foi mais ou menos esse tempo que gastamos, visto que estávamos realmente aprendendo a turnê, fechando a preparação (em Toronto) de forma bem rápida  - em apenas uma semana e meia.

Depois de ver aquela intensa reação do público no DVD Rush in Rio, fico surpreso que o Rush não se sinta incomodado em voltar a tocar na América do Norte.

Eu sei [risos]. Foi uma experiência incrível. Aquilo nos pegou completamente de surpresa. Não tínhamos ideia daqueles fãs do Brasil, aliás, da América do Sul. A multidão cantou "YYZ"... uma canção instrumental. Quando mixamos o material, ficamos aproximadamente uma hora olhando para aquela multidão. A gente repetia aquilo sem a banda, para só ouvir as vozes. Foi demais! Era muito alto. Foi realmente excitante.

A banda ficava durante um longo período sem novos álbuns e turnês. Mas, desde então, parece que vocês renovaram o entusiasmo.

Aquela turnê foi uma renovação. Estávamos voltando de quatro anos muito difíceis, particularmente para Neil. Aquilo teve como foco fazer a chama arder novamente, nos levando de volta ao caminho. Foi uma ótima maneira de terminar a tour - era o último dia da turnê. Foi um momento muito positivo para nós.

Esse momento continua.

Desde o primeiro show da turnê Vapor Trails (em 2002), acho que não tenho subido no palco sem pensar que "Essa pode ser a última vez você vai fazer algo assim - então divirta-se". Todas as turnês que fizemos desde então têm sido muito divertidas. Das canções que estamos tocando, não há nenhuma sequer que eu não curta. Quando estou no palco, não há nenhum momento em que eu fique entediado. É muito bom sentir aquilo. Somos muito sortudos [risos].

A primeira parte da turnê Snakes & Arrows foi a mais lucrativa da carreira da banda.

Ficamos com aproximadamente 20% acima da média prevista para a turnê. Sempre estivemos bem, com muitas pessoas aparecendo. E um monte de garotos - coisa bem legal de se ver.

Vamos voltar ao tempo em que vocês cultivavam uma mística. Hoje em dia vocês parecem ser muito mais acessíveis. É uma decisão de vocês não estarem mais nas sombras?

Não, acho que não. Creio que isso seja algo natural. Estamos um pouco mais confiantes e confortáveis, assim como mais velhos e maduros. Durante muitos anos, realmente queríamos manter a banda à parte de nossa vida pessoal. E fomos bem sucedidos nisso durante muito tempo. Você não ouve falar muito sobre a banda; com certeza não somos o tipo de pessoas que ficam aparecendo em revistas de celebridades ou coisa assim.

Há muita atenção começando a recair sobre nós hoje em dia do que jamais tivemos, e isso é bem interessante. Mas ainda somos uma banda pequena, uma banda cult - essa é a maneira com que nos descrevemos. Não temos guarda-costas musculosos e todas aquelas porcarias. Apenas vamos lá, fazemos nosso trabalho e nos divertimos com isso, e então voltamos pra casa.

Neil, especialmente, tenta manter um pouco de distância.

É o tipo do cara que ele é e é o tipo do cara que ele sempre foi. Apesar de todas as coisas terríveis que aconteceram, ele sempre foi assim. Ele não se sente confortável com multidões, é um obstáculo para ele, visto que tem que sentar de frente para 15 mil pessoas todas as noites. Ele é um músico fantástico. Quando as pessoas começam a paparicá-lo, ele fica sem jeito.

Dessa forma, ele constrói esse muro ao seu redor - acho que 'cerca' é provavelmente um termo melhor. Ele conversa, é uma grande pessoa, mas fica um pouco desconfortável em ser o centro das atenções. É difícil para ele ceder sua privacidade.

Falando de celebridades em revistas, queria voltar um pouco e falar sobre seu contratempo na Flórida.

Foi horrível, uma experiência horrível que continua, mesmo quatro anos e meio depois. Eu estava jantando num dos resorts mais elegantes do país, e a maneira com que fomos tratados... fui espancado, tive meu rosto agredido por três policiais, me aplicaram choques três vezes, e duas vezes no meu filho. E não fizemos nada! Levamos 15 meses até a sentença que não deu em nada. Foram cinco acusações, e foram absolvidos das cinco. Vou falar mais o quê?

Depois disso movi uma ação que tem sido uma verdadeira luta. O Ritz-Carlton é uma grande corporação, e eles têm uma poderosa firma de direito. Tem sido uma batalha penosa em todos os estágios dessa jornada. Não sei se fiz um bom negócio, mas era algo que estava me corroendo por dentro diariamente. Decidi fazer isso para ter minha chance na corte, apresentando os fatos que conheço tão bem e que comprovam minha versão, assim como as outras 12 testemunhas que estávamos trazendo.

Tento não pensar muito nisso hoje em dia e deixo acontecer da maneira que tem que ser. Estamos esperando pela sentença da apelação do recurso e então veremos onde isso vai dar.

Isso faz pensar como os caras do Motley Crue conseguem lidar com coisas desse tipo o tempo todo.

Nunca briguei com ninguém na minha vida! Sou avô. Tenho muito orgulho do que faço. Procuro sempre fazer o melhor pra mim e pra minha familia. Na verdade, amo minha familia e irei protegê-la com minha vida. Para isso, tenho perdido centenas de milhares de dólares para me defender, e quero ir até o fim.

Voltando à banda... alguma vez você já discordou do ponto de vista que o Neil expõe em suas letras?

Não sei se discordei. Deve ter rolado algumas vezes, onde eu provavelmente não tenha me identificado com que ele estava falando. Mas tudo isso refere-se a entrega desses conceitos. Ele traz um conceito da banda. Nós conversamos sobre uma idéia e vemos depois a maneira com que ele traz isso através das letras.

O relacionamento entre ele e o Geddy acerca das letras é bem próximo. Neil irá reescrever três, quatro, cinco, dez vezes se for preciso no caso do Ged ter algum problema em lidar com a idéia ou se tiver algum desconforto com as palavras que tem que cantar. Eles trabalham muito bem juntos. Sempre vejo o Ged substituir uma palavra de uma estrofe e dizer, "É essa a palavra que estou sentindo para essa estrofe. Você pode reescrever tudo novamente ao redor dessa palavra?" (Neil) sempre faz o favor. Isso é muito profissional, uma experiência comum.

Neil trabalhou com temas religiosos e agnosticismo no passado. Porque esse tipo de foco em "Snakes & Arrows"?

Bem, olhe ao redor. O mundo é um lugar louco nesse momento e é basicamente conduzido pela religião. Sempre foi conduzido pela religião. Mas a atual divisão entre Ocidente e Oriente e a representação de muitos militantes cria uma enorme bagunça... isso tem que ser falado sempre.

Você vão tocar "Faithless" ao vivo?

Não. Conversamos sobre isso, estávamos preparando a canção, mas decidimos manter o set da maneira que está. Tocamos nove (canções de "Snakes & Arrows").

A roupagem acústica/elétrica por todo "Snakes and Arrows" recorda a velha escola do Rush.

Compus basicamente todas as músicas no violão. Era desse jeito que fazíamos no começo. Há algo bem particular nisso. A estrutura dos acordes traz uma investida folky. Aquelas linhas de baixo em C e G e D tocadas no violão, trazem uma natureza diferente para a música uma vez que você a eletrifica.

Desde "Vapor Trails", vocês estão definitivamente voltando ao básico.

(Produtor) Nick Raskulinecz realmente nos despertou. Ele é fã da banda desde que tinha 11 anos. Acho que o Rush foi a primeira banda que ele viu ao vivo com sua mãe em Knoxville. Então para ele, era um sonho de longa data trabalhar conosco.

Estamos sempre nos antecipando, estamos sempre tentando progredir com todos os discos que fazemos, e poderiamos acabar ficando malucos com isso. Ele disse, "Tudo bem, mas não deixem as coisas que fizeram de vocês a banda que são pra trás. Pensem sobre a maneira que vocês compunham as canções, pensem sobre a maneira que faziam os arranjos das músicas, pensem sobre alugns sons que vocês usavam tradicionalmente. Não fujam disso o tempo todo".

Isso abriu nossos olhos, porque tendíamos a deixar as coisas para trás mesmo. Essa foi uma de nossas razões para os trabalhos em "Snakes & Arrows" terem trazido elementos do Rush antigo, do passado da banda, mas tentamos trazer numa embalagem que soasse como algo atual e contemporâneo.

Então o Coheed & Cambria é a melhor banda cover do Rush que vocês já ouviram falar?

(risos) Nick trabalhou com eles recentemente também. Não sei. Eles são um pouco mais pesados, eu acho. Acredito que as comparações são sempre por causa dos vocais.

Vocês se tornaram um ponto de referência para bandas mais novas.

Um monte desses músicos jovens olham pra gente como um exemplo de que, se você se dedicar ao máximo no que acredita, alcançará seu objetivo. Você não precisa de rádios e de todas aquelas coisas que vão se tornando menos importantes na medida que a indústria muda. Muitos desses jovens olham pra gente e dizem, "Aqueles caras são cinqüentões e ainda estão tocando, e tocando bem. Nós podemos fazer isso também".

Então o futuro da banda é aberto nesse ponto?

Toda turnê parece ser a última. Mas estamos realmente nos divertindo. Estamos tocando o melhor que jamais tocamos. Estamos mandando bem, com bastante força. Mas há outras coisas na vida. Você sempre pensa que está envelhecendo e que talvez queira perseguir outras coisas, que talvez seja a hora de parar e blá, blá, blá.

Mas desta vez, de qualquer forma, antes de começar os ensaios, Ged e eu estávamos pensando sobre o que iremos fazer na próxima turnê. Acho que estamos nos antecipando. Não sei quais serão nossos planos. A única certeza é que queremos dar uma pequena parada depois do término dessa turnê.

Estamos dizendo isso mas não sei o que irá acontecer. Ged e eu ficamos sempre ansiosos; depois de alguns meses queremos começar a compor e voltar novamente ao processo. Qualquer dia desses voltaremos ao estúdio para fazer outra gravação ou outra turnê... é difícil dizer.

Temos bastante catálogo. Adoramos pensar em fazer uma tour onde tocaremos apenas material que nunca tocamos antes. Seria não tocar nada que tocamos até agora e chamar isso de uma turnê de lados-B do Rush. Tocar coisas que nunca ninguém ouviu tocarmos ao vivo. Seria muito divertido. Há muitas oportunidades e direções em que poderíamos ir.

Na turnê de aniversário de 30 anos da banda em 2004, vocês fizeram um segmento acústico pela primeira vez. Então há maneiras de inovar.

Estivemos conversando sobre tocar "2112." com uma orquestra. Algo meio Spinal Tap. Mas ao mesmo tempo, poderia ser um tipo de coisa com grande apelo visual.

Estou contente que depois de uma década vocês acharam o caminho de volta para Nova Orleans.

Como estão as coisas lá?

Bem, tivemos um pouco do ar da desgraça nos últimos anos. Onde o Rush estará tocando, na arena do centro, está tudo perfeito. Mas há ainda nas redondezas muitas marcas da devastação, com campos que estão sendo utilizados como casas.

Suponho ser um pouco chocante para nós termos demorado a retornar para a cidade. É um lugar fantástico e uma importante cidade na América.

Howard Ungerleider está ainda na estrada com vocês?

Oh, sim. Ele ainda está lá. Ele está sempre lá. Ele tem estado desde 74. Liam Birt, nosso road manager, está conosco desde 72. Temos caras da antiga, mas sempre temos gente nova chegando. Todo mundo se diverte e não há problemas de ego.

Geddy e eu tocamos "YYZ" com o Foo Fighters aqui em Toronto, no Air Canada Center. Aqueles caras se parecem muito conosco. Eles são gentis, regulares, caras normais. Dave Grohl é hilário, e ele é ótimo com o público. É possível ver na equipe pessoas que fariam qualquer coisa por eles. Isso acontece porque não há divisão entre a equipe e a banda, do tipo "você não pode falar com esse cara" e toda essa babaquice. Há vários artistas assim, e acho uma palhaçada.

Então vocês tocaram "YYZ" durante o show com o Foo Fighters?

Num certo momento do set, Taylor (Hawkins) fez um pequeno solo de bateria e então nós subimos e tocamos "YYZ" com ele.

Foi algo que repercutiu bem.

Oh sim! Eu não acreditei o quão rápido foi disponibilizado no Youtube. Estava lá em minutos. Não há mais segredos. Aquela mística do Rush que nós falamos no começo... vocês não voltarão novamente àquele formato. Não. Isso é impossível.