LE STUDIO À VENDA

06/07/2006



O Le Studio, localizado em Quebec, mais precisamente nas Montanhas Laurentianas, é um local muito especial na história do Rush. Nesse estúdio foram gravados alguns dos álbuns mais importantes da carreira do trio, incluindo os famosos Permanent Waves (1980) e Moving Pictures (1981). O local esteve fechado durante algum tempo e recentemente foi posto à venda.

Clipes de canções como Limelight, Tom Sawyer e Vital Signs (todas do álbum Moving Pictures) foram gravados durante os trabalhos da banda no Le Studio. No vídeo de Time Stand Still (do álbum Hold Your Fire, de 1987), podemos conferir algumas paisagens filmadas próximas ao local. Já no DVD de extras do R30, podemos conferir também uma entrevista rara com a banda, gravada também nesse mesmo estúdio em 1981.

Em janeiro desse ano, Neil Peart concedeu uma bela entrevista para a revista Canadian Geographic, onde ele fala exatamente sobre esse belo local:

Minhas paisagens da alma nas Mountains Laurentianas
Por Neil Peart

Cresci nas terras sulistas de Ontário, porém descobri as paisagens encantadas que marcaram minha alma nas Montanhas Laurentianas, em Quebec. Limitada pelos rios St. Lawrence, Ottawa e Saguenay, esta larga escala de montes baixos, vales de florestas, lagos brilhantes e estradas sinuosas é parte do Maciço Canadense, restos de choques entre geleiras e de montanhas das mais antigas do mundo.


Passados 25 anos, as Laurentianas têm sido um santuário de inspirações para mim. Defino o local como um lugar para criar e recriar, uma reconexão com a natureza e comigo mesmo. A primeira vez que viajei para lá foi no outono de 1979, quando o Rush gravou o álbum Permanent Waves no Le Studio, próximo à aldeia de Morin-Heights, Quebec. Localizado num conjunto de 100 hectares de colinas arborizadas, o estúdio ficava numa extremidade de um lago privado, enquanto os aposentos ficavam na outra. Por isso, precisávamos comutar entre eles através de canoas, pedalinhos ou barco à remos. Foi na nossa segunda visita ao local, no final de 1980 (para gravar o Moving Pictures), que me apaixonei pelo local de verdade. O coordenador-assistente de estúdio, Robbie Whelan, me apresentou o ski cross-country, no qual fiquei realmente viciado. Na ocasião, me peguei estudando a previsão de tempo de cada dia, escolhendo a cor de cera certa pra usar, ficando feliz por observar meus colegas de banda confusos, "Parece um ótimo dia para usar uma cera azul!”

Robbie havia me recomendado observar todas as noites as previsões do tempo com o meteorologista Stuart Hall, de Burlington, Canal 3 de Vermont. Com isso, comecei a assistí-lo religiosamente todas as noites. As linguagens meteorológicas dos relatórios de Hall me influenciaram, e sempre incorporo as palavras dele em letras de nossas músicas. Sempre antes dos vídeos vindos do satélite de cada dia, Hall dizia, “Let's set the clouds in motion” ("Vamos colocar as nuvens em movimento”). Essa frase transformou-se numa na canção, Prime Mover:

I set the clouds in motion
Turn up light and sound
Activate de window
And watch the world go ‘round…

Coloco as nuvens em movimento
Aumento a luz e o som
Aciono a janela
E assisto o mundo rodar...

"Looking at the long range forecast" (Olhando a previsão de longo alcance) era o panorama de Hall à noite para o dia seguinte. Trabalhei com isso em Turn The Page:

Looking at the long-range forecast
Catching all the names in the news
Checking out the state of the nation
Learning the environmental blues…

Olhando a previsão de longo alcance
Capturando todos os nomes nas notícias
Conferindo o estado da nação
Aprendendo a tristeza do meio-ambiente...

Ernest Hemingway citou, certa vez, o colega e autor John Dos Passos: "Lembre-se de que saber sobre o tempo em seu religioso boletim de previsão é muito importante".

Como letrista, achei um bom conselho. Após algumas experiências durante alguns anos consegui meu próprio estúdio nas Laurentians. Esse desejo floresceu mesmo em 1989, durante o álbum Presto, quando decidi pôr uma referência sobre o tempo em quase todas as canções. Em Scars, falei sobre meu querido inverno nas Laurentianas:

Snow falls deep around my house
And holds the winter light

Neve cai em volta da minha casa
E prende a luz do inverno

Na canção Presto, falei sobre a beleza completa de uma noite do inverno com uma reflexão pessoal de um caráter imaginário:

I had a dream of a winter garden
A midnight rendezvous
Silver, blue and frozen silence
What a fool I was for you

Tive um sonho sobre o jardim de inverno
Um encontro à meia-noite
Prata, azul e um silêncio congelado
Que tolo eu fui por você

E em Chain Lightning, comemorei o deslumbrante fenômeno dos sun dogs no céu de inverno, além das chuvas de meteoro perseídeos de agosto, conectando-os com a luz nos olhos da minha filha, quando compartilhamos daquelas maravilhas:

Sun dogs fire on the horizon
Meteor rain stars across the night
This moment may be brief
But it can be so bright
Reflected in another source of light

Sun dogs incendeiam no horizonte
Chuva de meteoros atravessa a noite
Este momento talvez seja breve
Mas pode ser tão iluminado
Refletido numa outra fonte de energia

Numa ocasião, escrevia algumas letras numa tarde chuvosa e fria (de doer os ossos) no final do verão de 1990. Estava de mau humor e acendi a lareira. Fiquei ali com meus papéis, trabalhando. Nesse momento, pensei em quão agradável era trabalhar dessa forma. Estive preocupado em excesso e sem razão por três dias, só que naquele momento as coisas estavam melhorando. Não importa o tempo ou a dificuldade do trabalho. Eu amo esse lugar, nas Laurentians. Com certeza, pode haver mosquitos, moscas, vespas, tempestades do gelo e alguns dias sombrios em novembro, mas nenhum lugar no mundo é perfeito mesmo!

Neil Peart é o principal letrista e baterista da lenda do rock Rush e autor de Traveling Music: Playing Back the Soundtrack to My Life and Times. (Voltando no tempo com as trilhas sonoras da minha vida).

Mais algumas informações sobre o assunto:

Sundogs (falsos sóis): É o segundo tipo de halo mais freqüente. Acontece especialmente quando o Sol está baixo e quando as nuvens contêm cristais hexagonais.

Chuva de meteoros Perseid (Perseídeos): Acontece todo mês de agosto e é composta por ruínas do cometa Swift-Tuttle. Esse cometa foi visto pela primeira vez em julho de 1862 pelos astrônomos americanos Lewis Swift e Horace Tuttle. Logo depois da descoberta, o italiano Giovanni Schiaparelli reparou que a órbita do cometa era muito semelhante de onde vinha a chuva de partículas de agosto. E foi dessa forma que se desvendou a origem dos meteoritos perseídeos.

Neil Peart, sobre Chain Lightning:

"Sou um fanático pelo clima - realmente amo e acompanho o clima, e sempre procuro por um bom homem do tempo. E, uma noite eu estava assistindo, e há dois incidentes nesta música que são sincrônicos em uma previsão do tempo, onde o homem do tempo mostrou uma figura de sun dogs e os descreveu, eles são dois pontinhos de luz que aparecem no pôr-do-sol, freqüentemente no inverno quando o céu está claro e cristalino e eles são como pequenos prismas e ficam a cerca de dez graus ao norte e sul do sol poente, e são belos pequenos diamantes de luz, e muitas vezes há um círculo de luz - uma linha, que os conecta. Então são um belo fenômeno natural e eu adoro o nome também. 'Sun dogs' tem um som ótimo. E na mesma previsão do tempo, o homem do tempo anunciou uma chuva de meteoros naquela noite, então minha filha e eu saímos para o lago no meio da noite e assistimos a chuva de meteoros. Então toda a idéia da música é reação e como as pessoas respondem às coisas e é algo que encontrei muito viajando ao redor do mundo também. Não é suficiente viajar e ver coisas. Você tem que responder a elas - você tem que senti-las e muito do impulso desta música é sobre como as coisas são transferidas, como relâmpagos em cadeia ou entusiasmo ou energia ou amor são coisas que são contagiosas, e se alguém as sente, são facilmente transferíveis a outra pessoa, ou no caso de assistir a uma chuva de meteoros é ainda mais especial se há alguém mais ali. 'Refletidos em outro par de olhos' é a idéia de que já é algo maravilhoso você e a chuva de meteoros, mas se há alguém mais com você ali para dividir isso, então ela se multiplica, sabe, torna-se uma experiência exponencialmente maior, então reação é um tema recorrente em várias músicas e foi um dos meus sub-temas provavelmente dominantes na composição".

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