RED TIDE



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RED TIDE

nature has some new plague
to run in our streets
history some new wrinkle
we are doomed to repeat
fugitives at the bedroom door
lovers pause to find an open store
rain is burning on the forest floor
and the red tide kisses the shore

THIS IS NOT A FALSE ALARM
THIS IS NOT A TEST


stay out of the sun
it only burns my skin
sky full of poison
and the atmosphere's too thin
bless the sun, the rain no more
river running like an open sore
black wind falling to the ocean floor
and the red tide washes ashore

THIS IS NOT A FALSE ALARM
THIS IS NOT A TEST
Nowhere we can fly away
Nowhere we can rest
The party is disrupted by
An uninvited guest


deadline approaches
for the weary land
it used to be something
but we let it run down in our hands
too late for debate, too bad to ignore
quiet rebellion leads to open war
bring a sea-change to the factory floor
as the red tide covers the shore


Now's the time to turn the tide
Now's the time to fight
Let us not go gently
To the endless winter night

Now's the time to make the time
While hope is still in sight
Let us not go gently
To the endless winter night
MARÉ VERMELHA

a natureza tem uma nova praga
a correr em nossas ruas
a história uma nova ruga
que estamos condenados a repetir
fugitivos na porta do quarto
amantes fazem uma pausa para encontrar uma loja aberta
a chuva está queimando o chão da floresta
e a maré vermelha toca a costa

ISSO NÃO É UM ALARME FALSO
ISSO NÃO É UM TESTE


fique longe do sol
ele só queima a minha pele
céu cheio de veneno
e a atmosfera muito fina
abençoe o sol, chega de chuva
rio correndo como uma ferida aberta
vento negro caindo no fundo do oceano
e a maré vermelha banha a praia

ISSO NÃO É UM ALARME FALSO
ISSO NÃO É UM TESTE
Não podemos voar para lugar algum
Não podemos descansar em lugar algum
A festa é interrompida
Por um hóspede não convidado


o prazo se aproxima
para a terra cansada
ela costumava ser algo
mas deixamos escapar de nossas mãos
tarde demais para debater, ruim demais para ignorar
rebelião silenciosa leva à guerra aberta
traga um mar de mudanças para o chão da fábrica
enquanto a maré vermelha cobre a costa


Agora é a hora de virar o jogo
Agora é hora de lutar
Não podemos seguir gentilmente
Para a noite de inverno sem fim

Agora é a hora de fazer acontecer
Enquanto a esperança ainda está à vista
Não podemos seguir gentilmente
Para a noite de inverno sem fim


Música por Geddy Lee e Alex Lifeson / Letra por Neil Peart


A urgência de soluções sobre os impactos ambientais

"Red Tide" é a nona canção do álbum Presto, uma peça primorosa repleta de energia que trata sobre a crescente degradação ambiental, ocasionada principalmente pela humanidade incessante em direção aos seus avanços. Sem dúvidas, outra belíssima composição que apresenta um dos melhores esforços líricos presentes em todo o disco.

Com acordes gerais vigorosos, "Red Tide" dosa versos iniciais mais sutis e introspectivos em uma proposta musical progressiva, esta que consegue exprimir perfeitamente as sensações de um grande perigo iminente. Com ótimas tomadas sintetizadas e teclados emulando sons claros de piano, a canção se mostra pulsante e dinâmica, evidenciando novamente o grande entrosamento e a musicalidade irrepreensível dos três músicos. Culminando em uma ponte contundente que conclama à ação, recebemos de Alex Lifeson um solo de guitarra em fúria ardente, o qual podemos considerar como o ápice dessa brilhante obra.

"Quis muita tensão nesse solo porque a canção é bastante intensa", lembra Lifeson. "Há um tipo de sentimento perturbador que acho que une a coisa toda. A canção é raivosa. Neil é uma pessoa muito ecológica de espírito, escrevendo 'Red Tide' para lidar com a destruição do nosso meio ambiente. Queria que a música e o solo expressassem essa raiva".

Seguindo a ênfase de canções como "Second Nature", do álbum anterior Hold Your Fire (1987),  e "Distant Early Warning" (de Grace Under Pressure, 1984), Peart pondera em "Red Tide" os problemáticos impasses ambientais como a sustentabilidade, o buraco na camada de ozônio, a chuva ácida, a poluição (notadamente ocasionada pelos resíduos industriais), o desmatamento o fato de como o homem se retira erroneamente da natureza, assuntos sempre atuais e cada vez mais latentes. O sol e a chuva, pelo rastro de destruição que ocasionam nesse cenário, deixam de ser abençoados.

"É realmente um pouco de preocupação egoísta", diz Peart. "Eu amo a vida selvagem de verdade, pois passo muito do meu tempo ao ar livre quando não estou trabalhando. Por isso é importante pra mim. Um dos meus principais hobbies é andar de bicicleta, e a qualidade do ar é de fundamental importância. Já escrevi sobre isso na canção 'Second Nature', do álbum anterior Hold Your Fire. Novamente, não quis dizer coisas que soassem enfadonhas. Tentei encontrar imagens como em 'Second Nature' - gostei muito da analogia que usei, 'we want our homes to be a second nature' [queremos que nossos lares sejam uma segunda natureza]. Fiz o mesmo aqui, tomando frases e torcendo-as, a fim de dizer o que eu queria de fato".

Além dos pensamentos em torno da degradação ambiental, Peart inicia as primeiras linhas de "Red Tide" tecendo um comentário sobre a AIDS, que no fim da década de oitenta se mostrava cada vez mais devastadora para a humanidade. De 1982 a 1989, a sobrevida dos pacientes maiores de 12 anos portadores da doença era de apenas 5,1 meses.

"'Red Tide' foi um pouco mais inflexível, pois acho que o tempo está um pouco mais crítico, e tive que ser mais firme por isso. Mas, ainda há outras formas de se chegar a isso, havendo também piadas por lá que provavelmente nem todos no mundo irão captar. No primeiro verso, eu falo sobre 'a nova praga da natureza', e então 'amantes dando uma pausa na porta do quarto para achar uma loja aberta'. Obviamente, estava me referindo à AIDS, a ironia da vida moderna, onde a espontaneidade do amor certamente ainda ocorre, porém aqui com dois amantes que acabaram de se conhecer no meio da noite, precisando encontrar uma loja antes de conseguirem consumar seu novo relacionamento. Quando coloco essas coisas, dou um sorriso, mesmo sabendo que o mesmo geralmente não será compartilhado".

O título da canção refere-se ao fenômeno Maré Vermelha, provocado pelo desequilíbrio ecológico resultante da excessiva proliferação da população de certas algas tóxicas no mar. Como causas, verificam-se a alteração na salinidade, a oscilação térmica e o excesso de sais minerais decorrentes, principalmente, do escoamento de esgoto doméstico, o que afeta consequentemente o comportamento das espécies planctônicas. A acelerada reprodução e aglomeração das algas desencadeiam esse efeito na fauna aquática local, liberando substâncias tóxicas em alta concentração capazes de envenenar a água e os organismos, ocasionando a morte em larga escala de peixes e moluscos. Outro aspecto evidente na Maré Vermelha é o bloqueio efetuado pela camada de algas, impedindo a incidência e passagem da luminosidade, o que altera o processo fotossintético com a diminuição dos níveis de oxigenação da água. A imagem desse fenômeno para a canção refere-se, claramente, às mortes e destruição que inevitavelmente ocorrerão se não passarmos a ser mais responsáveis com o meio urgentemente - conforme descrito pelo letrista ao longo dos versos, a maré vermelha inicialmente toca, lava e, por fim, cobre toda a costa.

Peart também inspirou-se em algumas obras literárias para abrilhantar ainda mais a canção. As frases "Nature has some new plague to run in our streets" [A natureza tem uma nova praga a correr em nossas ruas] e "The party is disrupted by an uninvited guest" ["A festa é interrompida por um hóspede não convidado"] foram inspiradas no conto "A Máscara da Morte Vermelha" ["The Masque of the Red Death"], escrito em 1842 pelo autor norte-americano Edgar Allan Poe (1809 - 1849). Nessa história de horror, a "Morte Vermelha" era a designação de uma peste letal e terrível, na qual o sangue era a sua encarnação e o seu sinal. Tinha início com dores agudas, um desvanecimento súbito e logo os poros se punham a sangrar abundantemente - sobrevindo, então, a decomposição. Manchas avermelhadas no corpo e, notadamente, no rosto da vítima, segregavam-na da humanidade e a afastavam de todo socorro e de toda compaixão. O contágio, o progresso e o fim da enfermidade consumiam apenas meia hora.

Já o trecho "Let us not go gently to the endless winter night" ["Não podemos seguir gentilmente para a noite de inverno sem fim"] foi inspirado no poema "Do Not Go Gentle Into That Good Night" ["Não Entres Docilmente Nessa Noite Serena"], concebido em 1951 pelo galês Dylan Thomas (1914 - 1953). Possivelmente, Peart retrata o chamado Inverno Nuclear em "a noite de inverno sem fim", um fenômeno ambiental que, segundo alguns modelos teóricos, provavelmente aconteceria se ocorresse no planeta uma guerra nuclear em larga escala. Estudos feitos na década de 1980 mostram que um grande conflito atômico poderia ter um impacto devastador sobre o clima, levando milhões de pessoas à morte. A teorização inicial desse fenômeno foi um trabalho conduzido pelo cientista russo Vladimir Alexandrov (1938 - desaparecido em 1985).

"'Red Tide' é a nossa canção de protesto ambiental", diz Lifeson. "Neil sente muito entusiasmo sobre esses temas, ele sempre escreve sobre o que está pensando. E agora, o meio ambiente é uma questão muito importante, e a menos que seja tratada muito rapidamente, vai ser tarde demais. Será uma diminuição de retornos, não seremos capazes ter de volta o que tínhamos".

"O rock não é necessariamente um jogo dos jovens"
, diz Neil, enfaticamente. "Em certo sentido, é claro, trata-se de energia e idealismo, coisas que estão associadas à juventude. Porém, elas não são necessariamente exclusivas da juventude. E essa coisa de ser músico, também, acaba te autorizando a permanecer como um adolescente por muito tempo".

Com "Red Tide", Presto continua refletindo sobre as diversas facetas das relações estabelecidas não somente entre as pessoas, mas destas com o meio no qual estão inseridas. Mesmo sendo parte da evolução natural do planeta, muitos dos desastres ambientais retratados na canção têm sido notadamente intensificados ou até mesmo provocados pelas atividades humanas, expondo os efeitos das nossas contradições, das disparidades econômicas, da morosidade, indiferença e dos impasses regionais ou geopolíticos. "Red Tide", portanto, revela-se como uma declaração aberta e sincera que não se preocupa com as críticas que geralmente se levantam em torno desses temas, acusando aqueles que se pronunciam preocupados com o ambiente de estarem envolvidos por clichês, utopia, demagogia ou moralismos em seus posicionamentos. Nessa canção, o Rush declara abertamente que tanto a iniciativa quanto as mudanças, sem dúvidas, devem nascer em cada um de nós.

© 2015 Rush Fã-Clube Brasil

WILDING, P. "The Meaning Of Lifeson". Kerrang! #266. November 25, 1989.
ELLIOTT, P. "The Magic Circle - With Their New Lp, 'Presto', Rush Have Come Full Circle And Gone Back To Basic Songwriting. Paul Elliott Meets The Trio's Guitarist Alex Lifeson". Sounds. December 9, 1989.
MILKOWSKI, B. "Rush In Revolution". Guitar World. March 1990.