DOG YEARS



VOLTAR PARA "TEST FOR ECHO"
VOLTAR PARA DISCOGRAFIA
VOLTAR PARA LETRAS E RESENHAS

TOTEM  DOG YEARS  VIRTUALITY


DOG YEARS

In a dog's life
A year is really more like seven
And all too soon a canine
Will be chasing cars in doggie heaven

It seems to me
As we make our own few circles 'round the sun
We get it backwards
And our seven years go by like one

Dog years - It's the season of the itch
Dog years - With every scratch it reappears

In the dog days
People look to Sirius
Dogs cry for the moon
But those connections are mysterious

It seems to me
While it's true that every dog will have his day
When all the bones are buried
There is barely time to go outside and play

Dog years - It's the season of the itch
Dog years - With every scratch it reappears
Dog years - For every sad son of a bitch
Dog years - With his tail between his ears

I'd rather be a tortoise from Galapagos
Or a span of geological time

Than be living in these dog years

In a dog's brain
A constant buzz of low-level static
One sniff at the hydrant
And the answer is automatic

It seems to me
As we make our own few circles 'round the block
We've lost our senses
For the higher-level static of talk
ANOS DE CÃO

Numa vida de cão
Um ano está bem mais para sete
E muito em breve um canino
Estará perseguindo carros no céu dos cachorrinhos

Me parece que
Conforme fazemos nossos próprios círculos ao redor do sol
Andamos de costas
E nossos sete anos passam como um

Anos de cão - É o período da coceira
Anos de cão - A cada coçada ela reaparece

Nos dias de cão
Pessoas olham para Sirius
Cães choram para a lua
Mas essas conexões são misteriosas

Me parece que
Embora seja verdade que um dia é da caça, outro do caçador
Quando todos os ossos são enterrados
Mal há tempo de sair e brincar

Anos de cão - É o período da coceira
Anos de cão - A cada coçada ela reaparece
Anos de cão - Para cada pobre filho da puta
Anos de cão - Com seu rabo entre as orelhas

Preferia ser uma tartaruga de Galápagos
Ou um espaço de tempo geológico

Do que estar vivendo nesses anos de cão

Num cérebro de cão
Um zumbido constante de baixo nível estático
Uma farejada no hidrante
E a resposta é automática

Me parece que
Conforme fazemos nossos próprios círculos ao redor do quarteirão
Perdemos nosso bom senso
Para a conversa de alto nível estático


Música por Geddy Lee e Alex Lifeson / Letra por Neil Peart


Metáforas caninas para refletir sobre os dramas humanos temporais

A sétima faixa de Test For Echo é a pesada e divertida "Dog Years". O Rush propõe nesse momento uma composição de energia impetuosa e envolvente, provida de trechos com uma surpreendente pegada punk e nuances características do rock alternativo em voga na década de 1990. Tais peculiaridades a exprimem como uma sutil mudança de curso no disco, além de representar outra interessante experimentação na extensa carreira dos músicos. Mesmo funcionando como uma vitrine mais direta em termos musicais, a canção também consegue exibir as competentes habilidades dos músicos, estas que embelezam o cenário através de uma relevante gama de detalhes engenhosos bastante interessantes.

"Dog Years" surge contundente, com os três integrantes fortemente energizados em seus instrumentos. Trazendo letras pitorescas aliadas à vocais exaltados, a peça é direcionada por riffs agressivos de guitarra, linhas de baixo vibrantes e percussão sempre furiosa, elementos que servem como pano de fundo para um Neil Peart que olha novamente para a passagem do tempo e envelhecimento, porém de uma forma relativamente bem-humorada. Apesar do seu peso belicoso, "Dog Years" traça um paralelo entre a vivência do homem moderno e a vida canina, tema que soa como um frescor para um álbum que trata, em grande parte, de assuntos emocionalmente intensos e enigmáticos.

"Dog Years é a mais evidente em termos de humor", afirma Geddy Lee. "É um pouco punk [risos]. O humor está presente em nossa música há anos. Você perceberá isso se olhar para os títulos das nossas instrumentais. As pessoas nos levam muito a sério, mas acredite: essa nunca foi nossa intenção".

A preocupação com o tempo, sua dinâmica e seus efeitos sobre o homem continuam sendo alguns dos assuntos preferidos de Peart. Após discuti-los em composições anteriores como "Digital Man" e "Losing It" (Signals, 1982), "Between The Wheels" (Grace Under Pressure, 1984), "Time Stand Still" (Hold Your Fire, 1987) e na vizinha "Time and Motion", "Dog Years" mostra um olhar critico e lúdico a partir da famosa ideia de que um ano na vida dos cães equivale a sete na vida dos humanos, argumento utilizado pelo senso comum para equiparar os dois ciclos de vida. Propositalmente ocupando a sétima faixa, a música trabalha a preocupação sobre a rápida passagem do tempo e de seu aproveitamento, algo que pode ser inclusive percebido no encarte do álbum, adornado com fotos dos três músicos quando crianças. Trata-se, portanto, de uma metáfora para a própria banda, que percebeu que a vida passava rápido demais com tantos álbuns e turnês, decidindo frear o Rush anos antes para buscar outras metas individuais e mais dedicação às suas famílias.

A composição atípica de "Dog Years" surgiu de forma inusitada, fato que pode ter contribuído diretamente para sua exótica roupagem lírica. A banda retornava do seu maior hiato até então, e a primeira noite do projeto Test For Echo foi reservada às comemorações do reencontro. Na manhã seguinte, porém, em meio às desagradáveis sensações de ressaca, esse trabalho nasceu, tornando-se a primeira canção concluída para o álbum.

"Bem, a canção não é somente engraçada", afirma Peart. "Sempre tento incorporar minhas composições à vários níveis. Certamente que o ouvinte é bem-vindo para levá-la apenas como uma bobagem descartável. Até mesmo a história dessa composição é divertida, pois nasceu bem no momento que voltávamos a estar juntos pela primeira vez depois de um longo hiato. Tiramos a primeira noite para nos confraternizarmos e, no dia seguinte, eu estava ruim para uso e um pouco obtuso. Pensei, 'Nossa, acho que não vou conseguir fazer muita coisa hoje. Mas sou profissional; é melhor tentar'. Dessa forma, sentei meio aturdido e comecei a costurar palavras - era pra isso que eu estava lá depois da noite anterior. 'Dog Years' foi o que veio dessa mentalidade, nascendo de observações realizadas ao longo dos anos e também do meu olhar e pensamentos sobre o meu cachorro. 'O que está acontecendo aí no seu cérebro? Acho que apenas um ruído de baixo nível estático: alimentação e passeio'. Quando olho para o animal, imagino suas ondas cerebrais em movimento. Além dos elementos sobre o comportamento dos cães, acabei conversando também com alguns donos. Alguém me perguntou, 'O que você acha que seu cachorro está pensando?'. Respondi, 'Acho que ele não está pensando demais'. De fato, também falei sobre isso na canção".

"'Dog Years' é uma metáfora para o ritmo da vida"
, explica Geddy, "tratando também sobre o cérebro de um cão [risos]. Nos divertimos muito fazendo o que fazemos, e nossas piadas internas são sempre bem legais. Porém, quando paramos para falar sobre nossa música, assumimos um tom mais sério devido à natureza das mesmas. Éramos bastante desajeitados quando começamos, suponho que tanto liricamente quanto musicalmente. Assim, essa imagem séria conviveu conosco. Embora tenhamos crescido e muitas coisas tenham mudado, injetamos mais humor em nossa música".

"Meu cachorro se chama Cody"
, revela Lifeson. "Eles são muito espertos, e sorri na primeira vez que li essa letra".

"Dog Years" é repleta de metáforas, trocadilhos e influências, características sempre marcantes na escrita de Peart. A canção, aparentemente, olha para a vida dos cães, com sua letra soando como despreocupada e frívola (diferente da maioria dos pensamentos profundos e significativos que integram a obra do Rush). Porém, um olhar mais cuidadoso, amplo e aprofundado pode revelar um dos esforços líricos mais inteligentes já realizados pelo trio, com cada linha trazendo gratas surpresas.

"Dog Years" não trata especificamente sobre os cães, mas sim sobre os homens. No primeiro verso, o letrista menciona que "In a dog's life, a year is really more like seven" ("Numa vida de cão, um ano está bem mais para sete"), uma afirmação de que os cães, claramente, amadurecem bem mais rápido que as crianças no primeiro ano de vida. Uma convenção do senso comum afirma que um ano para o cão é como sete anos para os humanos, pois os animais envelhecem mais rapidamente, morrendo ao completarem em média onze ou doze anos. Multiplicando essa estimativa por sete, temos a expectativa aproximada da vida humana.

A frase "And all too soon, a canine will be chasing cars in doggie heaven" ("E muito em breve, um canino estará perseguindo carros no céu dos cachorrinhos") denota um dos costumes mais comuns nesses animais - estes que, certamente, não saberiam o que fazer se conseguissem alcançar um automóvel em suas perseguições. Temos ainda a utilização do curioso termo "céu dos cachorrinhos", que expõe naturalmente o humor que sempre caracterizou os canadenses. Essa estrofe, portanto, prepara o palco para a metáfora permeará toda a canção - ideias que conectam o homem ao seu melhor amigo.

No segundo verso, temos as conexões dos símbolos com a condição humana. Conforme realizamos nossos giros ao redor do sol (uma referência ao movimento de translação, responsável pela sucessão dos anos), nosso tempo parece voar - vivemos vidas atribuladas e vazias totalmente presas a rotinas mecânicas, muitas vezes sem saber o que perseguimos e mal conseguindo perceber o passar dos dias. Por isso a composição afirma que vivemos anos de cão - sete anos que passam como um.

No primeiro refrão, a bizarra linha "It's the season of the itch" ("É o período da coceira"), que se mostra inicialmente obscura, reserva significados incrivelmente complexos e inteligentes. Ao que tudo indica, temos duas interpretações possíveis para o trecho. A primeira delas retrata um trocadilho com o título em inglês de The Seven Year Itch (O Pecado Mora ao Lado), o filme mais icônico da atriz Marilyn Monroe (1926 - 1962), o qual produziu a cena em que seu vestido cor de marfim era levantado na rua pelo jato do respiradouro do metrô na calçada, tornando-se um ícone da cinematografia mundial. Curiosamente, essa mesma frase é utilizada por psicólogos na designação dos casais que costumam ter problemas no sétimo ano de casamento - a chamada crise dos sete anos (desentendimentos, estresse e desgaste das relações amorosas de forma cíclica - a excitação que existe no início dando lugar à rotina e à monotonia). A segunda possibilidade é que a ideia pode ser proveniente da expressão Season of the Witch (Temporada das bruxas), que se refere, claramente, à tempos difíceis.

A conexão com a primeira estrofe se mostra óbvia e dupla. Além da ligação dos sete anos com a vida canina, temos a palavra "coceira" evocando, clara e imediatamente, a imagem costumeira de um cão que se coça. Esse ato continua em "With every scratch it reappears" ("A cada coçada ela reaparece") para reafirmar que, como os cães, não importa o quanto nos "cocemos" - estamos tão presos na dinâmica exigente diária e temporal que não conseguimos fazer com que a "coceira" cesse. O fato é que o tempo continua inexoravelmente, com os sete anos ("the season of the itch") passando realmente como um para nós.

No segundo momento de "Dog Years", Peart salienta novamente as lutas da humanidade. Estando totalmente imersas em seus dias de cão, as pessoas olham para Sirius ("In the dog days, people look to Sirius"), o que denota outra referência inteligente: Sirius, a chamada "estrela canina" localizada na constelação de Cão Maior, é a estrela mais brilhante no céu e uma das mais próximas da terra. Significando brilhante em grego, ela não é visível no céu noturno durante os meses do verão, o que levava os antigos a acreditarem que o astro se dirigia ao Sol para adicionar-lhe ainda mais calor, produzindo os meses quentes da estação, conhecidos como dias de cão (e que explicam a expressão calor do cão). Na mitologia grega, consta que os cães caçadores de Órion teriam sido elevados aos céus pelas mãos de Zeus, na forma da estrela de Sirius ou do conjunto de constelações de Cão Maior e Cão Menor. Esse trecho pode denotar que, nos momentos difíceis, pessoas buscam conforto em pseudociências como a astrologia, ou simplesmente elevam seus dramas aos céus na busca por respostas. A estrofe, com mais um toque de perspicácia, faz com que a frase "People look to Sirius" soe como "People look too serious" ["Pessoas parecem muito sérias"], estas que tendem a levar a vida muito a sério, particularmente em seus "dias de cão".

A segunda parte traz outro ótimo jogo de palavras, com "Dogs cry for the moon" ("Cães choram para a lua"). Nesse trecho, os "cães" representam pessoas que reclamam e lamentam seus problemas aos céus - conexões de fato misteriosas tanto para os homens quanto para os animais.

Peart segue trazendo imagens curiosas, utilizando palavras que podem ser tomadas literalmente sobre os cães e metaforicamente sobre os seres humanos. Pensando no trecho "When all the bones are buried, there is barely time to go outside and play" ("Quando todos os ossos são enterrados, mal há tempo de sair e brincar"), sabemos que os cães enterram seus ossos por herança genética. Os lobos, seus ancestrais, escondiam restos de presas para sobreviverem quando a caça era escassa. No caso dos humanos, estes dedicam quase todo o tempo disponível absorvidos por suas obrigações diárias e buscas materiais, sendo um desafio ter oportunidades para a realização de outras atividades importantes e que verdadeiramente saciem seus anseios. A rotina, sem dúvidas, traz a inevitável sensação de que o tempo passa mais rápido. Esse é o motivo do letrista afirmar que as pessoas olham tão "sérias" para a vida, deixando de lado a leveza e a doçura. Essa passagem também traz o símbolo dos nossos próprios ossos que comumente são enterrados quando morremos. Levamos nossas vidas sempre tão ocupadas e, ao falecermos, nosso tempo de fato se esgota. Portanto, mais uma vez, Peart busca valorizar a vida, propondo um incentivo de não desperdício desse que ele entende como o bem mais precioso.

No segundo refrão, um cão é, de fato, o filho de uma cadela ("bitch") e o homem que enfrenta seus anos de cão, segundo o letrista, é um triste "filho da puta" (certamente, a expressão mais ousada já utilizada em letras do Rush). A quarta linha, "With his tail between his ears" ("Com seu rabo entre as orelhas"), pode referir-se a uma comparação do abanar da cauda do cão com uma mente totalmente condicionada aos mesmos movimentos repetitivos e previsíveis cotidianos. Superficialmente, a figura de uma "cauda entre as orelhas" não faz sentido, mas, quando pensamos na mente humana condicionada, as intenções se encaixam.

"Dog Years" ainda reserva uma ponte de atmosfera mais branda utilizando elementos que expressam uma insatisfação com a temporalidade doentia do homem moderno. Peart menciona contrapontos com as tartarugas-das-galápagos, espécie endêmica do arquipélago pertencente ao Equador que pode viver mais de cem anos naturalmente (local que, desde a visita de Charles Darwin, se tornou o principal laboratório vivo de biologia do mundo), e com o termo "tempo geológico", este representa a linha do tempo desde o presente até a formação da Terra, dividida em éons, eras, períodos, épocas e idades e que se baseia nos grandes eventos geológicos da história do planeta.

"A frase 'We get it backwards and our seven years go by like one' ['Andamos de costas, e nossos sete anos passam como um'] veio de uma colunista do New York Times", explica Peart. "Ela redigia algumas coisas dizendo que estava ficando cansada de viver anos de cão, onde a cada sete anos parecia ter se passado apenas um. Achei bela essa pequena imagem, e a música aconteceu logo após estarmos juntos novamente, em uma comemoração. É claro, eu estava um pouco perdido no dia seguinte [risos] e pensei que não seria capaz de produzir algo (...). 'Dog Years' foi o que saiu daquele meu estado de espírito. Por fim, não tinha certeza se seria estúpida ou inteligente, mas gostei dela e me fez sorrir. Levei-a aos outros caras e eles tiveram a mesma resposta. A canção não funcionou apenas como um exemplo incorreto do estado de espírito para o trabalho criativo, mas também como aquela que me forçou a ir com a maré, deixando algo diferente vir à tona".

"Bem, 'Dog Years' é uma metáfora"
, diz Geddy. "Sim, uma metáfora sobre como o tempo passa rápido, e como sete anos podem nos escapar como se fossem um".

© 2016 Rush Fã-Clube Brasil

ROBINSON, J. "'Test For Echo' World Premiere". Chicago's Wksc-Fm, September 5, 1996.
MIERS, J. "The Road Less Traveled / A Conversation With Neil Peart Of Rush". Weekend Music Editor, Buffalo New York's Metro Weekend. October 17 - 23, 1996.
STREETER, S. "A Show Of Fans Speaks With Geddy Lee" and "Ask Big Al" (Installment Two). A Show Of Fans #15. Fall 1996.